"Tem muita
gente poderosa calada, sentada em cima de seus tronos de dinheiro e
seguidores", diz, sobre combater o fascismo
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Felipe Neto |
Por Chico
Alves
Desde que, há
seis anos, Jair Bolsonaro e seus seguidores introduziram no Brasil uma forma
suja de fazer política, lançando mão de xingamentos, mentiras e ataques
coordenados nas redes sociais contra adversários, os defensores da democracia
buscam uma estratégia eficaz de resposta. Nessa especialidade, pouca gente no
país acumulou mais conhecimento prático que o comunicador Felipe Neto. No auge
do bolsonarismo, ele se tornou um dos alvos preferenciais da extrema direita,
ao criticar seus métodos abertamente.
A experiência
do combate cotidiano ao neofascismo é contada em detalhes por Felipe no livro
recém-lançado — e já best-seller –, “Como enfrentar o ódio” (Companhia das Letras). Em
entrevista ao ICL Notícias, ele fala sobre essa disputa por corações e mentes e
responde se é possível lutar contra a extrema direita sem usar também um pouco
de fúria — algo que os bolsonaristas classificam ironicamente de “ódio do bem”.
“Nessa hora,
precisamos invocar a velha frase (supostamente) de Malcolm X: ‘Não confunda a
reação do oprimido com a violência do opressor'”, cita Felipe Neto.
Sobre a
preocupação daqueles que combatem com firmeza o autoritarismo não se tornarem
parecidos com os seus adversários, ele sugere uma regra básica: “O principal é
ter a ética como norte”.
Na entrevista,
o autor conta a dificuldade de mudar publicamente de posição, passando de
crítico feroz da esquerda — que por muitos anos acreditou ser “o mal do mundo”
— a seu aliado, o sentimento de ser um cidadão alvo do “ódio de Estado” e
relata o que o manteve nesse front, apesar de todas as dificuldades.
Felipe Neto
trata também do sucesso de seu Clube do Livro, que levou três obras à lista de
mais vendidos. Dá dicas preciosas para levar jovens viciados nas telas do
celular a apreciar literatura. “É necessário consolidar a leitura não como um
hábito, mas como um prazer, um hobby”, sugere.
ICL Notícias
— É possível enfrentar aqueles que criaram a onda de ódio e fascismo que tomou
conta do Brasil nos últimos anos sem, em alguma medida, destilar também algum
ódio contra eles? Mais que isso: um pouco do que chamam de “ódio do bem” é
necessário para enfrentar o fascismo à altura?
Felipe Neto —
Sem dúvida é possível enfrentar, tanto que vencemos em 2022. O ambiente
digital, que antes era território quase 100% dominado pela extrema direita,
virou uma luta mais justa em 2022, o que ficou provado pelo gráfico de
engajamento.
A questão é que
não se trata de “ódio do bem”, mas sim de enfrentamento e resistência. Nessa
hora, precisamos invocar a velha frase (supostamente) de Malcolm X: “Não
confunda a reação do oprimido com a violência do opressor”. Quem resiste ao
neofascismo não pode ser visto como o autor do ódio e da violência.
Como
enfrentar o ódio sem ser tragado por ele?
É impossível
enfrentar os agentes desse neofascismo criminoso sem sujar as mãos na lama onde
eles travam suas batalhas. Por isso, o principal é ter a ética como norte,
estabelecendo limites de até onde você pode ir nessa luta.
Para mim,
algumas práticas não podem ser aceitas, sob o risco de nos tornarmos aquilo que
lutamos para derrotar. Exemplo: criar notícias falsas intencionalmente contra
os representantes neofascistas, ou distorcer propositalmente o que foi dito
para atender a uma narrativa falsa. É possível vencer a extrema direita com a
verdade.
Como você
relata no livro, foi influenciado por ideias conservadoras e até reacionárias
de membros da família, e depois fez uma mudança radical. Pode relatar a dor de
descobrir que estava enganado, a dor de admitir isso publicamente e assumir
bandeiras do grupo que por um bom tempo viu como inimigo político?
Foi
extremamente difícil admitir que a esquerda não era o mal do mundo, pois essa
era uma certeza que eu tinha desde criança. Nosso cérebro pode interpretar esse
tipo de mudança como algo humilhante. Por isso, muita gente sabe que está do
lado errado, mas persiste mesmo assim, pois admitir estar errado seria mais
doloroso do que apenas seguir em frente.
Eu levei anos
para ter a coragem de admitir o quanto estava errado, justamente porque meu ego
lutou com todas as forças para impedir essa mudança. Eu sabia que seria
massacrado, chamado de hipócrita e ainda seria rejeitado pela própria esquerda,
que não veria essa transformação com bons olhos.
Como é
enfrentar o “ódio de Estado” praticamente sozinho? Em que momento se sentiu
mais desamparado?
Eu nunca estive
sozinho, porque felizmente carrego comigo uma legião de seguidores que conhece
minha história. Eles me salvaram inúmeras vezes, mais do que consigo contar.
Justamente por isso eu percebi que precisava ajudar aqueles que não tinham esse
mesmo escudo.
Foi quando
fundei o Instituto VERO e o movimento Cala Boca Já Morreu, que defendeu
gratuitamente dezenas de pessoas que foram atacadas pelo governo Bolsonaro com
processos criminais de Segurança Nacional.
Todas as
pessoas foram inocentadas e puderam seguir suas vidas sem se sentirem
desamparadas.
O que o
manteve na resistência ao fascismo, apesar de tantos ataques?
O mesmo que me
manterá a vida toda: o inconformismo com a injustiça e a intolerância. Quando
você vê um ato de injustiça ou intolerância e se cala, você se torna um
covarde. Eu posso ter muitos defeitos nessa vida, mas a covardia nunca será um
deles.
Você reclama
que a classe artística se calou naquele momento crucial. Após quatro anos de
bolsonarismo, há sinais de que isso tenha mudado?
A situação de
2018 para 2022 melhorou exponencialmente, mas ainda está muito, mas muito
distante do ideal. A resistência contra a extrema direita deve ser constante,
diária e parte da vida de todos que defendem um pacto civilizatório de luta
pela democracia e pelos direitos humanos. Ainda tem muita gente poderosa
calada, sentada em cima de seus tronos de dinheiro e seguidores.
Você agora
está à frente de uma campanha pela leitura. Quais sugestões pode dar para
tornar o hábito da leitura atraente para uma geração que se habituou a frases
curtas, pensamentos fragmentados e relata grande dificuldade de concentração?
Em primeiro
lugar, o distanciamento do TikTok, dos Reels no Instagram e dos Shorts no
YouTube. Um cérebro tomado pelo vício em dopamina, em função desses
aplicativos, dificilmente conseguirá se concentrar em um filme, quiçá um livro.
É preciso enfrentar esses apps com linhas do tempo infinitas de vídeos curtos,
pois eles são comprovadamente nocivos para a saúde mental humana.
A partir daí, é
necessário consolidar a leitura não como um hábito, mas como um prazer, um
hobby.
Para isso,
precisamos do apoio da escola e do ambiente familiar, evitando transformar a
literatura em assunto chato, em obrigatoriedade cansativa e imprópria para a
idade. É preciso de uma reforma profunda no entendimento da leitura como
essencial para a formação humana e resistência da sociedade.
Quais
resultados do Clube do Livro mostram que a experiência está no caminho certo?
Os três livros
que trabalhamos até agora foram para o topo da lista de mais vendidos. Foram
milhares e milhares de cópias adquiridas, gerando imenso debate sobre as obras
nas redes sociais.
Já temos mais
de 6 mil assinantes em nossa plataforma, recebendo aulas de Literatura,
História e Filosofia, além de seguirem a Trilha do Leitor e concluírem um
mini-curso em cima de cada livro do mês, com certificado.
Está sendo uma
das experiências mais transformadoras da minha vida e o feedback que recebemos
dos assinantes é simplesmente extraordinário.
Depois de
enfrentar o ódio do bolsonarismo, você foi rejeitado por alguns personagens
ditos progressistas, que criticaram sua ida à Flip. Como reagiu, o que tem a
dizer a eles?
Nada além de
pedir para que assistam ao debate entre mim, Patrícia Campos Melo e a
mediadora, Fabiana Moraes, lá na Flip. Está na íntegra no YouTube.