Professor
Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). [ assessoria de comunicação e imprensa +55 11 991697674 [agenda de palestras e entrevistas]
Bem-vindos ao Diário Independente do
nosso amável abismo chamado Brasil!
“Oposição
acusa Maduro de manobrar distritos eleitorais para evitar derrota” (Estadão30/8/15: A13). Ainda
bem que isso só ocorre na Venezuela. Ufa!
1. Crise política (corrupção e
antirrepublicanismo):
A
mafiocracia brasileira sempre existiu. Mafiocracia é o governo criminoso do
Estado pelos senhores neofeudalistas que são os donos dos poderes econômico,
financeiro e político. De várias maneiras a mafiocracia acumula riqueza e
poder. Uma delas é pela via ilegal (por meio de monopólios, oligopólios,
cartelização, corrupção, fraude em licitações, licitações combinadas etc.). “A
História do Brasil sempre foi um negócio” (Caio Prado Jr.).
O que
sempre caracterizou a mafiocracia foi a impunidade, que era regra quase
absoluta até pouco tempo. Para não ir longe, recordemos a clássica (tópica)
irresignação de Rui Barbosa (no princípio do século XX): “De tanto ver triunfar
as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a
injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem
chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser
honesto”.
Mas, de
repente (desde 2012), alguns banqueiros, marqueteiros, políticos, altos
funcionários, empreiteiros, executivos e tantos outros comparsas começam a ir
para a cadeia. Como se explica isso?
Seis
razões:
(a) Seletividade do sistema penal: o
poder punitivo estatal sempre foi seletivo (calcula-se que nem 2% dos crimes
são devidamente apurados – v. http://são-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,em-sp-95-dos-crimes-ficam-impunes,581914).
Ele, em regra, escolhe quem vai investigar. Suas estruturas tradicionalmente
foram voltadas para a delinquência “dos de baixo”. O que mudou? A polícia
federal, desde 2003 (paradoxalmente a partir do governo Lula), já fez mais de
três mil operações investigativas contra os criminosos de colarinho branco (ou
seja: contra a mafiocracia). Nesses casos, não apenas se rompeu o velho sistema
da imunidade investigativa como também o Ministério Público Federal passou a
agir com mais eficiência.
(b) Invisibilidade: o crime do colarinho branco não tem “crime
appeal”, ou seja, sempre foi invisível. Essa invisibilidade foi rompida diante
da aliança das bandas podres dos senhores neofeudistas com o PT e partidos da
coalização. O que mudou? A mídia rompeu sua conivência com os crimes dos
poderosos envolvidos com a corrupção do PT e partidos aliados. Os criminosos
poderosos (das bandas podres dos senhores neofeudalistas) passaram a ser
popularmente conhecidos pelos seus nomes (Zé Dirceu, Marcos Valério, a dona do
banco Rural, o dono da empreiteira x etc.). Na mídia, a mafiocracia começou a
dividir o espaço policial com os tradicionais criminosos.
(c) Indiferença:
enquanto não havia crise econômica no governo petista, a população e a mídia
suportaram em silêncio a roubalheira da mafiocracia. Nem o mensalão foi
suficiente para tirar o PT do poder. A visibilidade da mafiocracia rompeu a
indiferença da população brasileira (que sempre aceitou, em maior ou menor
grau, a reeleição do político corrupto: Sarney, Collor, Renan, Jader, Maluf
etc.). O que mudou? A partir da Dilma, crise econômica foi se agravando e, ao
mesmo tempo, houve um forte acirramento da polarização política (em 2014). As
classes médias manifestaram sua indignação (junho/13) contra a perda da
qualidade de vida; os descontentes com a desgovernança econômica já foram para
as ruas várias vezes gritando “Fora PT”, “Fora Dilma” etc. O que mudou? A
indignação de todos os grupos se transformou em ódio (o ódio é contra o PT e
todos que estão ao lado dele);
(d) Aliança mortal: a aliança criminosamente corrupta das bandas
podres dos senhores neofeudais (donos do poder, por natureza adeptos do
conservadorismo mais radical) com o governo petista (de esquerda) foi, do ponto
de vista da impunidade, desastrada para os primeiros. O conservadorismo oficial
(desde as bases do poder) sempre ficou distante das esquerdas, particularmente
as radicais. Getúlio Vargas com o autogolpe de 1937 e seu Estado Novo liquidou
a intentona comunista de 1935. O regime ditatorial (civil-militar) de 1964
aniquilou as pretendidas reformas de João Goulart. Com o
governo petista foi diferente. O historiador Marco Antonio Villa foi ao ponto:
“O petismo, no auge, contou com apoio entusiástico da elite brasileira. Mesmo
após as denúncias do mensalão, publicizadas na CPMI dos Correios. Para as
classes dirigentes, o projeto criminoso de poder foi visto, apenas, como uma
forma de governança, nada mais que isso (http://oglobo.globo.com/opiniao/o-velhoonovo-17364065#ixzz3kUZrlx00).
O povo, diante de tantas denúncias de corrupção, transformou sua indignação em
ódio contra o governo corrupto e contra todos os que estão junto com ele nas
falcatruas. As bandas podres dos senhores neofeudaisligadas ao PTpassaram
a ser também odiadas pela população.
(e) “Omertà”: a
mafiocracia, ou seja, o crime organizado das bandas podres dos senhores
neofeudalistas (donos do poder) sempre foi regida pela “omertà” (silêncio
mafioso). O que mudou? A delação rompe o sistema do silêncio e começa o desmoronamento
da estrutura organizada com a facilitação das provas.
(f) Eficácia momentânea e
seletiva do sistema punitivo: morosidade, dificuldade de
produção de provas, nulidades e prescrição são a regra na Justiça. O que mudou?
As investigações da Lava Jato desaguaram nas delações premiadas que facilitam
as provas. O juiz Moro passa a decretar prisões preventivas em situações
inusitadas. Delações + prisões rompem o velho sistema da impunidade dos
criminosos poderosos. Mas os processos são de duas velocidades: (a) há rapidez
(e estridência midiática) nos processos que envolvem o PT e as coalizações; nos
processos contra o PSDB, por exemplo, tudo continua como dantes no quartel de
Abrantes.
2. Nossas crises ao longo da História:
“No Brasil, a construção da democracia e de
suas instituições é um longo processo. Isto porque o passado patrimonialista
ainda nos aprisiona. Qualquer avanço é fruto de muita luta e de pequenas
vitórias. Como não temos tradição de rupturas, a tendência é sempre incorporar
o derrotado na nova ordem (Marco Antonio Villa,http://oglobo.globo.com/opiniao/o-velhoonovo-17364065#ixzz3kUXBC8OQ).
O problema
é que sem ruptura com o velho pensamento dos senhores neofeudais, cujas bandas
podres protagonizam soberbamente a mafiocracia brasileira, não chegaremos a
nenhum lugar honroso e sustentável.
3. Crise econômica e capitalismo selvagem:
Qual o papel do Estado na economia? “O melhor programa econômico de
governo é não atrapalhar aqueles que produzem, investem, poupam, empregam,
trabalham e consomem” (Barão de Mauá, empreendedor do começo do século XIX).
“Não atrapalhar” não significa não cumprir
nenhum papel. “Não é verdade que a única versão do
capitalismo não contemple um papel importante para o Estado. Em qualquer manual
de finanças públicas, por mais liberal que seja, está escrito que são funções
do Estado, dentre outras: (a) ser responsável pela provisão à sociedade de
serviços como a educação e a saúde; (b) fornecer justiça e segurança; (c)
garantir a estabilidade econômico-financeira e (d) combater as falhas de
mercado, dentre as quais pode ser considerada uma situação de peso excessivo de
determinada empresa (combate aos monopólios e oligopólios) (…) tudo isso são
práticas de uma economia capitalista” (F. Giambiagi, Capitalismo: modo
de usar, p. 99).
4. Crise social (desigualdades e suas
consequências):
“A brusca interrupção do crescimento tende
a agravar as desigualdades, pois os mais pobres são os mais afetados por
recessão e desemprego. Mas o mero crescimento não garante a superação das
desigualdades” (André Lara Resende,http://oglobo.globo.com/economia/mais-pobres-são-os-mais-afetados-por-recessao-17354752#ixzz3kUiPirsT).
O mundo capitalista globalizado globalizou a concentração de renda (Picketty) e
ampliou a precarização dos trabalhadores. Na década de 90 tudo isso já era
denunciado em razão do desequilíbrio do capitalismo (que precisa encontrar seu
ponto distributivo ideal, como fizeram os países escandinavos).
5. Crise jurídica (ineficiência da Justiça –
ausência do império da lei):
Grupos de extermínio e impunidade: “De
acordo com o canadense Graham Denyer Willis [autor de um livro sobre o assunto
no Brasil], é possível afirmar que a polícia faz vista grossa para colegas que
integram grupos de matadores (…) não se trata de um punhado de maças podres em
um cesto; ao contrário, a existência de esquadrões da morte é algo intrincado
na estrutura das polícias que é como se fosse a sua sombra” (Folha 1/9/15:
A2). Tudo isso um dia vai se transformar numa grande acusação de genocídio estatal
perante a Justiça internacional (que, desgraçadamente, ainda conta com pouca
eficácia social dissuasória).
Ausência da certeza do castigo: Toda essa tragédia nacional decorre
da falta de “certeza do castigo” no Brasil (apenas 8% dos homicídios são apurados),
o que revela a ineficiência da Justiça. Aqui a certeza (ou quase certeza) é da
impunidade, não do império da lei. Em todas as sociedades (e em todos os
tempos) temos dois extremos: um grupo que não tem predisposição para o
cometimento de crimes graves e outro que, independentemente das condições, vai
se dedicar à delinquência (incluindo a violenta). No meio há uma multidão de
gente que pode ou não se transformar em criminoso, conforme haja ou não a
“certeza do castigo”. Aqui é que falha, na nossa mafiocracia, o efeito
dissuasório.
6. Crise ética (sociedade pouco comprometida):
Ética “é a
arte de viver bem humanamente” (Savater), ou seja, junto com os outros humanos
(que nos humanizam). “Pensamos o mundo [no entanto] como um outro, além de nós,
descolado. Mas não pensamos o outro como parte do mundo que fazemos;
[Deveríamos todos] estar na vida, inventando o mundo, a partir do outro. E não
apenas com ele do lado. Sem esse esforço que deve ser traduzido em ações
públicas ficaremos presos à timeline dos dias” (Marcus Faustini, O
Globo 1/9/15: Segundo Caderno, 2).
Como funciona nosso cérebro (sobretudo diante
das crises individuais ou coletivas – v. Pedro Bermejo, Quiero tu voto, p. 31 e
ss.):
1ª etapa: Negação do problema (defesa
psicológica):
“A crise que só Dilma não viu” (Clóvis Rossi, Folha 31/8/15:
A15). Numa entrevista em agosto/15 (para Folha, Estado e Globo) ela disse: “A
crise começa em agosto, mas só vai ficar grave, grave mesmo, entre novembro e
dezembro [de 2014; recorde-se: a eleição foi em outubro/14]; já nos dois
primeiros trimestres a economia já tinha retraído; em julho/14 a arrecadação
foi 0,23% menor que julho/13; a Carta de Conjuntura do Ipea (de 12/13) já
mostrava a retração; o PIB de vários países latino-americanos já começaram a
cair em 2012; o Brasil nesse ano cresceu apenas 1%; nenhum governante, salvo
Churchill, tem mesmo coragem de pedir “sangue, suor e lágrimas”; Dilma ganhou o
governo mas arruinou a governabilidade”.
2ª etapa: Busca de culpados (negação da
culpa):
“É a crise
internacional” (Dilma em discurso dia 8/3/15).
3ª etapa: Medidas desesperadas (emoção e
agravamento da crise):
Sobre a recriação desesperada da CPMF, Ruth
de Aquino (Época) recordou: “[Ela] é um roubo. Uma usurpação dos
direitos do trabalhador. Quem disse isso foi Lula, no governo tucano de
Fernando Henrique Cardoso. Lula foi a Brasília denunciar o imposto extorsivo
sobre o cheque. Mas Lula ainda era oposição” (http://epoca.globo.com/colunaseblogs/ruth-de-aquino/noticia/2015/08/cpmfeuma-extorsao-oficial.html).
“Em 2007, presidente do Brasil, [Lula]
mudou radicalmente. Comparou a CPMF à salvação da pátria. Citou Raul Seixas
para explicar que ele, Lula, era uma metamorfose ambulante” (http://epoca.globo.com/colunaseblogs/ruth-de-aquino/noticia/2015/08/cpmfeuma-extorsao-oficial.html)
[Novos impostos somente quando e se houver um pacto nacional com os donos do
capital e trabalhadores; os governos fracos não conseguem essa proeza porque
são moinhos de vento].
4ª etapa: Aceitação do problema (razão):
No dia 24/8/15 a presidenta (ou presidente)
ensaiou um raro mea-culpa: “Fico pensando o que é que podia ser que eu errei.
Em ter demorado tanto para perceber que a situação podia ser mais grave do que
imaginávamos. E, portanto, talvez, nós tivéssemos de ter começado a fazer uma
inflexão antes” (http://brasil.elpais.com/brasil/2015/08/25/política/1440507290_206583.html)
[O sujeito caiu do octogésimo andar e quando passava pelo vigésimo disse: “Até
aqui tudo bem”].
7. Busca de soluções racionais, se possíveis
(lucidez):
“A atual paralisia política é resultado da
dificuldade de construir uma saída mantendo os velhos interesses no aparelho do
Estado (…) Por que a crise política se estende? Por que a crise econômica
parece não ter fim? Porque não foi encontrada uma saída segura para a classe
dirigente” (Marco Antonio Villa,http://oglobo.globo.com/opiniao/o-velhoonovo-17364065#ixzz3kUZG4Dyw).