Powered By Blogger
Mostrando postagens com marcador Presídio Central de Porto Alegre. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Presídio Central de Porto Alegre. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Estado é condenado a pagar indenização a presos do Central por más condições e superlotação

Em 2019, há pelo menos 17 processos em que detentos ganharam ações
Os problemas do Presídio Central como a superlotação, ausência de celas, esgoto a céu aberto e domínio de facções criminosas estão fazendo com que o Estado seja condenado pela Justiça a indenizar presos que passaram pelo local. A Cadeia Pública, como passou a ser chamada em janeiro de 2017, tem capacidade para 1,8 mil presos, mas abriga mais de 4 mil pessoas, conforme a Superintendência dos Serviços Penitenciários.
Somente em 2019, GaúchaZH verificou pelo menos 17 processos em que presos ganharam indenização em 2º grau — ou seja, pronta para execução caso não haja recurso nos tribunais superiores. Esses processos são os que foram apreciados pela 9ª Câmara Cível, que inclusive definiu padrão de R$ 500 para cada ano de prisão. Sem considerar as correções monetárias, o saldo que o Estado deve pagar chega a R$ 25 mil somente neste ano.
A soma pode ser maior, pois ações do tipo estão sendo julgadas há pelo menos três anos. Desde 2017, ao menos 386 decisões de 2º grau — nem todas favoráveis — foram publicadas pelo Tribunal de Justiça (TJ), além de outras que ainda estão tramitando em 1º grau. Responsável pela maioria dos processos que pedem a indenização dos presos, o advogado Rodrigo Rollemberg Cabral estima que tenha entrado com cerca de 400 ações, mas afirma possuir a procuração de quase mil presos para ingressar com ações semelhantes. 
"Como é processo eletrônico e em massa, faço a inicial. Manda citar o Estado, que já tem a contestação pronta. Ele junta no mesmo dia, fazemos a réplica no dia seguinte. Então, a sentença está demorando uns três, quatro meses. Vai apelação, eles já têm o modelo de quem dá e quem nega. Só muda o nome e vê quanto tempo ficou" — explica o advogado.
Nas decisões da 9ª Câmara, em geral, os desembargadores citam os problemas conhecidos do Presídio Central, como a superlotação e a estrutura precária. A Lei de Execuções Penais, que define algumas regras para a manutenção dos presos não é cumprida, o que segundo os magistrados não garante a reinserção do preso na sociedade.
"É dever do ente público oferecer condições mínimas aos detentos, não apenas por ser este um direito básico do ser humano, mas também em razão de que estas pessoas, hoje encarceradas, serão devolvidas à sociedade quando cumpridas suas penas. Obviamente, se sobreviverem ao 'inferno' a que estão sendo submetidas, em condições físicas e psíquicas muito piores das que possuíam quando lá ingressaram. É evidente que nas condições hoje vividas no Presídio Central não há falar em reabilitação", citou o desembargador Eduardo Kramer em processo no qual foi relator.
Divergência no TJ
Outras três câmaras do TJ possuem uma interpretação diferente a partir de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Enquanto para a 9ª Câmara o simples fato de estar preso já configura dano, o entendimento das demais é de que o dano precisa ser comprovado. 
A 10ª Câmara, responsável pela maior parte dos recursos, entende que a prisão por si só não configura dano moral. Além disso, os membros dessa câmara ainda afirmam que os problemas no Presídio Central são de conhecimento de todos, o que deveria reprimir a ação criminosa:

"Igualmente, não vejo demasia mencionar que o requerente encontra-se em um ambiente de risco por atuação própria em decorrência de punição a ilícito penal que cometeu, e como as condições precárias das unidades prisionais são de conhecimento comum, deveria ter considerado tal circunstância no momento da prática do delito, de forma a reprimir sua própria conduta", cita o relator de um dos processos em que negou a indenização.
Já a 9ª Câmara assume que as más condições configuram o dano e dever de indenizar. Em suas decisões, ainda coloca uma possibilidade, indicando que o valor de indenização pode ser retido, a pedido do Estado, a fim de compensar as despesas da manutenção do detento no presídio ou para ressarcir vítimas deles. 
Sobre esse recurso para indenizar vítimas e até mesmo o Estado pela manutenção do preso no sistema, o advogado afirma que ele deveria ser obtido por meio do trabalho na prisão, o que não ocorre, justamente por falta de estrutura. 
"A Lei de Execuções Penais diz que uma parte do dinheiro do trabalho do preso fica com o Estado para a manutenção dele. Mas, como o Estado não fornece trabalho prisional, acaba não ressarcindo a despesa do preso. Se funcionasse de modo perfeito, além de ressocializar o preso, ainda teria recurso" — afirmou.
Contraponto
O que diz a PGE

Em relação ao ponto questionado, envolvendo as ações de apenados que ajuizaram demandas contra o Estado pleiteando danos morais em decorrência das condições da Cadeia Pública de Porto Alegre, é importante frisar que esses processos não estão finalizados.
A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) atua de forma individualizada em cada uma das ações que tratam desse tema, sendo que diversos desses processos foram extintos pela Justiça por falta de requisitos procedimentais.
A PGE/RS recorreu ao Supremo Tribunal Federal em alguns casos em que houve decisão desfavorável ao Estado, pois o STF tem jurisprudência fixada de que a responsabilidade de indenizar por danos morais presos depende de prova do dano, não podendo ser presumido.
Com a decisão do STF, as ações deverão ser analisadas individualmente pela Justiça gaúcha para verificar se os danos alegados estão comprovados.
Nos casos de condenação do Estado a indenizar, o pagamento é sempre feito por meio de precatório ou requisição de pequeno valor (pago em até 60 dias quando o valor é de até 10 salários mínimos).

segunda-feira, 8 de julho de 2019

Há 25 anos, um motim com reféns parou Porto Alegre

ÚLTIMA REBELIÃO foi em 7 de julho de 1994, no Presídio Central. Episódio teve seu desfecho dois dias depois, no Hotel Plaza São Rafael, em área central da Capital

Era 8 de julho de 1994, o Brasil vivia a expectativa do jogo com a Holanda, pelas quartas de final da Copa do Mundo dos Estados Unidos, que seria realizado no dia seguinte. Poderia ser a vingança da derrota sofrida pela Seleção para a Laranja Mecânica, 20 anos antes, no Mundial da Alemanha. Na área monetária, o real, até hoje a moeda oficial brasileira, chegava ao seu oitavo dia de circulação, como a grande esperança de estabilização da economia do país. Na política, as eleições à Presidência e ao governo do Estado, que seriam realizadas três meses depois, dominavam o noticiário.

Alheios aos cenários esportivo, econômico e político, 10 dos mais perigosos criminosos do Estado, integrantes da Falange Gaúcha (primeira facção do RS) davam sequência a um motim iniciado na véspera, no Hospital Penitenciário, em prédio anexo ao Presídio Central. Tinham em seu poder, sob ameaça de armas, 24 reféns. Dois dos amotinados, por exigência dos demais, haviam sido buscados na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) e levados para lá durante a rebelião: Dilonei Francisco Melara, então maior líder dentro do sistema penitenciário, e Celestino Linn, considerado seu "braço direito".

À noite, o clima de tensão foi transferido às ruas da Capital. Após 24 horas de negociação, os 10 presos foram liberados a deixar a prisão em três automóveis Gol, com nove reféns. Uma perseguição policial, que contrariou tratativas, resultou em tiroteios, acidentes e na morte de quatro criminosos e um policial civil.

Melara liderava grupo que trocou de carros na fuga e promoveu rebelião

O auge da ofensiva criminosa foi a invasão do Plaza São Rafael, então principal hotel da cidade, por um táxi no qual estavam Melara, Linn e Fernando Rodolfo Dias, o Fernandinho, com três reféns - os outros seis reféns e os sete criminosos escaparam para outros locais da Capital. O veículo - que foi o quarto a ser ocupado por Melara e comparsas após sucessivas trocas na fuga -, acabou derrubando a porta de vidro do estabelecimento e ficou estacionado no saguão. A cena provocou pânico e correria entre psiquiatras que participavam de um congresso no local.

Ferido com impacto da colisão, Linn acabou dominado por policiais e, com isso, um dos reféns foi liberado. As outras duas foram mantidas por Melara e Fernandinho, que ainda dominaram uma funcionária do estabelecimento e a obrigaram a seguir com eles até uma sala na qual se refugiaram. Foram necessárias mais 15 horas de tensas negociações até que a dupla decidisse se entregar.

Passaram-se 25 anos do maior motim já ocorrido na história do sistema penitenciário e, desde então, não ocorreram mais, em prisões gaúchas, rebeliões com tomada de reféns. Curiosamente, foram criadas novas facções, que atingiram nível de organização superior ao da extinta Falange Gaúcha. Para explicar essa aparente contradição, a reportagem ouviu representantes do Judiciário, do Ministério Público, um pesquisador, um oficial da Brigada Militar (corporação que desde 1995 administra as duas maiores prisões do Estado) e um apenado, apontado como líder de um grupo criminoso.

Novas relações e lucro

"Logo após esse motim, a Brigada assumiu o controle das principais casas prisionais, o que acabou por modificar substancialmente as relações entre massa carcerária e administração. Na sequência, surge um personagem: o preso que consegue ler o sistema, compreendendo que as cadeias poderiam ser local para ganho de dinheiro, de modo que atos violentos prejudicariam o mercado então descoberto. Essa nova "visão" perdura até hoje. Para finalizar, temos o tráfico, que passa a ser atividade rentável, comandada das prisões."
Sidinei Brzuska
Juiz da 2ª Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre
Atua desde 1º de outubro de 2008 em VECs da Capital e fiscaliza prisões da Região Metropolitana

Efetivo maior e "negociação"

"Há dois elementos importantes. Nos maiores presídios, foi suprida a carência de pessoal. No Central, houve época em que cinco agentes eram responsáveis por 2 mil presos. Com a ocupação das principais prisões pela Brigada, esse problema foi resolvido, pois o efetivo é maior e há mais segurança interna. O segundo e mais importante fator é que a superlotação foi fortalecendo as facções, que foram percebendo que tinham mais a ganhar tendo boa relação com a BM. Houve negociação informal pela qual as facções receberam maior autonomia nas galerias, não se rebelando, ao mesmo tempo em que perceberam que os presídios poderiam ser lucrativa fonte de renda."
Marcos Rolim
Sociólogo
Participou das negociações do motim como deputado e presidente da Comissão de Direitos da Assembleia 

Outra cultura e antecipação

"Entrei no circuito do sistema no início de 1998. Ia a 23 presídios e estabeleci o seguinte procedimento: ouvia determinado número de presos em cada galeria e percebia que havia problemas de incompatibilidades, doenças e mortes. Fomos estabelecendo uma cultura: ?Não se pode resolver os problemas com as próprias mãos?. As famílias começaram a procurar a Promotoria e a fazer relatos. Então, conseguimos nos antecipar e evitar motins conversando com presos para resolver problemas, antes que acontecessem."
Gilmar Bortolotto
Procurador de Justiça
Integrante da força-tarefa do MP nas prisões

Uso de tecnologia

"O motim fez com que medidas de segurança fossem priorizadas. Não que antes não houvesse, mas se dobrou a segurança, e os riscos passaram a ser minimizados. Numa casa prisional, há risco permanente, pela natureza do trabalho. Mas são adotadas medidas para minimizá-lo. Principalmente com o uso de tecnologia. Por exemplo: foram ampliadas as revistas, inclusive com o uso de escaner, o sistema de câmeras foi ampliado e foram restringidos acessos a determinadas áreas da cadeia."
Carlos Magno Vieira
Tenente-coronel
Atual diretor do Presídio Central

Mais diálogo e colegiado

"Em 1995, entrei no presídio. Era diferente.Tinha muito tumulto com a Brigada, não tinha acerto como a gente tem hoje. Hoje, tem diálogo tranquilo com a Brigada, consegue manter relação com presos. Aí, não tem mais aquela coisa de morte na cadeia, tortura. Antes, tinha uma pessoa (preso) que dava as cartas, mandava. Hoje, são várias: bota um assunto em mesa e vê a melhor forma de resolver. A última hipótese é a morte."
Líder de facção no Vale do Sinos
Concedeu entrevista sobre a relação entre detentos e a guarda no Presídio Central


RENATO DORNELLES

terça-feira, 26 de março de 2019

Entenda por que o Presídio Central, prisão com maior população carcerária do RS, registrou uma fuga em quatro anos

Brigada Militar assumiu administração e guarda da cadeia em julho de 1995 para ficar apenas seis meses, mas não saiu mais

Atualmente, 4.423 presos estão no local
A realidade atual do Presídio Central no que diz respeito a evasão de presos contrasta com a encontrada pela Brigada Militar quando a corporação assumiu a administração e a guarda interna da casa prisional. Foi justamente o elevado número de fugas entre os anos de 1994 e 1995 que levou o então governador Antônio Britto a determinar a intervenção que inicialmente duraria apenas seis meses, mas que já se prolonga por quase 24 anos.
Embora tenha a maior população carcerária do RS — atualmente são 4.423 presos — o Presídio Central registrou apenas uma fuga de 2015 a 2018. Segundo dados obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI), 585 detentos escaparam de casas prisionais gaúchas neste período.
A fuga mais emblemática do Presídio Central ocorreu em julho de 1994. Entre os dias 7 e 9 daquele mês, 10 apenados mantiveram reféns inicialmente no Hospital Penitenciário, anexo ao presídio, e depois fugiram levando nove deles em três automóveis. 
Após uma perseguição cinematográfica por várias ruas de Porto Alegre, a fuga terminou com quatro criminosos e um policial civil mortos, e a invasão do principal hotel da cidade na época, o Plaza São Rafael, onde os dois últimos amotinados se renderam. Entre eles, Dilonei Francisco Melara, considerado o maior líder que já existiu no sistema penitenciário gaúcho, assassinado em 2005.
Em 1995, durante o Carnaval, no dia 27 de fevereiro, foi registrada a maior fuga em massa já ocorrida no Estado. Ao todo, 45 detentos escaparam. Para tanto, quebraram uma parede para chegar a um muro e  usaram as chamadas jiboias (cordas feitas com lençóis e cobertores) para descer de uma altura de quatro metros.  
Em 25 de julho daquele ano, após um motim com 21 presos feridos, o secretário estadual da Justiça e da Segurança Pública do governo Britto, José Fernando Eichenberg, convocou a BM para substituir os agentes que fazem parte do quadro da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe).
As fugas e os motins foram gradativamente cessando ao longo dos anos. O índice atual, de acordo com o atual diretor do presídio, tenente-coronel Carlos Magno da Silva Vieira, deve-se a um conjunto de fatores.
"Cada pavilhão tem uma dupla de policiais fazendo o controle, o sistema de videomonitoramento e o efetivo está por todos pavilhões, pátios e área externa e a rede de cães faz a circunferência em todo o perímetro. Enfim, há uma junção de esforços que impedem as fugas" — explica.
De acordo com o diretor, no final do ano passado, um preso conseguiu escapar, mas foi logo recapturado pela própria guarda do Central, ainda nas imediações do presídio. Era um praticante de parkour (técnica que permite ultrapassar de forma rápida, eficiente e segura quaisquer obstáculos utilizando somente as habilidades e capacidades do corpo humano).

"Pulou de um prédio para outro, aproveitando-se que naquele dia não havia cão por onde estava" — contou o oficial.

quarta-feira, 7 de junho de 2017

Presídio Central alcança novo recorde de superlotação

A falta de vagas e o constante aumento da população carcerária no Estado não param de produzir reflexos negativos.

O Presídio Central apresentava ontem uma de suas maiores lotações, com 4.887 homens dividindo as 1.824 vagas, em uma média de 2,68 por vaga.

Na semana passada, de acordo com o diretor da prisão, coronel Marcelo Gayer, foi batido um recorde histórico: 4.915 confinados, com 2,69 por vaga. Em números absolutos, a população da cadeia já chegou a 5,2 mil, em 2011.

Porém, naquela época havia 2.069 vagas, e a média era de 2,5. A redução de 245 vagas teve como causa a demolição do Pavilhão C, no final de 2014, pelo governador Tarso Genro.

A superlotação do Central provoca efeito cascata. Uma das consequências foi alvo de denúncia da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, da Comissão Estadual de Direitos Humanos e da Associação dos Defensores Públicos, que consideram precárias as condições do ônibus-cela Trovão Azul, estacionado na Zona Norte.

"Os presos têm ficado cerca de cinco dias neste local. Só tem um banheiro químico e eles só são levados a ele duas vezes por dia. Os familiares não têm condições de se comunicar com os presos" – denuncia a defensora pública Mariana Cappellari.
O subcomandante da Brigada Militar, coronel Mario Ikeda, disse que a corporação não recebeu a denúncia e, por isso, não se manifestaria.

sexta-feira, 31 de março de 2017

Filme 'Central' mostra presídio de Porto Alegre que já foi o pior do país

Documentário dirigido por Tatiana Sager estreia nesta quinta-feira (30).
Longa-metragem tem cenas inéditas gravadas por presos dentro da cadeia.

Rafaella Fraga
Do G1 RS

O Filme

Em meio à crise do sistema carcerário brasileiro, estreia nesta quinta-feira (30) o documentário “Central”, uma radiografia sobre o presídio de Porto Alegre. O filme será exibido em cinemas da capital gaúcha, além de São Paulo e Rio de Janeiro (veja o trailer). A classificação indicativa é de 14 anos.
"Aquilo lá é um palco de terror", diz uma voz, logo na primeira frase do trailer. Hoje nomeado Cadeia Pública, o Presídio Central já foi considerado o pior do país, na CPI do Sistema Carcerário de 2008 na Câmara dos Deputados. Quase dez anos depois, um relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontou que ele permanece em péssimas condições.
O documentário foi finalizado em 2015 e é lançado em um momento em que a temática não pode ser mais atual, depois do massacre no presídio de Manaus no primeiro dia de 2017.
"Depois desse trabalho eu digo que acho que ainda não é o pior momento do sistema carcerário. Isso é só começo. Aconteceu em Manaus e vai voltar a acontecer, porque é um sistema absolutamente esquecido. É isso que a gente está tentando mostrar para as pessoas com o documentário", comenta a diretora Tatiana Sager em entrevista ao G1, na véspera da estreia nos cinemas.
Atualmente, há 4.549 detentos nas celas, enquanto a capacidade máxima é para abrigar  1.824 homens, conforme os últimos dados da Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe). Esses números oscilam, mas o histórico de superlotação continua.


Construído na década de 1950, o local acumula desde então uma série de problemas. O prédio é marcado por deficiências estruturais e tem, por exemplo, um esgoto a céu aberto. Além da falta de higiene e alimentação adequada, facções criminosas no comando provocam desigualdade entre presos e contribuem para agravar um cotidiano de violência na cadeia.
O filme é uma espécie de extensão do curta "O Poder Entre as Grades", lançado em 2014 pela mesma diretora, e que foi baseado no livro "Falange Gaúcha", publicado em 2008, de autoria do jornalista Renato Dornelles, que também é codiretor de "Central". A obra trata do crime organizado no Rio Grande do Sul e destaca alguns episódios de fugas e perseguições e o motim de 1994.
"Central" sai das ruas para mostrar cenas na perspectiva do preso. Além de entrevistas com autoridades e especialistas em segurança pública, o trabalho traz à tona o olhar dos próprios detentos sobre a realidade em que vivem. Com câmeras nas mãos, eles mesmos captaram imagens inéditas nas abarrotadas galerias.

"Depois de muita conversa com as autoridades e os líderes das facções, conseguimos autorização para colocar as câmeras lá dentro. Eles gravaram por dois dias o dia a dia nas galerias", conta a cineasta. "É um material fantástico, por que é onde ninguém consegue chegar. Só quem é preso sabe. São cenas que mostram como eles realmente comem, dormem, como relacionam, como convivem", descreve.
A diretora está usando "Central" como material didático em um trabalho com os internos da Fundação de Atendimento Sócio-Educativo (Fase), que deve se transformar em um novo documentário.
"A sequência vai ser com o que eu chamo de pequenos escravos do tráfico, que são esses adolescentes infratores. Eu sinto que eles tinham uma ilusão de que lá dentro teriam apoio de suas quadrilhas, de seus patrões, mas não é bem assim. Aliás, pode ser muito pior", afirma.

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Exposição conta 20 anos de história do Presídio Central e do olhar de um juiz

Exposição de Sidinei Brzuska

Marco Weissheimer / Sul21
"O Tribunal de Justiça criou um projeto, que durou até 2012, para o qual eu fui designado. Eu tinha que ir ua vez por mês nas 27 casas, ou seja, ia a uma por dia, praticamente". Foto: Guilherme Santos/Sul21
Até 2008, o sistema prisional gaúcho era fechado para a imprensa. Em função disso, havia poucas imagens sobre o que acontecia dentro dos presídios. No final daquele ano, o juiz Sidinei Brzuska, recém-chegado a Porto Alegre, decidiu abrir o sistema prisional à imprensa para que a sociedade pudesse ter conhecimento do que acontecia lá dentro. Brzuska chegou a Porto Alegre já com uma relação especial com o registro de imagens em presídios, desenvolvida em trabalhos anteriores em Santa Rosa e em Santa Maria. Tudo começou com fotos de presos e seus familiares durante visitas no presídio de Santa Rosa. “Eu percebi que a maioria dos presos não tinha fotos suas com seus familiares, uma realidade que não mudou até hoje”. A máquina fotográfica passou a ser um instrumento de trabalho constante do juiz que hoje é responsável pelo Juizado do Presídio Central, na 2ª Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre.
Parte desse trabalho está disponível ao público agora na exposição fotográfica 20 anos de Presídio Central, que ficará aberta ao público, com entrada franca, até o dia 15 de setembro no átrio do Foro Central II de Porto Alegre (Rua Manoelito de Ornelas, 50 – Bairro Praia de Belas), com visitação de segunda a sexta-feira, das 9h às 18h. A exposição traz fotos feitas por Sidinei Brzuska e imagens do acervo do juiz Marco Antônio Bandeira Scapini, falecido em 2014, com fotos do fotógrafo Marco Aurélio Couto.
Em entrevista ao Sul21, Sidinei Brzuska conta como a fotografia entrou em sua vida e em seu trabalho como juiz e como suas fotos ajudaram a convencer autoridades em determinadas questões, como a construção de um novo presídio em Santa Maria, durante o governo Rigotto, e a ampliação da estrutura de execução penal em Porto Alegre. A mostra tem também a função de mostrar à sociedade uma realidade que muitas vezes ela não quer ver. “A ideia do quanto pior melhor é muito forte entre nós. As pessoas não se dão conta de quanto pior, melhor é para o crime”, assinala Brzuska.
Sul21: Como iniciou essa tua relação com a fotografia no trabalho como juiz?

Sidinei Brzuska: O momento exato disso nem eu sei, mas começou na cidade de Santa Rosa. Eu fui juiz lá de 1998 a 2002. Na época, nem existia a fotografia digital. Era o tempo do filme ainda. No interior, há uma relação bem estreita do juiz de execução penal com o presídio e com a comunidade. Possivelmente eu tenha ido num daqueles eventos de confraternização que ocorrem nos presídios no dia das mães, dia dos pais, uma data como estas. Provavelmente eu tenha levado uma máquina num dia destes. Eu percebi naquele momento que a maioria dos presos não tem fotos suas com seus familiares. Essa é uma realidade que não mudou até hoje. Como eu estava por ali, algumas pessoas pediram que eu fizesse algumas fotos delas com seus familiares. Lembro que conversei depois com o pessoal de uma loja que fazia a revelação dos filmes e pedi que não me cobrassem muito caro.

Bem, eu comecei a tirar essas fotos e dá-las como uma lembrança de família. Constatei naquele momento que os presos passaram a fixas essas fotos nas paredes das celas e que aquilo dava um ambiente bom. Eles passaram a cuidar mais da cela, com mais organização, mais limpeza, menos palavrão. Causaram uma transformação boa. Muitos deles não tinham fotos com seus familiares e a maioria, até hoje, não têm, sobretudo fotos com crianças, fotos de pai com filho pequeno. Foi assim que começou.

Depois eu fui juiz em Santa Maria. Em Santa Rosa eu trabalhava com cerca de 200, 250 presos. Em Santa Maria, esse número pulou para 700, 800 presos. Em Santa Rosa eu conhecia todos os presos pelo nome. Em Santa Maria eu já não conseguia mais ter essa memória. Eu continuei fazendo aquele trabalho que comecei em Santa Rosa e comecei também a tirar fotos dos presos, mais para uma lembrança minha. Quando eu pegava o processo de um determinado preso e não lembrava quem era, eu olhava a foto dele em meu computador e via quem era. Isso facilitava o meu trabalho. O presídio de Santa Maria era muito antigo, da década de 70, e havia a necessidade de se construir uma nova penitenciária. Então, eu comecei a fotografar o presídio de Santa Maria para mostrar que ele não tinha mais condições de funcionar. Na época, foi feito um abaixo assinado com 35 mil assinaturas. Foi o maior abaixo assinado para a construção de um presídio da história do Rio Grande do Sul. Aí o presídio saiu. Dentro desse processo pela construção de um novo presídio em Santa Maria, eu tirei muitas fotos.

Sul21: Que acabaram ajudando no processo de construção do novo presídio…

Sidinei: Brzuska: Sim. Na época, o governador era o Germano Rigotto e o secretário de Segurança era José Otávio Germano. Houve um momento em que percebi que essa campanha para a construção do novo presídio em Santa Maria não estava chegando de forma clara no Rigotto. Havia um certo filtro, e o tema não chegava nele como devia chegar. Então, dois empresários de Santa Maria marcaram uma reunião com o governador e eu fui para esta reunião com várias fotos do presídio, que eu já havia mostrado para os empresários locais. Aí eu apelei. Usei as fotos das crianças e mostrei para o governador o local onde as crianças estavam frequentando no presídio. Aí o Rigotto se impressionou, pois nunca tinha visto aquilo.


Em Santa Maria, eu comecei a registrar o presídio para este fim. Quando eu cheguei em Porto Alegre, foi criado um projeto para a fiscalização dos presídios. Um pouco antes disso, tinha ocorrido um problema no Pará, onde uma adolescente havia sido colocada junto com adultos numa cela. Em cima desse fato, o Conselho Nacional de Justiça determinou que, mensalmente, o juiz de execução remetesse um relatório dizendo o que ele viu no presídio. Aqui em Porto Alegre havia apenas dois juízes e 27 casas prisionais. Não havia como atender a demanda do Conselho. Os juízes ficariam só indo nas casas prisionais e não conseguiriam trabalhar. Aí o Tribunal de Justiça criou um projeto, que durou até 2012, para o qual eu fui designado. Eu tinha que ir uma vez por mês nas 27 casas, ou seja, ia a uma por dia, praticamente. Para cada uma dessas casas prisionais foi aberto um processo administrativo, onde descrevi a realidade de cada uma com muitas fotos. Eu fotografei todas essas casas. Uma delas, a maior de todas, é o Presídio Central. Eu comecei, então, a fazer um registro fotográfico do Presídio Central sem qualquer propósito de exposição ou divulgação. Eu tinha que fazer o relatório e aquilo que eu via eu fotografava.

Eu fui pegando gosto pela fotografia e melhorando os meus equipamentos. No final de 2008, logo que cheguei em Porto Alegre, dei uma decisão abrindo o sistema prisional para a imprensa. Os presídios estavam completamente fechados. A sociedade não sabia o que acontecia lá dentro. É um espaço público onde um serviço público está sendo prestado e é natural que a sociedade saiba o que ocorre nele. A Ordem dos Advogados fez um pedido para que a imprensa tivesse acesso aos presídios e eu dei uma decisão assegurando a presença da imprensa nos presídios.

Sul21: Até então não era permitida a entrada da imprensa nos presídios?

Sidinei Brzuska: Não. Ninguém entrava. A partir dessa decisão, o fotógrafo Daniel Marenco entrou no presídio e eu fui com ele. Nós tiramos fotos do mesmo lugar, com a mesma luz. Pedi para ver as fotos dele e elas eram muito melhores que as minhas. Ele fez fotos maravilhosas. Aí eu vi que, além do talento do fotógrafo, eu também estava mal de equipamento. Ele me indicou um equipamento e comprei uma máquina nova. Minhas fotos ganharam uma qualidade maior e segui fazendo os meus registros.
Sul21: Como nasceu a ideia de fazer a exposição?

Sidinei Brzuska: Em um domingo ensolarado eu estava andando pela avenida Beira Rio quando encontrei um colega que tem um olhar muito refinado e técnico. Ele comentou que eu estava entrando em lugares aos quais as pessoas não têm acesso normalmente e que talvez pudesse sair algo daí. Fiquei com aquilo na cabeça. Os anos foram se passando e a nossa situação aqui estava muito ruim e não me refiro apenas a nossa estrutura de presídios. A nossa estrutura judicial também estava muito ruim. O Judiciário estava devendo muito à sociedade. Continuava existindo apenas uma vara de execução aqui e as decisões dos juízes levavam até seis ou sete meses para serem cumpridas. Isso criava problemas de toda ordem. Eu fiz um pedido ao Tribunal de Justiça, observando que o Judiciário não teria nenhuma moral para cobrar algo do Executivo se não fizéssemos a nossa parte.

A partir daí, iniciou-se um trabalho de convencimento do Tribunal de Justiça sobre a necessidade de ampliar a estrutura judiciária da execução. E, de modo similar ao que aconteceu em Santa Maria, eu utilizei fotografias que tirei. As fotos tiveram esse poder transformador da realidade. Neste processo de convencimento do Tribunal, eu levei alguns desembargadores ao Presídio Central para conhecer in loco a situação. Nós entramos nas galerias sem nenhuma maquiagem, com o calor, o cheiro e tudo o que havia lá. Todo mundo saiu de lá com uma sensação de indignação. O desembargador Claudio Baldino Maciel, que sempre teve um olhar muito humano, ficou impressionado com o que viu e disse que eu precisava mostrar à sociedade as fotos que retratavam aquela realidade. Essa ideia foi amadurecendo na minha cabeça.

Muitas pessoas acabam me solicitando fotos, para trabalhos de conclusão de curso, de mestrado, teses de doutorado. Já há vários livros que estão ilustrados com fotografias minhas. A própria Assembleia Legislativa, quando faz alguma publicação envolvendo presídios, acaba me solicitando imagens. Mais recentemente, vários professores resolveram fazer um livro com vários artigos e esse livro acabou sendo escrito com base em imagens minhas. Os autores escreveram sobre essas fotos. Já que as coisas estavam neste nível, eu resolvi então fazer uma exposição.

Sul21: Quais foram os critérios de escolha para montar a exposição?

Sidinei Brzuska: Eu devo ter entre 10 e 15 mil fotos do Presídio Central. Acabei selecionando mil fotos, tiradas em muitos momentos diferentes. Deixei todas essas mil fotos num mesmo padrão de textura, luz e contraste, como se fossem todas tiradas no mesmo dia, na mesma hora. Dessas mil, foram selecionadas um pouco mais de 80 fotos que integram a exposição agora. Ela está dividida em cinco momentos onde é mostrada a inteireza do Presídio Central. Não é uma exposição sensacionalista. Há uma parte da exposição que trata do andar das visitas, retratando a sua passagem desde o momento em que está fora do presídio, como ela ingressa e as partes às quais ela tem acesso. Ela também mostra as partes administrativas do presídio, sala de aula, enfermaria, local de trabalho dos profissionais. Além disso, mostra o tipo de material que a Brigada Militar utiliza em seu trabalho e o dia-a-dia nos corredores do presídio.
O Presídio Central é administrado pela Brigada Militar e tem uma regra segundo a qual da boca da galeria para dentro o controle é dos presos. A exposição também traz fotos desses ambientes onde os presos vivem, mostrando como eles se arrumam nas galerias, como se arrumam nas celas e como se ajeitam nos pátios. É uma exposição bem ampla, portanto. Muitas das fotos estão legendadas, contando a história da foto e o conjunto dessas legendas conta toda a história do presídio, abordando questões como o tráfico de drogas e de armas, crimes cometidos do lado de dentro e do lado de fora. Tudo isso vai sendo contado pelas imagens e pelas legendas. A exposição conta, por exemplo, que em um período curto de tempo foram apreendidas 58 armas industriais dentro do presídio. Uma dessas armas, que está na exposição, é uma pistola 9 milímetros nova, fabricada pela Taurus. Indagada sobre o comprador daquela pistola, a empresa informou que ela foi comprada em Miami, nos Estados Unidos. Poucos meses depois, estava dentro do Central.

A exposição também traz uma crítica ao sistema de Justiça, em uma foto onde aparecem duas mãos estendidas. Um dia eu estava caminhando no Central e deparei-me com um preso que era, literalmente, um farrapo. Vestia roupas totalmente rasgadas, uma por cima da outra. Tinha dois ou três calções. Um calção por cima de um moletom. Meias furadas uma de cada cor. Além disso, estava com um olho vazado.
Perguntei para ele porque estava ali ele, instantaneamente, me mostrou as mãos totalmente calejadas. “Olha as minhas mãos, eu sou um traficante?” – me disse.
Esse sujeito era um carroceiro que andava pelas ruas e, num certo dia, deve ter exagerado na cachaça, talvez tenha atrapalhado o trânsito, foi detido pela polícia e deve ter mandado os policiais para aquele lugar. Acabou sendo preso por tráfico e ficou preso um ano e oito meses

Sul21: Como o acervo do magistrado Marco Antônio Bandeira Scapini, composto por imagens do fotógrafo Marco Aurélio Couto, entrou na exposição?

Sidinei Brzuska: Quando o Ministério Público pediu a interdição do Presídio Central, em 1995, Scapini contratou um fotógrafo para fotografar o presídio. Quando ele se aposentou, ele guardou essas fotos em casa. Ficou com medo que elas se perdessem aqui. Um belo dia, ele entrou na minha sala e disse que ia me entregar essas fotos, pois talvez eu pudesse fazer um uso delas. Eu até não o conhecia tanto assim. Nos conhecíamos mais lateralmente, pois temos uma briga em comum: ele era gremista doente e eu sou colorado doente. Infelizmente ele nos deixou muito cedo.

Sul21: Há uma tendência na sociedade de não querer ver realidades como esta do Presídio Central. Essa exposição também parece ter uma função de mostrar o que as pessoas não querem ver.

Sidinei Brzuska: Sim. Essa é uma questão cultural nossa. A ideia do quanto pior melhor é muito forte entre nós. As pessoas não se dão conta de quanto pior, melhor é para o crime. Na verdade, todo mundo colabora, de um jeito ou de outro, para que esse quadro esteja do jeito que está.


Exposição






quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Ajuris teme que Complexo de Canoas vire um novo Presídio Central

Susepe garante que há espaço para ressocialização nas unidade

Isabella Sander
Previsto para ter sua primeira unidade inaugurada na segunda quinzena de fevereiro, o Complexo Prisional de Canoas (CPC) promete apresentar um novo modelo de gestão, focado na ressocialização dos presos. A Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), contudo, teme que a casa prisional se torne mais um local nos moldes do Presídio Central de Porto Alegre (PCPA), dominado por facções criminosas.
Para organizar suas inseguranças a respeito, a entidade apresentou, no dia 11 de janeiro, nota técnica assinada por Marcos Rolim, especialista em segurança pública e integrante do Conselho Administrativo do Centro Internacional para la Promoción de los Derechos Humanos (CIPDH), órgão vinculado à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Segundo o presidente da Ajuris, Gilberto Schäfer, a associação tem acompanhado a situação do sistema prisional, através do Fórum da Questão Penitenciária, desde sua denúncia a respeito do PCPA, para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). "Denunciamos a superlotação da unidade, bem como a situação precária de sua estrutura, a falta de oferta de trabalho profissionalizante e a realização de revista íntima vexatória. A partir disso, o governo federal deu respostas e apontou a construção de novas casas prisionais como solução", relata. Foi aí que surgiu o projeto do CPC.
Desde que a ideia do complexo foi ventilada, a Ajuris quis saber qual seria o perfil do preso, como seria gerido e quem faria a guarda. "Até hoje, a Brigada Militar faz a guarda no PCPA, apesar de não ter formação para isso. Em nossa nota técnica, mostramos que, aparentemente, o CPC não está dimensionado para o trabalho prisional e que seu primeiro objetivo não é oferecer a ressocialização do detento, através de trabalho e educação, tanto ampla quanto profissionalizante", pondera Schäfer.
O magistrado critica, ainda, a falta de debate por parte da Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe) desse projeto com outras instituições, como o Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública e associações das instituições e da sociedade. "Parece que estamos vivendo a cultura da improvisação. Está se repetindo o mesmo sistema de depositar presos. Se for dessa forma, logo, logo, teremos a repetição, em Canoas, do PCPA. Está na hora de o Estado e a sociedade perceberem a necessidade de modificarmos nossa relação com o trato prisional, que impacta diretamente a segurança. Hoje, as próprias facções controlam os pavilhões no Presídio Central. Queremos isso para Canoas?", questiona.
Schäfer assegura que a Susepe dá retorno às questões apresentadas pela Ajuris, mas não as respostas adequadas. "Queremos um debate. Precisamos de um retorno adequado, sem pensar apenas na questão do aumento de vagas, e sim em como isso será feito. Qual o projeto, além do arquitetônico? Ao que tudo indica, tudo nas novas unidades é voltado para a contenção", explica. A entidade pretende voltar a se reunir em fevereiro, com o Fórum da Questão Penitenciária, a fim de avaliar o que o Judiciário pode fazer a respeito.
Em nota ao Jornal do Comércio, a Susepe negou a ausência de estrutura para ressocialização de presos no Complexo Prisional de Canoas e adiantou que está previsto, em cada galeria, um pavilhão de trabalho. Além disso, o projeto arquitetônico contempla unidades de saúde, salas de aula, espaços para leitura, pátios com refeitório e acomodações para visitas.
"A proposta é uma nova concepção para um atendimento diferenciado aos apenados que lá cumprirem pena, pois já possuiremos os espaços adequados dentro das estruturas físicas", afirma a superintendência.
A Brigada Militar fará a segurança externa das unidades. Na parte interna, o trabalho será feito por agentes penitenciários, agentes penitenciários administrativos e técnicos superiores penitenciários. O trabalho de cozinha, limpeza e manutenção da estrutura, apesar de ser de responsabilidade do Estado, será realizado pelos presos, como ocorre em outras unidades prisionais gaúchas.
A proposta, conforme a Susepe, é dar condições plenas a uma resposta social mais eficiente, além de um tratamento penal diferenciado. Para tanto, serão selecionados detentos com um perfil específico, que não pertença a facções e demonstre vontade de passar por uma ressocialização.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Presídio Canoas I será entregue até dezembro


Com atraso de mais de um ano

Caroline Paiva/JC
Unidade no bairro Guajuviras receberá 393 detentos
Com atraso de mais de um ano, a inauguração do Complexo Prisional de Canoas, no bairro Guajuviras, parece finalmente estar próxima de acontecer. Em uma reunião entre a Secretaria da Segurança Pública (SSP) e a prefeitura de Canoas, na sexta-feira, foram acertados os últimos detalhes para a abertura da primeira de quatro unidades do complexo, o Presídio Canoas I. A estimativa é abrir as portas para receber presos em dezembro.
Segundo o prefeito Jairo Jorge, as obras do Presídio Canoas I estão 80% concluídas, mas, até a semana passada, somente 20% dos recursos estaduais tinham sido liberados, um montante de R$ 400 mil, o que causou o atraso. A prefeitura manteve o trabalho em andamento, através de recursos próprios. "Agora, o governo do Estado nos repassou R$ 1 milhão. Portanto, acreditamos que, em 40 dias, tudo esteja pronto", afirma.
A construtora ainda precisa finalizar os acessos asfálticos internos da unidade. Enquanto isso, a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) conclui trâmites burocráticos para a colocação de bloqueadores de sinal de telefonia celular na cadeia. Os dispositivos serão instalados através de um contrato de prestação de serviços e terão assistência 24 horas.
Durante a reunião, o secretário estadual de Segurança Pública, Wantuir Jacini, assegurou que o governo do Rio Grande do Sul está preocupado em manter o foco da unidade na ressocialização dos presos, através do trabalho e do estudo.
"Queremos evitar que, em alguns anos, o presídio se torne um Presídio Central de Porto Alegre ou um Carandiru. Sempre nos preocupamos que o local não fosse dominado por facções, então, estamos fazendo esse trabalho de buscar presos que pretendam, mesmo, se recuperar e contribuir dentro da prisão", explica Jairo Jorge.
A gestão do Presídio Canoas I será compartilhada entre a prefeitura e o governo do Estado. A SSP garantiu que nenhum policial militar será retirado das ruas de Canoas para fazer a segurança do presídio. Pelo contrário a Brigada Militar deve aumentar o efetivo da região. Dentro da unidade, serão em torno de 100 trabalhadores da segurança pública, entre agentes penitenciários e policiais militares.
Jairo Jorge visitará o Presídio Canoas I amanhã e, na quinta-feira, terá uma reunião técnica junto à Susepe para fazer uma "check list" do necessário para entregar a cadeia, preferencialmente, no início de dezembro. O local abrigará 393 detentos, muitos deles transferidos do Central. As outras três unidades do Complexo Prisional de Canoas (uma delas administrativa) estão 99% prontas, mas ainda precisam da conclusão dos acessos internos. "São 400 ou 500 metros de ligação. A prefeitura está ajudando nesse projeto, devemos fazê-lo no prazo mais curto possível. O governo do Estado levaria um ano para fazer, e nós estamos prevendo um tempo de quatro ou cinco meses. No final do primeiro semestre do ano que vem, devemos ter os acessos terminados", estima.
Quando finalizado, o complexo terá 2.808 vagas, sendo 2.352 em celas coletivas, 15 para portadores de necessidades especiais e 48 vagas em celas individuais nas alas disciplinares.
Conforme nota da SSP, que não quis dar entrevista, o fornecimento de energia elétrica no local já foi estabelecido e o Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (PPCI), homologado.
A unidade se encontra equipada e mobiliada. As obras do presídio têm custo de R$ 18 milhões, dos R$ 100,5 milhões contratados para o complexo. As celas são construídas em módulos pré-fabricados com concreto especial e à prova de fogo.