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terça-feira, 26 de outubro de 2021

"O novo Brasil" de Mario Marcos

 

(Jean Galvão/Reprodução Folha de S.Paulo)

Justiça afasta agentes e delegados penitenciários suspeitos de torturar detentos em presídio de Passo Fundo

Servidores teriam submetido presos a maus-tratos como castigos, isolamento, alimentação inadequada, agressões verbais e físicas, ameaças, intimidações, recusa a pedidos de medicamentos e de atendimento médico e jurídico. Susepe investiga o caso.

Por g1 RS

O Tribunal de Justiça (TJ) decidiu afastar seis agentes e delegados penitenciários suspeitos de torturar detentos em Passo Fundo, no Norte do estado. A medida é válida por 90 dias e a decisão foi tomada na última sexta-feira (22). As identidades dos servidores públicos não foram divulgadas.

A Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe) afirmou que instaurou procedimentos administrativos para investigar o caso.

"Os fatos narrados na decisão são graves e exigem apuração, pois vão na contramão da política pública defendida no sistema de justiça, penal e socioeducativo. Mas também é necessário que sejam asseguradas a ampla defesa e o contraditório aos servidores", explica o secretário de Justiça e Sistema Penal e Educativo Mauro Hauschild.

De acordo com a Vara de Execuções Criminais (VEC) Regional de Passo Fundo, todos os servidores pertencem à 4ª Delegacia Penitenciária Regional (4ª DPR), ao Instituto Penal de Passo Fundo (IPPF) e do Instituto Penal de Monitoramento Eletrônico.

O juiz Alan Peixoto de Oliveira esteve na casa prisional entre os dias 20 e 21 de outubro para ouvir apenados, agentes penitenciários, advogados e conselheiros da comunidade.

Segundo vítimas e testemunhas, servidores teriam submetido presos a maus-tratos e tortura, como castigos, isolamento, alimentação inadequada, agressões verbais e físicas, ameaças, intimidações, recusa a pedidos de medicamentos e de atendimento médico e jurídico.

O juiz Oliveira relatou ainda que, tão logo finalizou a visita, tomou conhecimento de que a 4ª DPR pediu para que agentes penitenciários informassem os nomes dos detentos que foram ouvidos. Devido à possibilidade de retaliação por parte da delegacia contra os apenados, a medida de afastamento dos suspeitos ocorreu em caráter de urgência.

Se confirmada a prática de tortura, os servidores investigadores poderão perder seus cargos e pagar multa. A investigação da Susepe não tem prazo para ser concluída.

O juiz Oliveira relatou ainda que, tão logo finalizou a visita, tomou conhecimento de que a 4ª DPR pediu para que agentes penitenciários informassem os nomes dos detentos que foram ouvidos. Devido à possibilidade de retaliação por parte da delegacia contra os apenados, a medida de afastamento dos suspeitos ocorreu em caráter de urgência.

Se confirmada a prática de tortura, os servidores investigadores poderão perder seus cargos e pagar multa. A investigação da Susepe não tem prazo para ser concluída.

Um paraíso fiscal para bons os mais ricos nesse Brasil, pesquisador Victor Lins

Para o organizador do livro 'Que conta é essa? O sistema tributário das desigualdades', proposta que tramita no Congresso é tímida.

A tributação no Brasil é injusta e complexa. A reforma em discussão no Congresso Nacional, contudo, não traz as soluções necessárias para a desigualdade no País. É o que pensa o auditor fiscal e cientista político Victor Lins, organizador do livro “Que conta é essa? O sistema tributário das desigualdades”, lançado pela editora Insular.

A proposta de reforma tributária, afirma, é tímida. Por duas razões: “Uma porque falta ousadia para resolver o principal problema econômico do País, que é a grave desigualdade. A segunda é que ela faz uma simplificação parcial, e não completa do sistema”, afirma, em entrevista a CartaCapital. “Portanto, nem faz justiça e não torna o sistema tão simples assim.”

Para ele, no conjunto da obra, o Brasil é um “paraíso fiscal” para os endinheirados, "em especial àqueles ligados aos setores bancário e ruralista.”

Na hora do retorno, 40% do orçamento federal vai para os bancos e muito pouco chega para o povo”, diz. “Para resumir, em uma frase dita por algum político: a gente precisa colocar o pobre no orçamento e o rico no imposto de renda.”

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

"Matou policiais, não pode trabalhar do outro lado da grade", diz presidente de sindicato que é contra nomeação de ex-detento para sistema prisional

Saulo Felipe Basso dos Santos comanda entidade que representa os servidores penitenciários e emitiu nota criticando a escolha do pastor Lacir Moraes Ramos para secretaria estadual

O Sindicato dos Servidores Penitenciários (Amapergs-Sindicato) emitiu nota oficial no sábado (9) criticando a nomeação do ex-detento e pastor evangélico Lacir Moraes Ramos para um cargo no governo do Estado, na secretaria que cuida do sistema penitenciário. A entidade afirmou que pediria a exoneração do ex-apenado. Houve repercussão durante todo o final de semana. Na segunda-feira (11), Lacir, conhecido no passado como Folharada, esteve no Palácio Piratini e conversou com o secretário do Trabalho, Ronaldo Nogueira, que o indicou para a vaga. O pastor, que teve condenação de mais de 200 anos e passou quase três décadas em prisões, disse que diante da repercussão negativa, pediu que seu nome fosse retirado da indicação. 

Até o momento, o governo só se manifestou por nota, reconhecendo o trabalho feito por Lacir e dizendo que a contratação está sob análise. O presidente do sindicato, Saulo Felipe Basso dos Santos, falou com GZH nesta terça-feira (12). Ele afirmou que pedirá que o governo reconsidere a medida. Uma reunião, que já estava marcada para tratar de assuntos do sistema prisional, deve ocorrer nesta quarta-feira (13) entre representantes do sindicato e o secretário Mauro Hauschild, titular da pasta de Justiça e Sistemas Penal e Socioeducativo, local em que Lacir atuará se a nomeação for confirmada. Abaixo, trechos da entrevista de Santos: 

O sindicato reagiu publicamente à nomeação do pastor Lacir Moraes Ramos. A postura não é contraditória vinda de profissionais que atuam no tratamento penal, que deve buscar a ressocialização e reintegração social de criminosos?

Somos 100% favoráveis a ressocialização e reintegração. Mas o sindicato foi demandado com centenas de mensagens de colegas pasmos, perplexos e atônitos. Houve desconforto e inquietude. Não somos contrários a que ele trabalhe. Temos informações do caminho que ele trilha, do bem, que se converteu, e damos parabéns a isso. Mas esse deputado (atualmente ele não tem esse cargo) que o indicou pode indicar para outra área do setor público. No sistema prisional há um rol enorme de informações sigilosas.

Quem atua na área da segurança recebe senhas com diferentes níveis de acesso a informações sigilosas.

Não tenho como mensurar o grau de acesso que ele teria, não sei o que ele faria. Buscamos informação e não conseguimos. Mas o ato de nomeação fala em chefe de seção, que é um cargo intermediário. Então pressupomos que ele teria acesso intermediário e isso é temerário.

Na nota que o sindicato emitiu foi destacado o processo rigoroso de seleção para a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe). 

Isso é importante. O servidor, para entrar, precisa passar por quatro etapas rigorosas. Provas, bateria de exames. E depois de passar por tudo, ainda tem o processo de investigação da vida pregressa. Já teve gente reprovada por causa de briga de trânsito ou de vizinho, situações sérias, claro. Na área da segurança é assim. Sabemos que o processo de escolha de CC é mais simplificado. Mas entendemos que ele atuar dentro do sistema prisional é complicado. Pode até ser que o secretário (Mauro Hauschild) nos diga (há uma reunião marcada) quais seriam os acessos dele, mas, até agora, só sabemos o que diz no ato de nomeação.

Lacir se diz uma pessoa benquista no sistema, reconhecido por servidores e diretores de prisões.

Ninguém que nos contatou foi favorável a essa nomeação. Alguns diretores de casas prisionais, até. Uma coisa é ter ele fazendo o trabalho de evangelização. Outra é querer ele como colega. Ele cometeu crimes graves, matou policiais, não pode trabalhar do outro lado da grade (na área que administra as casas prisionais). Ele pode ir para a Secretaria do Trabalho ou outra. Não somos contra a pessoa trabalhar. Não existe condão mágico para apagar o passado da pessoa. No caso dele, o passado é de crimes hediondos. Pode ir trabalhar em outro local para suprir as necessidades. 

Na segunda-feira, o sindicato emitiu nova nota informando que vai processar Lacir por acusações feitas a servidores. Por quê?

Ele fez algumas afirmações pesadas. Disse que servidores vendiam novos apenados para serem mulheres de presos antigos. Se isso for verdade e se confirmar, o sindicato entende como prática criminosa. Mas ele tem que dizer em que casa prisional foi, ano, quem eram os servidores. Faremos apuração. Mas não podemos aceitar que ele denigra toda a categoria. Servidores estão muito incomodados.

Lacir citou que o sindicato não representa a maioria da categoria. Isso procede?

Ele falou de forma açodada, por desconhecimento, ou foi de má-fé. Eu sou guarda de fundo de cadeia, que abre e bate cadeado. Toda diretoria é. Estou há oito anos no sistema. Vencemos a eleição no ano passado contra quatro chapas com 70% dos votos. A gestão anterior, sim, não nos representava.

Como o sindicato avalia o fato de a nomeação dele ser defendida por autoridades do sistema, como juízes?

Por que não nomearam ele no Tribunal de Justiça? O tribunal tem CCs, por que não colocam ele lá com os assistentes sociais que trabalham nos presídios? Reforço que ele deve trabalhar trilhando o caminho do bem. Mas não queremos ele dentro do sistema.

segunda-feira, 11 de outubro de 2021

‘Não existe ser humano irrecuperável e eu sou um exemplo’, diz ex-detento nomeado para cargo que cuida da reabilitação de presos no RS

Lacir Moraes Ramos, de 63 anos, cumpriu 29 anos de prisão e está há 14 anos em liberdade. Nomeação foi criticada pelo Sindicato dos Servidores Penitenciários. Lacir Moraes Ramos, de 63 anos, durante atendimento no fórum, na Capital.

Arquivo pessoal
Há 14 anos em liberdade depois de cumprir 29 anos de prisão e receber um indulto presidencial que extinguiu as penas, o pastor evangélico e ex-detento Lacir Moraes Ramos, de 63 anos, quer usar o próprio exemplo para mudar a realidade de presos no Rio Grande do Sul. Ao g1, ele disse que após receber críticas à nomeação ao cargo em comissão (CC) de Chefe de Seção na Secretaria Estadual de Justiça e Sistemas Penal e Socioeducativo (SJSPS) pediu que seu nome fosse excluído.
Pedi para retirar o meu nome da nomeação para não prejudicar ninguém. Mandei um áudio pedindo [para o secretário Ronaldo Nogueira]. A resposta era para terem me dado até o meio-dia [desde domingo], mas ainda não me disseram se vão retirar”, contou.
Nascido em Ibirubá, na Região Noroeste do Rio Grande do Sul, Lacir é filho de agricultores. A história com o crime começou cedo, no mesmo mês que completaria 19 anos, quando ele e um amigo furtaram um Fusca. Foi a entrada no sistema que o deixaria preso por quase três décadas.
Eu, um jovem, com 19 anos, fui pra penitenciária com a condenação de seis anos e meio. No presídio era tortura dia e noite, coisas terríveis e eu optei por fugir do presídio. Infelizmente, eu fugi por cinco vezes do sistema prisional e cada vez que eu fugia, que era capturado, vinha com mais processos”.
O que começou com o furto de um carro passou a tomar proporções maiores. Lacir não gosta de falar sobre os crimes, mas a lista inclui homicídio, latrocínio, roubo e furto. Foram 28 presídios diferentes entre os anos de 80 e 90. Todos os companheiros que haviam sido presos com ele, morreram.
Eu não era para ter chegado a onde eu cheguei. Infelizmente, eu sou fruto do sistema. A ociosidade dentro do presídio é muito grande. Meu sonho, meu desejo, é conseguir fazer alguma coisa para reverter. Eu acredito que é possível. São jovens que tiveram mãe e pai, tem família. A mãe sonhava que aquele filho ia ser um médico, um professor, um jornalista, um advogado, mas infelizmente estão trancafiados dentro das penitenciárias planejando revolta, planejando crimes, ordenando crimes, porque é só isso que eles recebem lá dentro, essa é a instrução que existe”.
Com o trabalho que desenvolve com presos há 31 anos e a experiência de ser um ex-detento, Lacir vê no diálogo e na ocupação do tempo dentro da cadeia uma saída para reduzir os conflitos e reabilitar as pessoas.
Vejo três pilares na recuperação do preso: o primeiro é o fator psicológico que onde entra a espiritualidade, a igreja, com trabalho, lançando luz na alma do preso. O segundo fator é quando tem alguma atividade que o preso possa desenvolver um trabalho dentro do presídio. O terceiro é quando tem a escola, que o preso consegue estudar dentro do presídio”.
Nós temos que acreditar no ser humano. Não existe ser humano irrecuperável e eu sou um exemplo”.
Lacir é autor do livro “Um milagre na escola do crime – condenado a 200 anos hoje livre!”, no qual conta sobre seus trabalhos de ressocialização de ex-apenados. O ex-detento chegou a cursar direito numa universidade particular, mas há 4 anos teve que trancar o curso por não conseguir pagar. De acordo com ele, ao ser nomeado receberia um salário de menos de R$ 2 mil.
Ele é casado há 37 anos e tem quatro filhas.
Regras da galeria da Penitenciária Estadual do Jacuí.
Sidinei Brzuska/Arquivo pessoal
‘Visão apurada de quem já pode voltar a viver na sociedade’
O ex-juiz da Vara de Execuções Penais (VEC) Sidinei Brzuska acompanha o trabalho de Lacir há 13 anos. Ele conta que o ex-detento era conhecido por levar foragidos para se apresentar voluntariamente à Justiça.
Eu perdi a conta, mas foram dezenas, talvez centenas de condenados pela Justiça, foragidos, com mandado de prisão na rua, que o Lacir me apresentava no fórum, para eles cumprirem suas penas e saírem do crime. Esses presos, eu dava um termo de apresentação, uma coisa simples, e eles iam caminhando, voluntariamente, e se recolhiam no fechado. Muitas vezes o Lacir os levava até a porta da cadeia. Ele tem uma visão apurada de quem já pode voltar a viver em sociedade”.
Brzuska conta que a única gelaria da Penitenciária Estadual do Jacuí que era possível a entrada de policias, com a presença dos presos, era aquela em que havia o trabalho de reabilitação feito por Lacir.
Ele faz um trabalho importante de conscientização do preso, no sentido de mudar de vida. E faz isso com bastante autoridade. Os presos respeitam a palavra de quem, mesmo tendo cumprido praticamente 30 anos, deu a volta por cima. Aliás, existem raríssimas pessoas que sobreviveram 30 anos presas. E dessas, até onde sei, o Lacir é o único que se dedicou a fazer esse trabalho, de mostrar que é possível uma nova vida, dentro da lei e dos costumes sociais”.
Galeria na Penitenciária Estadual do Jacuí. Segundo Sidinei Brzuska, a única que era limpa.
Sidinei Brzuska/Arquivo pessoal

Críticas à nomeação
O Sindicato dos Servidores Penitenciários do Rio Grande do Sul (AMAPERGS) questiona, entre outras coisas, o fato de concursos para serviços públicos na Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) exigir análise da vida pregressa do candidato.
Entendemos que a contratação de um CC acontece de maneira mais simplificada, mas acreditamos que este conceito deva ser observado”, reivindica a AMAPERGS.

Em nota, afirma que irá pedir a exoneração dele do cargo em reunião com o secretário da Administração Penitenciária (Seapen), Mauro Hauschild, na próxima quarta (13). 

domingo, 10 de outubro de 2021

Governo do Estado nomeia ex-detento que atua na recuperação de presos para cargo na Secretaria de Justiça

Hoje pastor, Lacir Ramos já foi conhecido pelo codinome Folharada e teve penas que somaram 204 anos de prisão

O governo Eduardo Leite nomeou para um cargo em confiança na Secretaria de Justiça e Sistemas Penal e Socioeducativo o pastor evangélico Lacir Moraes Ramos – no passado conhecido pelo codinome Folharada. Ramos, que já foi considerado um dos mais perigosos criminosos do Rio Grande do Sul, tem atuação reconhecida nos últimos anos em projetos de recuperação de detentos.

A nomeação foi publicada no Diário Oficial do Estado dessa sexta-feira (8). Ainda que o cargo para o qual foi destinado seja da Secretaria de Justiça, a indicação de Lacir para o cargo partiu de Ronaldo Nogueira (Republicanos), secretário estadual do Trabalho. Ambos são pastores da Assembleia de Deus.

Neste sábado (9), procurado por GZH, Ramos disse não saber exatamente para qual atividade foi contratado, mas reforçou o fato de que já cumpriu a sua pena.

"Eu ainda não sei exatamente a função, mas tenho competência. Eu tenho competência para trabalhar em qualquer setor da sociedade, do serviço público. Trabalho na recuperação de presidiários. Apresentei mais de 20 certidões negativas. Eu já paguei minha pena. Atualmente, sou um ficha-limpa" – afirmou Ramos.

O pastor também disse saber de pressões internas no governo Leite para que a sua nomeação seja revertida.

"Este caso está dando uma polêmica. O governador nem sabia quem eu era, acredito. Mas foi na confiança de quem me indicou. Parece que estão pressionado o governador para me "desnomear". Eu sou uma referência (na recuperação de presos). Sou escritor. Eu conquistei um espaço ao sol. Eu não tiro a razão da sociedade que é leiga. Só que agora estou tratando com o governo do Estado, e ele tem que avaliar a minha pessoa atual, e não usar de preconceito. Eu posso ajudar a transformar o sistema prisional" – acrescentou Ramos.

O ex-presidiário foi nomeado para o cargo de chefe de Seção da Secretaria de Justiça e Sistemas Penal e Socioeducativo. Procurado por GZH, o secretário Mauro Hauschild afirmou apenas que o caso era um “mal entendido” e disse que não falaria sobre o assunto.

Por meio de nota, a Secretaria de Justiça e Sistemas Penal e Socioeducativo sugere que a nomeação ocorreu sem que toda análise tenha sido concluída e aponta que o assunto está sendo avaliado. 

Nomeação não é posse. Até este momento de posse, temos as avaliações. A Secretaria está avaliando o que aconteceu. Até o início da semana vamos dar uma resposta”, diz o texto encaminhado pela pasta.

O Sindicato dos Servidores Penitenciários do Estado do Rio Grande do Sul (Amapergs/Sindicato) divulgou um texto dizendo que parte da categoria ficou "perplexa" com a nomeação. 

A nota sustenta: "Sugerimos uma simples reflexão, alguém com perfil similar seria nomeado em algum cargo de chefia na Policia Civil ou Brigada Militar, ou por instituição da área pública?". A direção do sindicato informa que pedirá a exoneração de Ramos ao secretário Hauschild.

Pouco depois das 19h, o Piratini divulgou uma nova nota. 

O texto diz: "Em que pese as condenações anteriores, hoje não há nenhuma pena em aberto ou a cumprir. Diante da sociedade e da lei, não há mais nada devido pelos fatos ocorridos no passado. Ao contrário, seu histórico hoje é um instrumento de luta pela reabilitação e ressociabilização de inúmeros outros apenados, como podem atestar diversos atores judiciais que já cruzaram com o trabalho de Lacir" (leia a íntegra no final desta matéria).

Segundo Lacir, o cargo para o qual foi nomeado tem remuneração de menos de R$ 2 mil. O pastor relata já ter trabalhado em cargos de indicação política na Assembleia Legislativa e na Câmara dos Deputados.

Ex-juiz da Vara de Execuções Penais (VEC) e um conhecedor do sistema penal no Estado, Sidinei Brzuska endossa o trabalho de Ramos. O juiz diz que o ex-presidiário foi a pessoa que mais vezes ele viu apresentar foragidos à Justiça.

"Durante 10 anos, incontáveis vezes o Lacir apareceu no Fórum com alguém do lado dele, pessoas que eram condenadas, foragidas. Ele chegava com as pessoas, apresentava como pessoas que queriam mudar de vida. E essas pessoas iam para o regime fechado. Eram presas e não voltavam ao crime. O Lacir tem uma trajetória de respeito e um olhar criterioso" – relata Brzuska, hoje responsável pela 3ª Vara Criminal de Porto Alegre.

Os crimes cometidos por Ramos ao longo das décadas de 1980 e 1990 lhe renderam penas que, somadas, dão 204 anos. passou por 28 presídios diferentes e permaneceu 29 anos preso. Por força de indulto presidencial, encerrou em 2007 o seu período de presidiário. As principais condenações de Ramos foram por crimes como homicídio, latrocínio, furto e roubo.

O que diz a nota divulgada pelo Piratini

1. A edição do dia 8 de outubro do Diário Oficial do Estado (DOE) trouxe a nomeação de Lacir Moraes Ramos para um cargo vinculado à Secretaria de Justiça e Sistemas Penal e Socioeducativo; 

2. Embora o cargo atualmente pertença à Secretaria de Justiça e Sistemas Penas e Socioeducativo, Lacir Moraes Ramos foi indicado para um cargo na Secretaria de Trabalho, Emprego e Renda, para a qual o cargo será transposto, dentro de um processo de reforma administrativa ainda em curso, que resultou na recente criação das duas secretarias;

3. Ainda não há um vínculo formal entre o nomeado e o governo do Estado. Após o ato de nomeação, a posse depende da entrega de documentos e certificados, como negativas judiciais exigidas, exames médicos e documentos. Apenas depois desta etapa de verificação, e não havendo obstáculo fixado pela legislação, o vínculo é efetivado;

4. Lacir Moraes Ramos foi convidado pelo secretário de Trabalho, Emprego e Renda, Ronaldo Nogueira, para atuar em um projeto de qualificação profissional para egressos dos sistemas penal e socioeducativo;

5. Em que pese as condenações anteriores, hoje não há nenhuma pena em aberto ou a cumprir. Diante da sociedade e da lei, não há mais nada devido pelos fatos ocorridos no passado. Ao contrário, seu histórico hoje é um instrumento de luta pela reabilitação e ressociabilização de inúmeros outros apenados, como podem atestar diversos atores judiciais que já cruzaram com o trabalho de Lacir.

6. Autor do livro "Um milagre na escola do crime – condenado a 200 anos hoje livre!", Lacir Moraes Ramos tem trajetória reconhecida em trabalhos de ressocialização de ex-apenados. A ressocialização é um direito, e cabe ao poder público trabalhar para garanti-lo de maneira plena.

Com promessa de acabar com presos em viaturas e em delegacias, prédio com capacidade para 708 detidos está 20% concluído

Espaço de passagem de presos Avenida Salvador França terá atuação de até 250 servidores da Susepe

Erguida no bairro Partenon, na zona leste de Porto Alegre, a obra do Núcleo de Gestão Estratégica do Sistema Prisional (Nugesp) está 20% concluída, tem previsão de ser finalizada até o final de fevereiro de 2022 e deve entrar em operação ainda em abril. Do celular, o Secretário de Justiça, Sistema Penal e Socioeducativo, Mauro Hauschild, acompanha em tempo real os trabalhos no canteiro da construção montado na Avenida Salvador França. Anunciada em 2019, a estrutura é considerada uma solução definitiva para os presos mantidos em viaturas ou em delegacias de polícia.

A obra tem custo de R$ 46 milhões, dos quais R$ 21 milhões foram pagos com recurso do tesouro e R$ 25 milhões em permuta de mais de 20 imóveis do Estado na Capital, no Litoral e no Interior. Após a conclusão da construção, serão necessários dois meses para instalação de equipamentos, mobília e infraestrutura de sistemas e internet.

"Cronograma da obra está adiantado e estamos muito satisfeitos com o desempenho do trabalho. Estamos na expectativa que esse cronograma seja efetivamente cumprido e tentando fazer algo inovador que seja adequado para aquilo que se espera de tratamento para qualquer pessoa. Não é o crime que fará que alguém tenha que ter tratamento desumano" — afirma o secretário.

O Nugest será um espaço de passagem de pessoas detidas em Porto Alegre, na Região Metropolitana e no Vale Sinos — a área que abrange 55% da população presa diariamente no RS. Com capacidade para 708 presos que aguardam vaga em estabelecimentos prisionais, o Nugesp será um centro de triagem, que reunirá, no mesmo local, todos os procedimentos básicos, como identificação, documentação, registro policial, classificação, e audiência de custódia, audiência de persecução criminal, para eventual acordo com Ministério Público e o encaminhamento compatível ao perfil do preso.

 Após ser detido e com registro do boletim de ocorrência na delegacia, o preso será deslocado direto ao Nugesp — algumas ocorrências específicas poderão ser feitas já no novo local, em um espaço da Polícia Civil. O núcleo terá a mesma estrutura de segurança de qualquer outra casa prisional e estará apto a receber qualquer tipo de preso.

Trabalharão no local juízes plantonistas, membros do Ministério Público e defensores. Também serão feitas perícias e instalação de tornozeleiras. Os presos que tenham decreto de prisão preventiva ou de decisão transitado em julgado ficarão nas selas até a transferência para unidade prisional que a Susepe definir.

A expectativa do secretário é de que o Nugesp permita o cumprimento da legislação que estabelece que nenhum preso deve ficar mais de 24 horas nessas estruturas de passagem.

"Com a presença de todos os atores do sistema de Justiça esperamos conseguir" — afirma.

Atualmente, são seguidos protocolos específicos em razão da pandemia. O preso chega no centro de triagem e precisa aguardar 14 dias, ser testado, para então ser enviado a unidade prisional. Até a inauguração do Nugesp, o secretário espera que os indicadores da pandemia, com o avanço da vacinação, permitam a revisão de prazos para movimentar os presos mais rapidamente.

"O Nugesp deve melhorar as relações de trabalho e diminuir custos da Polícia Civil, de mobilização de efetivo também da Brigada Militar. Com deslocamento rápido, serão mais policiais disponíveis para a rua ao invés de cuidar de preso e do seu deslocamento" — explica.

Além das instituições que compõem o sistema jurídico, o Nugesp terá entre 220 e 250 servidores da Susepe. Será aberto processo seletivo interno específico para seleção de quem vai trabalhar no local, em que todo o quadro de servidores da Susepe poderá participar. Os selecionados passarão por curso de capacitação próprio para atuar no novo espaço. Em setembro, o governador Eduardo Leite nomeou 546 novos agentes penitenciários.

"Precisamos fazer uma formação diferenciada, pois ali haverá uma relação com a sociedade mais intensa. Queremos fazer um serviço de excelência em que todos os servidores conheçam todos os órgãos e as atribuições de cada um. Pretendemos definir indicadores, fazer algo diferente e, em termos de gestão, algo inovador, para quem sabe transformar isso em uma plataforma de referência" — prevê Hauschild.

O local

O Nugesp será construído na Avenida Salvador França, 296.
O local terá 5,5 mil m² de área, dividido em:

  1. ·     Área de Custódia Temporária, com quatro módulos masculinos e um feminino.
  2. ·        Área Administrativa
  3. ·        Torre de controle
  4. ·        Sala de Audiência de Custódia
  5. ·        Triagem, com serviço de identificação, atendimento por psicólogos, médicos e pelas assistentes sociais, quando for necessário.
  6. ·        Cozinha e Serviços Gerais
  7. ·        Divisão de Monitoramento Eletrônico  

sexta-feira, 8 de outubro de 2021

PPP em presídio não deve gerar economia, diz presidente do Sindicato dos Servidores Penitenciários

 Marcus Meneghetti

Presidente da Amapergs, Basso aponta restrições à privatização


/ANDRESSA PUFAL/JC
Se, por um lado, a Parceria Público-Privada (PPP) para a construção e operação do presídio de Erechim gera grandes expectativas no governo Eduardo Leite (PSDB); por outro, desperta preocupação entre os servidores da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe).
O presidente do Sindicato dos Servidores Penitenciários do Estado do RS (Amapergs Sindicato), Saulo Basso, teme que o modelo implantado em Erechim abra caminho para que o controle dos presídios gaúchos seja passado à iniciativa privada. Além disso, sustenta que o Estado não terá economia com a terceirização de serviços, como alimentação, lavagem de roupas e limpeza das casas prisionais.
Entretanto, Basso deixa claro que a Amapergs não é contra qualquer tipo de PPP em presídios. "Somos contrários às parcerias em que o Estado cede por 30 anos a uma empresa privada o gerenciamento total de uma casa prisional." Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o presidente do sindicato cita como um bom modelo de parcerias na área os presídios de Porto Alegre e Sapucaia do Sul - que foram construídos por empresas privadas, em troca de terrenos estaduais.
Jornal do Comércio - Qual a situação do sistema prisional gaúcho hoje?
Saulo Basso - Temos 153 casas prisionais e cerca de 7.000 servidores que trabalham no sistema penitenciário (não necessariamente como agentes nos presídios). É um efetivo muito aquém do necessário. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária diz que a proporção correta de servidores por apenado é de cinco para um. Ou seja, para cada cinco apenados, seria necessário um agente penitenciário. No Estado, temos em torno de 4.500 agentes penitenciários e cerca de 43 mil apenados. Então, precisaríamos ter mais ou menos 8.300 agentes. Nosso déficit é de quase 4.000 agentes. Nesse contexto, o governo cria o argumento falacioso de que o sistema não funciona, que não dá conta, que precisamos construir outros mecanismos para suplantar essa demanda.
JC - Uma das alternativas que o governo do Estado quer testar é a PPP em Erechim, onde deve ser construído, em parceria com o governo federal e a iniciativa privada, um presídio com até 1.125 vagas masculinas. O que pensa dessa iniciativa, que está na fase de modelagem?
Basso - A nossa preocupação é que esse caso seja o início de um processo, que todas as outras casas prisionais do Rio Grande do Sul sigam o mesmo modelo. Nosso medo é que tudo fique direcionado dentro dessa lógica.
JC - Um dos argumentos a favor de PPPs em presídios é que elas diminuiriam os custos...
Basso - Existe um cálculo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que estima que, no sistema público, o apenado custa em média R$ 2,6 mil. No sistema privado, onde tem PPPs ou coisas similares, os valores oscilam entre R$ 3,8 mil e R$ 5,4 mil. Ou seja, conforme o CNJ, o sistema público é mais econômico.
JC - Em uma entrevista ao Jornal do Comércio, o secretário de Parcerias, Leonardo Busatto, explicou que, no presídio de Erechim, os serviços de segurança ficariam com o Estado. E os outros serviços, como alimentação e limpeza, ficariam com a iniciativa privada.
Basso - Em geral, as pessoas não sabem que hoje, em todas as casas prisionais, são os próprios presos que fazem os serviços de limpeza, alimentação e manutenção. Em algumas casas, até a lavagem das roupas é feita por eles. Então, até sob esse aspecto é uma irracionalidade (a PPP dos presídios), porque hoje esses serviços não custam praticamente nada aos cofres públicos. O Estado não faz economia nenhuma ao terceirizar esses serviços.
JC - A categoria aceita algum formato de PPP?
Basso - Não somos contrários a qualquer tipo de parceria. Somos contrários às parcerias em que o Estado cede por 30 anos a uma empresa privada o gerenciamento total de uma casa prisional. Nesse caso, nós (servidores do sistema prisional) seremos meros espectadores. Vão ter pouquíssimos colegas concursados dentro desses estabelecimentos. E a operação não será garantida ao Estado.
JC - Que modelo de PPP seria adequado, na opinião dos servidores?
Basso - Nos últimos tempos, foram construídas duas casas prisionais em parceria com a iniciativa privada: a de Sapucaia do Sul e a de Porto Alegre. Na Capital, o presídio foi construído em tempo recorde por uma empresa (Companhia Zaffari), em contrapartida pelo recebimento do terreno onde funcionava a FDRH (Fundação para o Desenvolvimento dos Recursos Humanos, cuja sede ficava na avenida Praia de Belas, antes de ser extinta pelo governo José Ivo Sartori, MDB). Também foi negociada (com a empresa Verdi) a área do antigo ginásio da Brigada Militar (na avenida Ipiranga). Como contrapartida pelo terreno, a empresa construiu o presídio de Sapucaia. São casas muito bem estruturadas, bastante seguras, geridas pela Susepe. Foi bom para as empresas e para o Estado. O sindicato não é radical, não é contra esse tipo de parceria.

terça-feira, 5 de outubro de 2021

STF declara a constitucionalidade do congelamento da contagem do tempo de serviço

STF, por decisão unânime, considera constitucional o congelamento contagem de tempo de serviço para LP no período 28/05/2020 a 31/12/2021, conforme lei 173/2020, por Amapergs Sindicato

O julgamento das ADIs 6447, 6450 e 6525 foi finalizado às 23h59min de ontem (12/03), no Plenário Virtual do STF. Por onze votos a zero, foi declarada a constitucionalidade do congelamento da contagem do tempo de serviço e de outras restrições impostas pela Lei Complementar 173/2020, com vigência no período de 28/05/2020 a 31/12/2021.

Infelizmente todos os ministros do STF foram unânimes no entendimento de que as regras que determinaram a retirada de nossos direitos não versam sobre o regime jurídico dos servidores públicos, mas sim sobre a organização financeira dos entes federativos e seus órgãos, cuja finalidade é apresentar medidas de prudência fiscal para o enfrentamento dos efeitos econômicos negativos causados pela pandemia aos cofres públicos.

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Pandora Papers: como alta do dólar elevou fortuna de Guedes em paraíso fiscal no exterior

Camilla Veras Mota e Mariana Schreiber / BBC

Em quase três anos à frente do Ministério da Economia, Paulo Guedes deu uma coleção de declarações polêmicas — muitas delas envolvendo o dólar, que ficou quase 40% mais caro desde o início do governo de Jair Bolsonaro.

Paulo Guedes, Ministro da Economia

Algumas dessas frases foram relembradas nas redes sociais pelos brasileiros neste domingo (3/10), quando veículos de imprensa mostraram que Guedes mantém US$ 9,55 milhões nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal no Caribe.

Os documentos que revelam que o ministro da Economia é dono de uma offshore milionária são parte de um megavazamento de informações que expôs figuras públicas de diversos países, batizado de Pandora Papers.

As reportagens foram feitas no âmbito do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), do qual fazem parte, no Brasil, a revista Piauí, os portais Metrópoles e Poder 360 e a Agência Pública.

Entre as manchetes compartilhadas nas redes sociais, os brasileiros relembraram um episódio de fevereiro de 2020, quando o ministro afirmou que o dólar alto seria positivo porque "empregada doméstica estava indo para a Disney, uma festa danada".

Antes disso, em novembro de 2019, Guedes afirmou, em visita a Washington, que os brasileiros deveriam "se acostumar" com o câmbio mais alto, que seria um reflexo da nova política econômica, com juro de equilíbrio mais baixo. "O dólar está alto? Problema nenhum, zero", disse, na ocasião.

Mais recentemente, em junho, já com o dólar consistentemente acima de R$ 5, o ministro repetiu, em fala na Fiesp, que ele e sua equipe queriam o "juros mais baixos e câmbio de equilíbrio um pouco mais alto".

O dólar hoje representa, indiretamente, uma das principais pressões sobre a inflação, com impacto que vai dos preços de combustíveis aos dos alimentos, passando inclusive pelos produtos fabricados pela indústria nacional, já que muitos usam componentes importados.

A valorização da Dreadnoughts International

Para quem tem investimentos no exterior, contudo, o dólar mais caro tem um efeito positivo, já que faz crescer o equivalente em reais das aplicações.

Foi isso o que aconteceu com os recursos mantidos na Dreadnoughts International, a empresa offshore fundada por Guedes em setembro de 2014 nas Ilhas Virgens Britânicas.

A alta do dólar desde 2019 fez com que o patrimônio valorizasse pelo menos R$ 14 milhões. Hoje, o equivalente em reais dos US$ 9,55 milhões aportados na empresa é de R$ 51 milhões.

Como as decisões e declarações do ministro têm impacto direto sobre o mercado de câmbio, muitos especialistas enxergam um conflito de interesses direto entre o cargo público exercido por Paulo Guedes e seu papel como investidor.

As offshores não são ilegais no Brasil, desde que os recursos sejam declarados à Receita. A diferença, neste caso, é o fato de que Guedes é servidor público. O Código de Conduta da Alta Administração Federal proíbe, em seu Artigo 5º, que funcionários do alto escalão mantenham aplicações financeiras passíveis de serem afetadas por políticas governamentais, no Brasil e lá fora.

Em suas manifestações à imprensa, o ministro tem reiterado que cumpriu o que ordena o código de conduta e que, como manda a norma, informou à Comissão de Ética Pública sobre seus negócios no prazo estipulado, até dez dias após assumir o cargo.

Nesse aspecto, uma outra questão emergiu por meio do Pandora Papers: o caso só foi julgado no último mês de julho, mais de dois anos e meio depois. A Comissão decidiu arquivar sem divulgar suas razões, sob a justificativa de que o caso seria sigiloso por envolver dados sensíveis.

O advogado Wilton Gomes, mestre e doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), considera "absurdo" o período de dois anos que a comissão levou para avaliar o caso do ministro. Para ele, ainda que exista a questão de sigilo, os motivos que embasaram a decisão são uma questão de interesse público e, por isso, deveriam ser discutidos de forma mais transparente.

Sobre o parecer, ele afirma que a redação do Artigo 5º do Código de Conduta é clara para o caso de Guedes.

"O conflito de interesse está instaurado, por mais que não tenha havido ação deliberada para aquela finalidade. Não é preciso comprovar que ele teve alguma atitude que o favorecesse, mas evitar o conflito de interesse."

Assim, para ele, a conduta correta seria que ou o ministro repatriasse os recursos ou, caso decidisse mantê-los no exterior, que se afastasse do cargo.

Depois da repercussão do caso, por meio de nota, a Comissão de Ética Pública da Presidência afirmou que, diferentemente do que dizem as reportagens, a declaração de Guedes foi analisada em maio de 2019 — essas informações, contudo, não constam nas atas e notas disponíveis no site da comissão e às quais a própria nota faz referência.

Além da questão do câmbio

O potencial conflito de interesses entre o "Paulo Guedes ministro" e o "Paulo Guedes investidor" vai além do câmbio. Uma questão que pode afetar diretamente seus recursos no exterior é a tributação desses valores. Hoje, os rendimentos que pessoas físicas têm com empresas offshore só são taxados quando há saques desses investimentos.

Em uma proposta enviada pelo Ministério da Economia ao Congresso para alterar a tabela do Imposto de Renda e outros tributos estava previsto que essa cobrança sobre ganhos em offshore fosse feita anualmente, em caso de empresas estabelecidas em paraísos fiscais. Depois, porém, isso foi retirado, em comum acordo entre Guedes e o relator da matéria na Câmara, o deputado Celso Sabino (PSDB-PA).

O parlamentar disse no final de julho que pretendia reincluir a mudança, mas projeto de lei foi aprovado no início de setembro na Câmara sem esse ponto e agora está em análise no Senado. A BBC News Brasil tentou ouvir o deputado por telefone em seu gabinete e no celular, mas ninguém atendeu às ligações.

A proposta de taxar anualmente os ganhos em offshore gerou resistência de setores econômicos que mantêm recursos no exterior. Em evento organizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Guedes disse em julho que a ideia foi retirada no Congresso para não complicar a tramitação do projeto de lei.

"O que estiver certo, acertamos aqui com a indústria… 'Ah, não, tem que pegar as offshores e não sei quê'. Começou a complicar? Ou tira ou simplifica. Tira. Estamos seguindo essa regra", afirmou.
"Não vamos botar em risco a retomada do crescimento econômico sustentável, que é o que está acontecendo. Então, quero deixar essa mensagem tranquilizadora. Quero agradecer o apoio de todo mundo que está nos ajudando, levando sugestões, dizendo 'ó, cuidado que isso aqui está errado'", continuou o ministro na ocasião.

A advogada Bianca Xavier, professora de direito tributário da Fundação Getúlio Vargas (FGV), reforça que não há ilegalidade em possuir recursos em uma offshore, desde que os valores sejam declarados à Receita Federal e ao Banco Central (no caso de superarem US$ 1 milhão) e que os tributos sejam pagos corretamente em caso de saques.

Segundo a professora, gerir recursos a partir de uma offshore no exterior, em geral, permite ao investidor pagar menos impostos quando se trata das cobranças sobre a empresa.

Já quando a pessoa saca esses recursos, explica Xavier, ela terá que necessariamente pagar imposto sobre todos os ganhos de rendimento do período.

A vantagem da offshore, ressalta, é que o investidor não precisa pagar esse tributo regularmente, como ocorre no Brasil, mas apenas ao final da aplicação, quando saca. É o chamado diferimento de impostos.

Na sua visão, o ministro não parece estar agindo de modo antiético com relação a seus investimentos em offshore, já que partiu do próprio governo a proposta original de incluir na reforma tributária a taxação anual desses rendimentos. Para ela, é inevitável que o ministro lide com políticas que o afetem diretamente.

"Se for considerar um conflito ético, nenhum ministro da Fazenda poderia falar de Imposto de Renda. Todos nós somos contribuintes. Teria, então, que ser um ministro muito pobre para não ter nenhum tipo de renda. Acho que ele tem que seguir pela impossibilidade", afirma a professora.

No entanto, o ministro pode ser beneficiado por outro ponto desse projeto de lei aprovado na Câmara e que ainda está em análise no Senado. O texto que recebeu o aval dos deputados prevê alíquota reduzida de 6% para quem decidir pagar antecipadamente o imposto sobre bens no exterior incluídos na declaração de Imposto de Renda deste ano (ano base 2020).

A alíquota normal no caso de investimentos em offshore varia de 15% a 27,5%. Ou seja, se isso for aprovado também no Senado e Guedes aderir ao pagamento antecipado, poderia economizar parte do tributo devido.

A justificativa apresentada para essa medida é a necessidade do governo aumentar a arrecadação com a antecipação desse e de outros tributos — o projeto de lei também dá desconto para pagamento antecipado sobre ganho de capital com valorização de imóveis.

Bianca Xavier lembra que a gestão Bolsonaro prometeu atualizar a tabela do Imposto de Renda, o que significa aumentar o número de brasileiros isentos da cobrança e reduzir um pouco os impostos pagos pelos demais.

A antecipação de tributos ajudaria a compensar num primeiro momento essa perda de arrecadação — solução considerada controversa por especialistas, já que a receita menor com a atualização da tabela do Imposto de Renda será permanente.

Presidente do BC também enfrenta questionamentos

À questão tributária, Pedro Rossi, professor do Instituto de Economia da Unicamp, acrescenta o âmbito regulatório. Paulo Guedes é, junto do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, membro do Conselho Monetário Nacional (CMN), que tem autonomia para aprovar uma série de medidas infralegais que também têm impacto sobre investimentos no exterior.

Campos Neto também foi citado no Pandora Papers. Sua offshore, a Cor Assets S.A, ficava situada no Panamá. À diferente de Guedes, contudo, ele encerrou as operações da empresa em julho do ano passado — mais de um ano depois de assumir a liderança do BC, contudo.

"São dois personagens da alta elite financeira, pessoas com milhões de dólares lá fora, beneficiados pela liberalização que eles mesmo promovem dentro dessa institucionalidade frouxa que alimenta conflito de interesses", diz o economista.
"Ambos têm influência sobre instrumentos de política cambial, fiscal e monetária, e estão conduzindo hoje o maior processo de liberalização financeira desde 1990", completa Rossi, referindo-se à iniciativa de mercados de capitais, conhecida pela sigla IMK, um conjunto de iniciativas que visa desenvolver o mercado de capitais no Brasil.

Entre as medidas aprovadas pelo CMN no âmbito do IMK ele destaca a ampliação das operações com derivativos no exterior, algo que, na sua avaliação, vai na contramão das discussões sobre redefinição do papel do Estado e controles sobre o mercado financeiro após a grande crise de 2008.

"A política fiscal, por exemplo, é mais democrática, passa pelo processo orçamentário, pelo legislativo. Já a política monetária e cambial depende de um conselho [CMN] que lhe dá diretrizes e que não tem representatividade, que toma decisões pouco democráticas e que é pouco transparente."

Guedes e Campos Neto negam irregularidades

Em nota enviada à BBC News Brasil, a assessoria de Paulo Guedes afirma que as atividades privadas dele anteriores à sua posse como ministro foram informadas aos órgãos competentes.

"Toda a atuação privada do ministro Paulo Guedes, anterior à investidura no cargo de ministro, foi devidamente declarada à Receita Federal, Comissão de Ética Pública e aos demais órgãos competentes, o que inclui a sua participação societária na empresa mencionada", diz trecho da nota enviada.

A nota disse ainda que a atuação de Guedes "sempre respeitou a legislação aplicável e se pautou pela ética e pela responsabilidade".

Já assessoria de imprensa de Campos Neto enviou nota à BBC News Brasil afirmando que todo o seu patrimônio, no país e no exterior, foi declarado à Comissão de Ética Pública da Presidência da República, Receita Federal e ao Banco Central.

A nota diz ainda que Campos Neto não fez nenhuma remessa de recursos ao exterior depois de assumir o Banco Central e que, desde então, não faz parte da gestão das suas empresas.

Pandora Papers no exterior

Não foi apenas no Brasil que o Pandora Papers identificou políticos como proprietários ou beneficiários de empresas offshore. De acordo com o consórcio, ao todo, 35 líderes o ex-líderes de países em todo o mundo e outros 300 agentes públicos aparecem nos documentos vazados.

Entre as outras revelações feitas pelo consórcio estão informações sobre o uso de empresas offshore pelo ex-primeiro ministro britânico Tony Blair para a compra de um escritório em Londres e a fortuna avaliada em US$ 94 milhões do rei Abdullah Il bin Al-Hussein, da Jordânia, em propriedades nos Estados Unidos e no Reino Unido.