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terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Justiça

Na primeira cena do documentário Justiça, de Maria Augusta Ramos, todo ele com cenas reais de audiências judiciais, vemos um homem negro que deve responder a perguntas de um juiz em um processo criminal no Rio de Janeiro. O magistrado pergunta se a denúncia é verdadeira, ao que o réu, prontamente, responde “não, não é verdadeira não, senhor.”

Presídio Central: enfim, a decisão corajosa de uma juíza enfrenta a lotação desumana da pior cadeia da América Latina

Então, o juiz quer saber como se deu a prisão, ao que o acusado responde que estava na rua, no carnaval, que “saiu uma correria”, que alguns policiais estavam atirando, que procurou uma rua lateral para se proteger quando três homens, que fugiam da polícia, passaram por ele. Na sequência, foi preso; o único preso.

O primeiro detalhe: os fugitivos eram suspeitos de terem praticado um arrombamento após a escalada de um muro. O segundo detalhe: o homem negro preso é cadeirante, não tem uma perna e a outra é tão fina que parece só osso.

O réu começa a relatar ao juiz que os policiais o derrubaram da cadeira de rodas e bateram nele, produzindo lesões. Nisso, é interrompido pelo magistrado que, impávido, dita o depoimento, omitindo todo o relato e fazendo constar apenas a negativa de autoria e a afirmação de que o réu não conhecia os três “elementos”.

O homem negro solicita que seja determinada sua remoção para um hospital, porque, na 25ª delegacia, onde ele está preso preventivamente, há 79 pessoas na cela e ele precisa se arrastar para defecar.

O magistrado, então, diz: “Só posso fazer isso se houver uma solicitação médica, porque esse é um assunto médico, não um assunto de juiz”. Depois disso, o juiz pergunta há quanto tempo o réu está na cadeira de rodas. O homem responde que é cadeirante desde 1996.

O magistrado, então, aparentando surpresa, pergunta: “Mas o senhor estava na cadeira de rodas quando foi preso?”  “Claro, doutor, estava na cadeira.”

Possivelmente, o tema também não constituía “assunto de juiz”, afinal, o que a situação kafkiana de um cadeirante estar sendo acusado de um arrombamento com escalada tem a ver com a noção de Justiça?

O que a condição de 79 pessoas empilhadas em uma carceragem de uma delegacia de polícia constitui “assunto de juiz”?

E o que uma denúncia de uma pessoa com deficiência que afirma ter sido espancada por agentes encarregados de fazer cumprir a lei tem a ver com o ofício do burocrata que imagina “aplicar a lei”?

Alguém poderia pensar que essa seja uma situação anômala, um ponto fora da curva. O trabalho de Maria Augusta Ramos, não apenas esse Justiça, mas também Juízo, seu documentário mais recente, ambos disponíveis na Netflix, sugere que não. O que vemos na tela, em audiências reais com câmera fixa nos operadores do Direito, é um padrão no tratamento com os pobres e os negros.

Os efeitos de uma postura correta e respeitosa de uma autoridade pública sobre as pessoas são surpreendentes. As pesquisas do professor Tom Tyler (Yale University) demonstraram que, quando autoridades agem de forma justa e respeitosa, essa conduta aumenta a adesão das pessoas à lei, fazendo com que elas tendam a obedecer às autoridades, mesmo diante de decisão contra seus interesses.

O livro de Tyler (2006) Why People Obey the Law (Por que as pessoas obedecem à lei) inaugurou uma nova abordagem conhecida como Procedural Justice (Justiça Procedimental), demonstrando que comportamentos desrespeitosos, violentos e não profissionais de policiais, promotores e juízes prejudicam os esforços de aplicação da lei, porque reduzem as chances de as pessoas colaborarem com as investigações.

Ajuda ou humilhação

Para a Justiça Procedimental, é preciso dar voz às pessoas, e escutá-las com atenção. Os magistrados, especialmente, devem se manter equidistantes das partes, reduzindo os riscos de pré-julgamento. Explicando esses e outros princípios, a juíza Victoria Pratt, em palestra no projeto TED, conta a diferença entre perguntar em uma audiência a uma pessoa que tem pouca escolarização ou tem o inglês como seu segundo idioma:

O senhor está tendo dificuldade de entender essa papelada toda?” Ou simplesmente: “O senhor sabe ler?” Na primeira alternativa, a pergunta é uma oferta de ajuda; na segunda, uma humilhação. Essa forma de se relacionar com as pessoas mais simples e humildes pode mudar a qualidade do acesso à justiça.

Lembrei disso porque, recentemente, a juíza Sonáli da Cruz Zluhan, da 1ª Vara de Execuções de Porto Alegre, atendendo a pedido da Defensoria Pública e aplicando jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, determinou que cada dia de pena cumprida no Presídio Central seja contado em dobro, tendo em conta a superlotação e as condições desumanas de execução da pena.

A decisão, imediatamente contestada pelos adeptos do “estado inconstitucional de coisas” em matéria penal, representa um gesto de racionalidade e de respeito em um sistema que, há muito, tem dificuldades de se conectar com a realidade da execução penal e com seus efeitos criminogênicos.

A boa notícia, portanto, é: sim, temos juízas e juízes dispostos e mudar isso. Talvez sejam poucos, mas que diferença elas e eles fazem!

Marcos Rolim é jornalista, doutor em Sociologia. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe 

segunda-feira, 11 de outubro de 2021

‘Não existe ser humano irrecuperável e eu sou um exemplo’, diz ex-detento nomeado para cargo que cuida da reabilitação de presos no RS

Lacir Moraes Ramos, de 63 anos, cumpriu 29 anos de prisão e está há 14 anos em liberdade. Nomeação foi criticada pelo Sindicato dos Servidores Penitenciários. Lacir Moraes Ramos, de 63 anos, durante atendimento no fórum, na Capital.

Arquivo pessoal
Há 14 anos em liberdade depois de cumprir 29 anos de prisão e receber um indulto presidencial que extinguiu as penas, o pastor evangélico e ex-detento Lacir Moraes Ramos, de 63 anos, quer usar o próprio exemplo para mudar a realidade de presos no Rio Grande do Sul. Ao g1, ele disse que após receber críticas à nomeação ao cargo em comissão (CC) de Chefe de Seção na Secretaria Estadual de Justiça e Sistemas Penal e Socioeducativo (SJSPS) pediu que seu nome fosse excluído.
Pedi para retirar o meu nome da nomeação para não prejudicar ninguém. Mandei um áudio pedindo [para o secretário Ronaldo Nogueira]. A resposta era para terem me dado até o meio-dia [desde domingo], mas ainda não me disseram se vão retirar”, contou.
Nascido em Ibirubá, na Região Noroeste do Rio Grande do Sul, Lacir é filho de agricultores. A história com o crime começou cedo, no mesmo mês que completaria 19 anos, quando ele e um amigo furtaram um Fusca. Foi a entrada no sistema que o deixaria preso por quase três décadas.
Eu, um jovem, com 19 anos, fui pra penitenciária com a condenação de seis anos e meio. No presídio era tortura dia e noite, coisas terríveis e eu optei por fugir do presídio. Infelizmente, eu fugi por cinco vezes do sistema prisional e cada vez que eu fugia, que era capturado, vinha com mais processos”.
O que começou com o furto de um carro passou a tomar proporções maiores. Lacir não gosta de falar sobre os crimes, mas a lista inclui homicídio, latrocínio, roubo e furto. Foram 28 presídios diferentes entre os anos de 80 e 90. Todos os companheiros que haviam sido presos com ele, morreram.
Eu não era para ter chegado a onde eu cheguei. Infelizmente, eu sou fruto do sistema. A ociosidade dentro do presídio é muito grande. Meu sonho, meu desejo, é conseguir fazer alguma coisa para reverter. Eu acredito que é possível. São jovens que tiveram mãe e pai, tem família. A mãe sonhava que aquele filho ia ser um médico, um professor, um jornalista, um advogado, mas infelizmente estão trancafiados dentro das penitenciárias planejando revolta, planejando crimes, ordenando crimes, porque é só isso que eles recebem lá dentro, essa é a instrução que existe”.
Com o trabalho que desenvolve com presos há 31 anos e a experiência de ser um ex-detento, Lacir vê no diálogo e na ocupação do tempo dentro da cadeia uma saída para reduzir os conflitos e reabilitar as pessoas.
Vejo três pilares na recuperação do preso: o primeiro é o fator psicológico que onde entra a espiritualidade, a igreja, com trabalho, lançando luz na alma do preso. O segundo fator é quando tem alguma atividade que o preso possa desenvolver um trabalho dentro do presídio. O terceiro é quando tem a escola, que o preso consegue estudar dentro do presídio”.
Nós temos que acreditar no ser humano. Não existe ser humano irrecuperável e eu sou um exemplo”.
Lacir é autor do livro “Um milagre na escola do crime – condenado a 200 anos hoje livre!”, no qual conta sobre seus trabalhos de ressocialização de ex-apenados. O ex-detento chegou a cursar direito numa universidade particular, mas há 4 anos teve que trancar o curso por não conseguir pagar. De acordo com ele, ao ser nomeado receberia um salário de menos de R$ 2 mil.
Ele é casado há 37 anos e tem quatro filhas.
Regras da galeria da Penitenciária Estadual do Jacuí.
Sidinei Brzuska/Arquivo pessoal
‘Visão apurada de quem já pode voltar a viver na sociedade’
O ex-juiz da Vara de Execuções Penais (VEC) Sidinei Brzuska acompanha o trabalho de Lacir há 13 anos. Ele conta que o ex-detento era conhecido por levar foragidos para se apresentar voluntariamente à Justiça.
Eu perdi a conta, mas foram dezenas, talvez centenas de condenados pela Justiça, foragidos, com mandado de prisão na rua, que o Lacir me apresentava no fórum, para eles cumprirem suas penas e saírem do crime. Esses presos, eu dava um termo de apresentação, uma coisa simples, e eles iam caminhando, voluntariamente, e se recolhiam no fechado. Muitas vezes o Lacir os levava até a porta da cadeia. Ele tem uma visão apurada de quem já pode voltar a viver em sociedade”.
Brzuska conta que a única gelaria da Penitenciária Estadual do Jacuí que era possível a entrada de policias, com a presença dos presos, era aquela em que havia o trabalho de reabilitação feito por Lacir.
Ele faz um trabalho importante de conscientização do preso, no sentido de mudar de vida. E faz isso com bastante autoridade. Os presos respeitam a palavra de quem, mesmo tendo cumprido praticamente 30 anos, deu a volta por cima. Aliás, existem raríssimas pessoas que sobreviveram 30 anos presas. E dessas, até onde sei, o Lacir é o único que se dedicou a fazer esse trabalho, de mostrar que é possível uma nova vida, dentro da lei e dos costumes sociais”.
Galeria na Penitenciária Estadual do Jacuí. Segundo Sidinei Brzuska, a única que era limpa.
Sidinei Brzuska/Arquivo pessoal

Críticas à nomeação
O Sindicato dos Servidores Penitenciários do Rio Grande do Sul (AMAPERGS) questiona, entre outras coisas, o fato de concursos para serviços públicos na Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) exigir análise da vida pregressa do candidato.
Entendemos que a contratação de um CC acontece de maneira mais simplificada, mas acreditamos que este conceito deva ser observado”, reivindica a AMAPERGS.

Em nota, afirma que irá pedir a exoneração dele do cargo em reunião com o secretário da Administração Penitenciária (Seapen), Mauro Hauschild, na próxima quarta (13). 

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Moro 2019 esqueceu o que disse quando era juiz. Moro não é juiz, é político, péssimo como Ministro da Justiça

Despido da toga que ostentou por 22 anos como juiz federal, o ministro Sergio Moro mudou o discurso e o entendimento que tinha sobre o caixa 2

Em abril de 2017, em palestra na Universidade de Harvard, o juiz opinou que "caixa 2 é mais grave do que a corrupção para o enriquecimento ilícito". Ontem, ao justificar a separação do caixa 2 do projeto anticrime, mostrou que menos de dois meses na Esplanada foram suficientes para tratar o crime eleitoral com certa benevolência:
"Não, caixa 2 não é corrupção. Existe o crime de corrupção e existe o crime de caixa 2. Os dois são graves. Aí é uma questão técnica."
O juiz Moro formulou um raciocínio bem mais elaborado em 2017, nos Estados Unidos:
"Caixa 2 nas eleições é trapaça, é um crime contra a democracia. Me causa espécie quando alguns sugerem fazer uma distinção entre a corrupção para fins de enriquecimento ilícito e a corrupção para fins de financiamento ilícito de campanha eleitoral. Para mim, a corrupção para financiamento de campanha é pior que para o enriquecimento ilícito. Se peguei essa propina e coloquei em uma conta na Suíça, isso é um crime, mas esse dinheiro está lá, não está mais fazendo mal a ninguém naquele momento. Agora, se utilizo para ganhar uma eleição, para trapacear uma eleição, isso para mim é terrível."
A "questão técnica" a que Moro se refere é que corrupção está tipificada no Código Penal. Caixa 2, para efeito de punição, é um ilícito eleitoral. Criminalizar o caixa 2 é exatamente o que os integrantes da força-tarefa da Operação Lava-Jato sempre pregaram. Entraria no pacote anticrime encaminhado ao Congresso, mas, sabendo que enfrentaria resistência entre deputados e senadores, o governo resolveu fatiar a proposta. Moro confessou que o pragmatismo falou mais alto do que suas antigas convicções.
"Houve uma reclamação por parte de alguns agentes políticos de que o caixa 2 é um crime grave, mas não tem a mesma gravidade que corrupção, crime organizado e crimes violentos. Então, acabamos optando por colocar a criminalização à parte, mas que está sendo encaminhada no mesmo momento. Foi o governo, ouvindo reclamações razoáveis dos parlamentares quanto a esse ponto, adotando uma estratégia diferente."
Com a separação do pacote em três pedaços, o governo lava as mãos em relação ao caixa 2. Se o Congresso não aprovar a criminalização, a conta (em tese) vai para os deputados e senadores. O que importa mesmo para o Planalto é aprovar o projeto-mãe, que altera várias leis para endurecer o combate ao crime organizado e à corrupção. Sob esse guarda-chuva estão, por exemplo, a prisão a partir da condenação em segunda instância e o excludente de ilicitude, que vem sendo popularmente chamado de "licença para matar". Moro não gosta dessa expressão. Diz não se tratar de liberação indiscriminada para atirar em legítima defesa, mas, na prática, um salvo conduto para a polícia e para o cidadão comum que entra em confronto com bandidos.
Rosane de Oliveira/ZH

quarta-feira, 18 de julho de 2018

Juíza veta Lula em campanha e na convenção do PT

A juíza Carolina Moura Lebbos, da Vara das Execuções Penais de Curitiba (12ª Vara Federal), negou ao ex-presidente Lula participação em entrevistas e debates e também vetou a saída do ex-presidente da cadeia da Lava Jato para "participação presencial" na Convenção Partidária Nacional do PT. 

"Aos presos em regime fechado somente é permitida a saída do estabelecimento prisional nas hipóteses estritamente previstas no artigo 120 da Lei de Execução Penal. A participação em entrevistas e debates não se encontra entre elas", assinalou a magistrada, em despacho desta quarta-feira, 11 - apenas três dias depois que o desembargador plantonista do Tribunal da Lava Jato, Rogério Favreto, mandou soltar o ex-presidente, decisão revogada pelo relator da operação e pelo presidente da Corte.
Na mesma decisão, Carolina Lebbos vetou entrevistas do ex-presidente a veículosde comunicação.
Lula, condenado a 12 anos e um mês de reclusão no processo do triplex do Guarujá, cumpre sua pena na sede da Polícia Federal de Curitiba desde a noite de 7 de abril. O PT insiste que ele é o pré-candidato do partido à Presidência.
O pedido para que Lula pudesse sair da prisão para fazer campanha foi feito pelo PT.
O partido afirmou que seu líder "se encontra em pleno gozo de seus direitos políticos, podendo votar e ser votado" e que "na qualidade de pré-candidato ele está apto à prática dos atos previstos no artigo 36-A da Lei 9.504/97 (Lei das Eleições)".
O partido requereu "o reconhecimento do direito do executado de participar dos atos de pré-campanha e, posteriormente, de campanha, como entrevistas e debates".
Em sua manifestação, o Ministério Público Federal apontou a "ilegitimidade ativa do requerente, Partido dos Trabalhadores".
A Procuradoria sustentou que "o apenado Luiz Inácio Lula da Silva encontra-se cumprindo pena em regime fechado", que o artigo 41 da Lei de Execução Penal e o artigo 37 do Regulamento Penitenciário Federal "não estabelecem nenhuma hipótese de autorização para ausência do apenado do estabelecimento prisional para participação em atos de pré-campanha ou de campanha eleitoral, seja pessoalmente ou por videoconferência", que "a saída temporária somente é admissível nas hipóteses previstas no artigo 122 da Lei de Execução Penal, para os condenados em cumprimento de pena em regime semiaberto, que não é o caso do apenado", que "não há falta de isonomia em relação aos demais candidatos, pois não se tem notícia de que estes se encontrem presos e cumprindo pena em regime fechado", que "a permissão de saída pretendida infringiria o tratamento isonômico em relação aos demais presos", que "pretende a defesa antecipar campanha política que, a princípio, poderá beneficiar o Partido dos Trabalhadores, mas não o apenado pois, não se alterando a situação de condenação por órgão colegiado em grau de recurso, esse estará inelegível no prazo legal, nos termos da Lei Complementar nº 135/2010".
"Com razão o Ministério Público Federal ao apontar a ilegitimidade ativa do requerente, Partido dos Trabalhadores", decidiu a juíza Carolina Lebbos.
Segundo a magistrada, "nos termos da Lei de Execução Penal, cabe ao próprio executado (Lula, no caso), por meio de sua defesa constituída ou, na sua falta, à Defensoria Pública da União, pleitear benefícios ao preso".
"No caso o que se requer é a ampliação dos meios de contato do apenado com o mundo exterior, mediante saídas para participação em evento específico, Convenção Nacional do Partido dos Trabalhadores, e em entrevistas e debates, bem como através de gravação de vídeos ou realização de videoconferências", destacou a juíza.
"Desse modo, cabe ao executado, por meio de sua defesa, buscar seus direitos em Juízo. Ademais, não se vislumbra interesse processual, sob o aspecto da utilidade. Embora o partido requerente declare ser o executado pré-candidato ao cargo de Presidente da República, nos termos do estabelecido no artigo 1.º, I, 'e', itens 1 e 6 da Lei Complementar nº 64/1990, na redação dada pela Lei Complementar 135/2010, sua situação se identifica com o status de inelegível, conforme acima analisado", pontuou Carolina Lebbos.
No entendimento da magistrada, "a realização dos atos previstos no artigo 36-A da Lei nº 9.504/97 (Lei das Eleições), por sua vez, é instrumental à participação na disputa eleitoral".
"Nesse quadro, caracterizada a situação de inelegibilidade, não se afigura presente a utilidade do provimento pretendido."

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Churrasco no presídio, pode? Veja o que é permitido ou não levar para dentro da cadeia

Confraternização natalina realizada no último domingo (24) entre presos e familiares, com 100 quilos de carne e 15 sacos de carvão, no Presídio Regional de Santa Cruz do Sul é alvo de investigação do MP e de sindicância da Susepe

Alvo de duas investigações, uma do Ministério Público (MP) e outra da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), o churrasco de Natal realizado no pátio do Presídio Regional de Santa Cruz do Sul levantou uma série de questões sobre o que é permitido ou não entrar nas cadeias do Rio Grande do Sul.
A Susepe tem portaria que regulamenta o ingresso de visitas e materiais em estabelecimentos prisionais, na qual atende critérios da Lei de Execução Penal (LEP). Mas nem tudo está nos documentos. Dessa forma, a direção de cada prisão pode definir regras próprias, de acordo sua realidade.
GaúchaZH ouviu dois especialistas no assunto, o juiz Sidinei José Brzuska, que há 20 anos trabalha com o sistema prisional e atua na Vara de Execuções Criminais (VEC) de Porto Alegre, e o promotor Luciano Vaccaro, que exerce há 19 anos ações sobre o tema e coordena o Centro de Apoio Operacional Criminal e de Segurança Pública do MP. Também foram consultados os dois regulamentos, de 2008 e 2014, publicados no site da Susepe.
Confira abaixo o que dizem sobre as principais dúvidas levantadas após a realização da confraternização natalina no presídio do município do Vale do Rio Pardo.

Pode ser realizada confraternização com grande público no presídio?

Juiz Sidnei Brzuska
Varia muito. Depende de cada presídio e do tipo de evento. Nos presídios grandes, é mais comum que ocorra por galeria e não no presídio inteiro. Existem eventos dos quais a administração participa diretamente, como é o caso do Dia das Crianças. Os religiosos também fazem missas, nas quais pode ter uma aglomeração maior de pessoas.
Promotor Luciano Vaccaro
Não há nada que proíba confraternização desse tipo. Na Lei de Execução Penal, não há em nenhuma vedação. Por outro lado, não há nada que diga que é permitido. Esse churrasco, tal como foi _ sem nenhum contato prévio com MP e Judiciário para avaliar a segurança e ver o que poderia ou não entrar, quem estava financiando, o número de pessoas envolvidas, os instrumentos _ precisa ser melhor explicado e deveria ter sido melhor avaliado previamente. O presídio de Santa Cruz especificamente tem muitos presos de facções violentas, vide o caso do jovem preso com vários fuzis e com a suspeita de que um integrante de facção tenha financiado a churrascada, e houve recentemente uma fuga em massa. Isso tudo tem um custo futuro de promessas e gratidão e que teve conivência da direção. Precisa e vai ser investigado.
Normas da Susepe
O regulamento de visitas prevê que o número de visitantes limita-se a dois adultos para cada preso em cada dia de visita, estando liberados desse limite os filhos do preso, desde que menores de 18 anos. O regulamento ainda cita que, "em situações excepcionais", o ingresso além do limite estabelecido poderá ser autorizado pelo administrador do presídio, levando em conta fatores como "frequência no recebimento de visitas, distância, bom comportamento, condições de segurança e capacidade do estabelecimento".

Pode entrar espeto e faca?

Brzuska
Não é comum isso. O Estado não costuma oferecer talheres aos presos. Geralmente, eles comem em pratos ou potes plásticos, chamados de "pandeco". Usam uma colher de plástico, chamada de "remo".  Geralmente, é a família ou a facção que fornece esses materiais plásticos. Potes de margarina também são comuns. "Espeto" só estoques clandestinos, feitos com ferragem da prisão, cantoneiras de janelas, bombas de chimarrão, pinos de ventilador etc.
Vaccaro
Em princípio, não. Aliás, é uma falta grave, passível de sanção ao preso que possuir indevidamente instrumento que possa atentar contra integridade física de outro detento. Faca, espeto e mesmo as churrasqueiras são instrumentos que podem ser jogados contra outra pessoa, ainda mais com carvão quente, é muito perigoso. Nada disso é permitido. Evidentemente que houve permissão por parte da direção, que não avaliou adequadamente as repercussões.
Susepe
O regulamento de visitas mais recente, de 2014, não cita nenhum dos dois equipamentos, apenas proíbe a entrada de "materiais que possam comprometer a segurança do estabelecimento ou de circulação proibida por lei". Em regulamento anterior, de 2008, a Susepe colocava entre os itens proibidos a serem levados por visitantes "facas, tesouras ou outros objetos perfurantes". A Susepe informou que os espetos e as facas utilizados no churrasco foram fornecidos pelo presídio.

Pode entrar comida, como carne in natura e em grande quantidade?

Brzuska
É comum a família levar comida. As prisões costumam ter limite por familiar, que normalmente é de pequenas porções. Os visitantes, em várias prisões, comem dentro do estabelecimento. Em cadeias faccionadas, a facção também controla a comida. Prisões grandes tem cantinas, onde os presos compram. No Central, por exemplo, compram carvão e um monte. A Susepe tem uma portaria, onde lista o tipo de gêneros permitidos, que os familiares podem levar.
Vaccaro
O familiar pode levar comida, mas não desse tipo e nessa quantidade. Somente quantias individuais. O que poderia haver era alguma ação da sociedade, que se mobiliza e faz uma doação em iniciativa de sociabilização. Ou então algo de igreja, já que Natal tem conotação religiosa. Mas não há notícia de envolvimento dessa ordem. Ou seja, essa entrada de carne não está regulamentada, não se sabe se é fruto de abigeato, por exemplo, nem se foi fiscalizada.
Susepe
No regulamento de visitas, consta entre os itens permitidos "comida pronta – carne, frango, peixe, ovos, arroz, massa, feijão e legumes", com a ressalva de já serem "cozidos, assados, fritos, sem ossos, descascados, cortados" e limitada a um pote. Refrigerante e água mineral também são permitidos, desde que em garrafas PET transparente e apenas uma unidade. Dessa forma, a grande quantidade de carne in natura e de refrigerantes, por regra, não seria permitida.

Pode entrar produto inflamável ou fósforo e isqueiro para fazer o fogo?

Brzuska
Produto inflamável, por regra, não é permitido. Mas os presos fumam cigarros, maconha e crack. Logo, tem acesso a fósforo. Também tem acesso à eletricidade. Esquentam água para chimarrão. E muitos têm fogareiros elétricos, com os quais fazem comida nas celas.
Vaccaro
O preso tem acesso a cigarro e, para isso, tem isqueiro ou fósforo. Em Canoas, me parece que isso já está sendo controlado por envolver produto inflamável. Conheci um presídio em Minas Gerias em que não é permitido cigarro. Mas isso não é a realidade no sistema prisional gaúcho.
Susepe
O regulamento de 2014 permite aos visitantes levar uma unidade de isqueiro transparente. No documento de 2008, consta proibição de "produtos ou líquidos inflamáveis ou corrosivos, acetona, solventes, inseticidas, ácidos, produtos químicos etc”.

Pode entrar celular ou câmera fotográfica?

Brzuska
Celular não é permitido. É crime, inclusive. Máquina fotográfica depende de acerto com a administração, conforme a finalidade. Evangélicos, por exemplo, fotografam o batismo dentro da prisão.
Vaccaro
Não pode, é terminalmente proibido o ingresso de celulares e qualquer equipamento que permita contato com mundo exterior no sistema prisional. Isso é falta grave, com sanção disciplinar para os presos e configura até mesmo crime se houver alguma facilitação desse ingresso, mesmo por agente penitenciário.
Susepe
O regulamento de 2014 proíbe que visitantes portem ou tentem entrar no presídio com "celulares, equipamentos e componentes eletrônicos". No de 2008, constava que não era permitido entrar com "máquinas fotográficas e filmadoras, telefones celulares, chips e acessórios". A Susepe anunciou, logo que soube da divulgação de fotos do churrasco, que abriria investigação para apurar quem fez e como as imagens foram registradas.