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sábado, 3 de novembro de 2018

Para mim, aumenta a violência. Academias do mundo provaram que quanto mais armas, mais mortes. Só Bolsonaro não sabe

Desarmamento no alvo do novo governo

Mudança na lei que regula posse e porte de armas é apoiada pelo presidente eleito. Flexibilização pode ser votada ainda neste ano. Defensores argumentam autoproteção. Contrários alegam que liberação aumentaria violência

Com poucas linhas reservadas à flexibilização do Estatuto do Desarmamento, o plano de governo do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), destoa da dimensão dada ao tema na sua carreira política e na campanha, representada por dedos fazendo sinal de uma arma. O capitão reformado do Exército já propôs, por exemplo, que políticos e advogados pudessem andar armados como forma de garantir a própria segurança. No documento protocolado junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o liberal não detalhou o assunto e dedicou poucas linhas à questão do desarmamento.
A pretensão do futuro presidente ainda é nebulosa e algumas de suas convicções encontram resistência entre parlamentares da bancada da bala. Na prática, o objetivo de Bolsonaro só ganha contornos visíveis por conta de um projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados há seis anos e que absorveu, inclusive, ideias formuladas pelo militar. O PL 3722/2012 é assinado pelo deputado Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC), reeleito no último pleito.
Há pontos que precisamos ajustar ainda. Mas, fato é que Bolsonaro, seus filhos e eu viajamos o Brasil todo apresentando a matéria em audiências públicas e sempre foi bem aceita entre a comunidade - orgulha-se Peninha.
O projeto de lei modifica o Estatuto do Desarmamento, com menos exigências, burocracia e custo para aquisição de armas por quem Peninha chama de "cidadãos de bem". As mudanças passam pela redução da idade mínima, de 25 para 21 anos, registro sem data de expiração (atualmente é preciso renovar a cada cinco anos) e exclusão da comprovação da efetiva necessidade. A matéria, aprovada em comissão em 2015 e avalizada por Bolsonaro, pode ir a plenário ainda neste ano. Mas Peninha não tem pressa.
A próxima legislatura é mais conservadora. A possibilidade de aprovar sem modificações no ano que vem é maior - opina o deputado.
A discussão tem entre os pontos fundamentais do novo estatuto temas a serem retirados, ao menos para a posse, como a obrigatoriedade de comprovação da efetiva necessidade, declaração que o requerente deve apresentar ao delegado da Polícia Federal (PF) com fatos e circunstâncias que justifiquem o pedido. Não basta o enquadramento nos demais termos objetivos, como idoneidade e aptidões física e psicológica. É preciso convencer o delegado da PF. O que depender do deputado reeleito e futuro ministro-chefe da Casa Civil, Onix Lorenzoni (DEM-RS), o novo governo pretende derrubar a efetiva necessidade:
O cidadão que cumpre a lei e não tem antecedentes irá entregar o requerimento. A partir daí, é obrigação do poder público conceder a posse.
No dia seguinte à eleição, Bolsonaro concedeu entrevistas a emissoras de televisão. Na Record, criticou o critério adotado desde 2003, quando passou a vigorar o estatuto - formatado durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e assinado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Um dos dispositivos diz que você precisa comprovar a efetiva necessidade para comprar arma de fogo e quem decide isso é a Polícia Federal. A efetiva necessidade está comprovada pelo estado de violência que vive o Brasil. Estamos em guerra. Queremos diminuir (a idade mínima). Em vez de 25 para 21 anos. E mais ainda: dar a posse definitiva para o cidadão - comentou Bolsonaro.
O capitão defendeu a flexibilização do porte, mas sem entrar em detalhes. Sabe-se que ele quer permitir, como mostra o PL 7282/2014, de sua autoria, que advogados, vereadores, prefeitos, deputados e profissionais de mídia que atuam na cobertura policial, mesmo estando todos fora de expediente, possam carregar suas armas. Ainda na entrevista para a Record, Bolsonaro exemplificou:
Por que um caminhoneiro não pode ter uma arma de fogo? Fico imaginando um caminhoneiro que dormiu em um posto e acorda no dia seguinte sem o estepe em seu caminhão. Um caminhoneiro armado, se alguém estiver furtando ou roubando, ele vai dar o exemplo para a bandidagem.
A posse permite, conforme a norma vigente, que o proprietário mantenha a arma "exclusivamente no interior de sua residência ou domicílio, ou dependência destes", seja na zona urbana ou rural. Segundo um dos coordenadores do movimento Armas pela Vida, Diego Gomes Ferreira, essa definição é subjetiva e, no geral, os tribunais têm decidido que a arma deve permanecer dentro de casa ou em uma eventual garagem - nunca em áreas condominiais. Na zona rural, o entendimento é que o armamento deve ser mantido dentro da residência e, no máximo, nos arredores dela.
Para eliminar essa discussão, a bancada da bala quer criar o porte rural. Com ele, moradores do campo teriam direito de carregar a arma por toda a propriedade e de um local a outro, desde que terrenos de origem e destino sejam seus. Para o coordenador da bancada da bala e relator do projeto, deputado Alberto Fraga (DEM-DF), essa alteração é a que encontra maior resistência no plenário e, ao mesmo tempo, uma das mais importantes devido à violência no campo.
Nas próximas páginas, confira o que está em jogo com a possível mudança no estatuto e veja argumentos de quem é contra e a favor à flexibilização.
Se aprovado, o projeto que revoga o estatuto precisa passar pelo Senado e pela sanção do presidente da República. Projetos de lei precisam do aval de maioria simples do plenário - metade dos deputados e senadores e mais um, estando presente pelo menos metade dos integrantes de cada casa.
                                                                                              
MARCELO KERVALT

Segurança ou mais violência? Os argumentos contra e a favor

Coordenador da bancada da bala na Câmara, o deputado Alberto Fraga (DEM-DF), defenderá anistia para quem tem armas ilegais. Ficarão imunes de qualquer sanção os detentores de equipamentos que deixaram de renovar registros de posse ou porte. Ele também quer um novo recadastramento que aponte o número exato de armas no país.
Precisamos saber quantas e quais estão nas mãos das pessoas. Hoje, há uma completa escuridão sobre isso - afirma Fraga.
Conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 119.484 armas de fogo foram apreendidas em 2017. O estudo aponta que 11,5% delas chegaram a ser legais, mas foram perdidas, extraviadas ou roubadas. Conforme o anuário, foram registradas 63.880 mortes violentas intencionais no país, crescimento de 2,9% em relação ao ano anterior - esse número não indica quantas são por arma de fogo. Para o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, as mudanças irão elevar esses dados:
O Brasil não consegue nem saber o que acontece com as armas em circulação e quer delegar à população a responsabilidade de se defender. Academias do mundo inteiro já provaram que quanto mais armas, mais mortes - sublinha Lima.
Ele sugere aumentar a eficiência dos mecanismos de rastreabilidade, reduzir as autorizações para armamento de grosso calibre, aprimorar investigações e aumentar punição:
O resultado dessa mudança será o aumento das mortes por conflitos interpessoais, no trânsito, por exemplo.
Morador de Porto Alegre, um homem de 40 anos e com porte há seis meses, discorda. Argumenta que esteve em situações estressantes, mas nunca pensou em usar a pistola .380 que carrega.
Já fiquei irritado no trânsito, no meu trabalho, mas nem passou pela cabeça sacar a arma. Quando a gente está armado, o comportamento muda, pois se um bandido perceber que você está com uma arma, vai querer te matar - comenta, pedindo para que sua identidade seja preservada.
Há pouco mais de um ano, recebeu ameaças relacionadas ao trabalho. A intimidação foi utilizada para embasar a comprovação da efetiva necessidade de portar arma. Foi mais um argumento, pois a sua profissão, como agente de fiscalização de um órgão federal, indicava que a solicitação provavelmente seria atendida.
Defendo o direito de todo cidadão ter arma em casa. O porte deve ter um rigor maior, mas se a pessoa preencher todos os requisitos, fizer exame psicológico e de tiro, não vejo problema em andar armado. O risco está no uso indevido e irresponsável, e não no equipamento em si - comenta.
Presidente da ONG Brasil Sem Grades, Luiz Fernando Oderich é a favor de amenizar as exigências para a compra de armas, mas não para o porte, que, na sua opinião, deve ser restrito às forças policiais:
Se o Estado não consegue defender a sociedade, o cidadão tem o direito de buscar autoproteção com arma em casa. O Estado fracassou, faliu.
Em parte, é o que defende o Movimento Armas pela Vida. Diego Gomes Ferreira, um dos coordenadores, defende que a revisão do estatuto é necessária para reduzir entraves e subjetividades:
Trará pontos positivos em relação à criminalidade contra o patrimônio, mas o ponto principal é a garantia da liberdade individual, de as pessoas terem direito à autoproteção.
Felippe Angeli, do grupo Sou da Paz, entende que a facilitação ao acesso às armas terá efeito catastrófico. Rebate pontos em discussão, como o de derrubar a exigência da efetiva necessidade:
Esse dispositivo foi criado para que a PF possa analisar caso a caso, conhecer a realidade de cada cidadão que quer comprar arma. Se há problemas na execução da lei, se as escolhas dos delegados não são homogêneas, é uma questão administrativa. Vamos aprimorar.
Quanto à redução da idade mínima, diz estar acontecendo lobby da indústria de armas para esquentar o mercado. Sobre o porte rural, alerta que é preciso cautela diante de os conflitos agrários ficarem mais violentos

quinta-feira, 5 de julho de 2018

Aumento da violência coloca segurança como prioridade no Rio Grande do Sul nas eleições 2018

Entre 2007 e 2017, o número de homicídios aumentou 62,5%, segundo registros do governo do Estado

PORTO ALEGRE - Segurança pública é um dos assuntos que mais preocupa os gaúchos. Entre 2007 e 2017, o número de homicídios no Rio Grande do Sul aumentou 62,5%, segundo registros do governo do Estado. No mesmo período, a taxa de roubos elevou-se em 32,9%. Juntamente com os índices de violência, cresceu a sensação de insegurança entre a população. O tema é tratado como prioridade pelos pré-candidatos ao governo do Estado nas eleições 2018, que colocam o aumento do efetivo da Brigada Militar (a PM gaúcha), investimentos em inteligência policial e prevenção ao crime como as principais maneiras de solucionar o problema.
Segundo a Secretaria da Segurança Pública gaúcha, em 2007, 1.604 homicídios dolosos ocorreram no Estado - dez anos depois, foram registrados 2.606 assassinatos. Com relação aos roubos, o Estado registrou 65.542 ocorrências em 2007 e 87.120 no ano passado. Já o índice de furtos caiu 35,1% no período.
"Educação, esporte e cultura são chaves para redução das taxas de violência", disse ao Estado o pré-candidato do PDT ao governo gaúcho, Jairo Jorge (PDT).
Caso eleito, o pedetista pretende investir em tecnologia, integrar o policiamento ostensivo com o comunitário e criar programas de prevenção. Já o postulante do PP ao Palácio Piratini, Luis Carlos Heinze, propõe buscar parcerias com o setor privado para auxiliar a financiar ações de segurança no Estado. 
"Tem de criar na segurança um processo de integração total entre a sociedade e o Estado", afirmou o presidente estadual da sigla, Celso Bernardi.
Para o pré-candidato tucano, Eduardo Leite, uma parceria entre o Estado e os municípios é necessária no combate ao crime, além da integração das forças de segurança, com o uso de tecnologia para auxiliar as polícias. 
"Temos de buscar reduzir o custeio do Estado para colocar o recurso em segurança, saúde e educação", disse.
O postulante do PT, Miguel Rossetto, pretende investir na recomposição das forças policiais do Estado, na polícia comunitária e no fortalecimento da investigação. 
"Teremos foco nos territórios conflagrados e de maior vulnerabilidade social, onde se concentram os maiores índices de violência."
Para o pré-candidato Mateus Bandeira (Novo), o Estado precisa investir em tecnologia, gestão e recompor o efetivo policial. O postulante do PSOL, Roberto Robaina, propõe ações na prevenção e uma discussão da política de drogas para reduzir a violência. Abigail Pereira (PCdoB) fala em valorização dos profissionais de segurança e em prioridade no combate a homicídios e crimes sexuais. Luiz Fernando Portella (PMB) afirma que terá uma política de "sufocamento" do tráfico de drogas e que irá investir em equipamentos.
O número de policiais militares no Rio Grande do Sul está abaixo do que determina a lei do Estado, de 37.050. Procurada pela reportagem, a BM não informou seu efetivo atual, mas, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2016, o número de brigadianos era de 16.827. Em seus discursos pelo aumento do contingente, os pré-candidatos afirmam que há entre 16 e 17 mil homens na força.
O sociólogo e especialista em segurança pública da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo afirmou que, em razão do aumento na violência, a população gaúcha mudou seu comportamento.
"A pessoa para no sinal desconfiada, os espaços públicos estão esvaziados. A população de Porto Alegre, especialmente de classe média, passou a viver muito da sua vida dentro de condomínios e shoppings."
Para o sociólogo, problemas no sistema carcerário gaúcho contribuíram para o aumento da violência nas ruas. Atualmente, o Estado tem 39.442 presos, segundo a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe). A capacidade dos presídios gaúchos, porém, é de 27.927 vagas. 
Ghiringhelli afirmou que, com a superlotação, o sistema penitenciário gaúcho vive uma "situação de calamidade e fica entregue ao controle de facções".
O cenário, segundo o professor, facilita a cooptação de integrantes para o crime organizado. 
"O número de homicídios está muito ligado a essa disputa de territórios por facções e a forma como o sistema de segurança pública lida com isso não produz resultado nenhum na melhoria da situação", afirmou.

sábado, 16 de junho de 2018

Atlas da Violência: saiba quais são as cidades com maior número de homicídios no RS

Levantamento realizado em 309 cidades brasileiras mostra dois municípios do Estado entre os 30 mais violentos do país

Dezenove municípios gaúchos estão entre os mais violentos do país, de acordo com o Atlas da Violência, divulgado na manhã desta sexta-feira (15). O levantamento, realizado pelo  Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, utiliza dados de 2016 e faz um levantamento das 309 cidades brasileiras com mais de 100 mil habitantes.
Duas cidades do Rio Grande do Sul estão entre as 30 mais violentas país: Viamão, com taxa de 77,1  de homicídios ou mortes violentas com causa indeterminada (MVCI) a cada 100 mil habitantes, ocupa a 21ª posição no ranking nacional e é a mais violenta do Rio grande do Sul. O segundo colocado, entre os municípios gaúchos, é Alvorada, com 71,8 mortes violentas. Porto Alegre figura  na terceira posição do ranking estadual, tendo registrado 58,1 mortes a cada 100 mil habitantes no ano de referência.

Confira o ranking completo de municípios gaúchos:

21º  Viamão
77,1  casos para cada 100 mil habitantes
30º  Alvorada
71,8 casos para cada 100 mil habitantes
66º  Porto Alegre
58,1 casos para cada 100 mil habitantes
98º Sapucaia do Sul
50,4 casos para cada 100 mil habitantes
108º  Canoas
47,9 casos para cada 100 mil habitantes
124º  Gravataí
42,0 casos para cada 100 mil habitantes
135º  Cachoeirinha
39,5 casos para cada 100 mil habitantes
142º  São Leopoldo
37,4 casos para cada 100 mil habitantes
149º  Santa Cruz do Sul
36,3 casos para cada 100 mil habitantes
151º Caxias do Sul
35,5 casos para cada 100 mil habitantes
166º Passo Fundo
30,8  casos para cada 100 mil habitantes
168º Bento Gonçalves
29,8 casos para cada 100 mil habitantes
181º Pelotas
26,8 casos para cada 100 mil habitantes
187º Novo Hamburgo
25,7 casos para cada 100 mil habitantes
188º Santa Maria
25,6 casos para cada 100 mil habitantes
191º  Erechim
25,3 casos para cada 100 mil habitantes
215º Rio Grande
21,6 casos para cada 100 mil habitantes
230º Uruguaiana
19,3 casos para cada 100 mil habitantes
263º Bagé
3,9 casos para cada 100 mil habitantes

terça-feira, 31 de outubro de 2017

RS é o segundo Estado no país com mais chacinas

Dados do anuário da Segurança Pública revelam ainda que, a cada hora, sete pessoas são assassinadas no Brasil

O Rio Grande do Sul é o segundo Estado do país com maior número de chacinas. Em 2016, foram 26 homicídios com três ou mais vítimas, deixando 90 mortos no Estado - no ano anterior, foram registradas 15 chacinas, com 50 mortos. Conforme o levantamento do 11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, somente o Rio de Janeiro, com 136 vítimas em 41 chacinas, está à frente na estatística que escancara o clima de guerra entre facções criminosas rivais. No ano passado, o RS ultrapassou São Paulo nesse levantamento. Lá, houve metade das vítimas nesse tipo de homicídio.
O anuário foi apresentado na manhã de ontem pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com a constatação de que o Brasil chegou, em 2016, a um recorde de mortes violentas intencionais. Foram 61.619 casos. Em média, sete pessoas são assassinadas por hora no país.
"É a demonstração de que já atingimos um estágio acima da disputa territorial e comercial entre grupos de traficantes. Os homicídios não se limitam mais a um rival atacando o outro com um alvo determinado. São, em boa parte dos casos, criminosos levados de outra região, sem qualquer vínculo com o local que é alvo, muito bem armados e inconsequentes. Então, até existe um alvo, mas quem estiver junto é encarado por eles, naturalmente, como também vítima em potencial" - explica o diretor de investigações do Departamento de Homicídios de Porto Alegre, delegado Gabriel Bicca.
Segundo o policial, a intenção na maior parte das vezes é a demonstração do poder de fogo de um grupo sobre outro. A tomada de pontos de tráfico virou objetivo secundário.
"Se formos analisar o público consumidor de drogas em um bairro como a Restinga, por exemplo, não haveria motivo para um grupo tentar tomar o ponto do outro. Cada boca tem sua lucratividade. Mas a questão não parece ser mais comercial" - preocupa-se o delegado.
Conforme o levantamento da editoria de Segurança dos jornais Zero Hora e Diário Gaúcho, a Região Metropolitana concentra a maior parte dos casos de chacinas. Foram pelo menos 49 vítimas em 15 ataques. Foi assim na noite de 6 de junho do ano passado, no bairro Cidade Verde, em Eldorado do Sul.
Cinco homens foram mortos e um ficou ferido em um ataque a tiros que teve início na esquina de um bar. Segundo a polícia, o local funcionava como ponto de tráfico, mas os homens mortos, incluindo um adolescente, não seriam os alvos dos atiradores. Estes teriam sido levados até lá por um comparsa, no que é conhecido como um bonde.

Autores de mortes foram denunciados

Quatro homens foram denunciados pelo Ministério Público como autores da chacina. Todos eram integrantes de uma facção, e moradores da zona norte de Porto Alegre.
O crime foi gravado em áudio por eles. E demonstra característica comum às últimas chacinas no Estado. Ao retornarem ao carro para fugir do local, um dos criminosos questiona se as vítimas eram mesmo os alvos. Outro responde:
"Se não era, azar."
Segundo a delegada Patrícia Sanchotene, num primeiro momento, a motivação deles era a vingança pela morte do irmão de um dos réus.
"Acabou se tornando uma questão de demonstração de poder da facção mesmo. Queriam mostrar que são melhores armados e não poderiam ser desafiados" - avalia a responsável pela investigação.
Para o sociólogo Rodrigo de Azevedo, que integra o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o dado das chacinas não chega a surpreender.
"Reflete bem o ambiente de guerra entre grupos rivais. O mercado da droga aumenta o seu poder com armamentos, diante da falência do Estado. O anuário é um retrato do desastre anunciado" - critica.
Outros crimes graves e que apresentam dados alarmantes no Estado (veja dados abaixo nessas páginas) também foram divulgados: homicídios, latrocínios, feminicídios, mortos pela polícia e roubos de veículos.
EDUARDO TORRES e LETICIA MENDES/ZH

Violência está alta. O que está fazendo o SSP

Homicídios têm alta

O anuário aponta o Rio Grande do Sul como o sétimo em números absolutos de homicídios, com 3.260 casos em 2016 - o que representa alta de 8,9% em relação a 2015. Porto Alegre, com 908 casos, tem o terceiro maior volume entre as capitais, atrás somente do Rio de Janeiro e de Fortaleza. A metrópole gaúcha teve crescimento de 21,7% de homicídios.
"Temos realidade de encarceramento em massa de pequenos traficantes. Até acontecem prisões de líderes, mas faltam políticas prisionais adequadas, ações preventivas para cortar o ciclo das facções criminosas nas ruas, e não há um planejamento para o desarmamento" - avalia Rodrigo Azevedo.
Para o delegado Gabriel Bicca, a discussão que precisa ser feita para reverter a alta de assassinatos também passa pelo encarceramento correto.
"Não se pode mais admitir que um preso por furto caia em uma rede de controle e dependência da qual não tem como escapar dentro da prisão. E ali, fortaleça um sistema de poder do crime" - afirma o policial, um dos responsáveis pela apuração de homicídios.
Pelo levantamento parcial do Departamento de Homicídios de Porto Alegre, ao menos as mortes estabilizaram em 2017. Há uma queda em torno de 7% em relação aos índices de 2016.

terça-feira, 15 de agosto de 2017

Mais esse governicho: "com crise e homicídios, qualidade de vida no RS cai"

Estado teve segundo ano consecutivo de queda no Índice de Desenvolvimento Estadual

Atingido pela crise na economia e com homicídios crescendo, o Estado teve o segundo ano consecutivo de queda na qualidade de vida da população, destoando da média nacional, que segue avançando. As conclusões fazem parte da quarta edição do Índice de Desenvolvimento Estadual — Rio Grande do Sul (iRS).
O indicador, elaborado com dados de 2015, mostra que os gaúchos permaneceram em quarto lugar no ranking geral, mas aumentou a distância em relação a Santa Catarina, na terceira colocação, enquanto o Paraná, na quinta posição, se aproxima.Uma novidade deste ano é o aperfeiçoamento metodológico na dimensão da educação. Além de levar em conta o desempenho nas séries iniciais, avaliado pela Prova Brasil, e o grau de distorção entre a idade ideal e a efetiva no Ensino Médio, foi agregada a análise da taxa de matrícula, também no Ensino Médio. Com isso, toda a série histórica foi revisada.
A intenção foi robustecer o indicador com a inclusão de dado que retrata um problema central da educação atual, o atendimento aos jovens pelo Ensino Médio. O ajuste não alterou as colocações do Estado no índice geral do iRS nos anos anteriores. Outra inovação diz respeito ao formato de discussão das conclusões. Nos anos anteriores, eram promovidos debates separados sobre cada uma das dimensões, para estimular a troca de ideias e tentar encontrar soluções em cada área.
Agora, será realizado em 22 de agosto, na PUCRS, um fórum único para discutir os resultados do iRS e as perspectivas para o Estado. O evento será aberto ao público. À frente da equipe que elabora o iRS, o coordenador do curso de Economia da Escola de Negócios da PUCRS, Ely José de Mattos, avalia que a iniciativa está cumprindo o seu papel:
"O iRS completa quatro de anos de contribuição ao debate sobre desenvolvimento no Estado. Como ressaltamos desde a primeira edição, a ideia desse projeto é provocar o debate e não encerrá-lo, pois não existe consenso. O que buscamos é incentivar a sociedade para discutir, para que seja protagonista diante dos desafios que temos pela frente" — afirma Mattos.
Em 2015, último ano em que todos os dados analisados estão disponíveis, o Rio Grande do Sul permaneceu entre as cinco unidades da federação com melhores indicadores, mas o índice final, de 0,646, teve o segundo recuo consecutivo e, desta vez, mais significativo, de duas casas depois da vírgula – o que é significativo em um índice que varia entre zero e um. Enquanto isso, a média nacional, mesmo abaixo do índice gaúcho, seguiu avançando.
Mesmo assim, o Estado manteve as posições nas dimensões avaliadas: quinto em padrão de vida, terceiro em longevidade e segurança e, no quesito onde o Estado tem a pior posição relativa, educação permaneceu na oitava posição, fora do pelotão de elite.Na dimensão padrão de vida, o Rio Grande do Sul teve queda. Vale lembrar que foi o ano em que o Brasil entrou oficialmente em recessão e o recuo também foi observado nas demais unidades da federação. Em educação o avanço foi tímido, também em linha com o país. Com isso, uma das principais influências veio da dimensão que avalia longevidade e segurança. O Estado até melhorou, mas foi um avanço inferior na comparação com a média nacional e os principais pares. 
Pelo lado positivo, o Rio Grande do Sul teve melhora na expectativa de vida e redução nas mortes por acidentes de trânsito. Pesou contra, porém, a piora, também pelo segundo ano seguido, da variável de homicídios, na contramão da média nacional e da maior parte das unidades da federação. No ranking geral da qualidade de vida, uma novidade em 2015: o Distrito Federal assumiu a ponta no país. Tirou a liderança que São Paulo tinha desde o início da série.

Por que os dados são de 2015?
 
O iRS avança até o ano dos dados mais recentes disponíveis para todas as variáveis. O atraso das estatísticas é um problema comum em função do tempo de coleta, processamento e divulgação das informações. O iRS busca utilizar as alternativas mais rápidas para reduzir ao máximo este tempo.

segunda-feira, 3 de abril de 2017

Porto Alegre é listada entre as cidades mais violentas do mundo

Brasil ocupa a quarta colocação no ranking de homicídios por 100 mil habitantes. Antes vêm, Honduras, México e El Salvador

Foto: The Economist / Reprodução                                     
Porto Alegre figura entre as 50 cidades com maior número de homicídios do mundo em 2016, segundo dados do Instituto Igarapé revelados no último dia de março pela revista britânica The Economist. A pesquisa leva em conta apenas municípios com população superior a 250 mil habitantes e exclui zonas de guerra, onde os números são difíceis de verificar.
Conforme o estudo, a capital gaúcha tem mais de 40 homicídios por ano para cada 100 mil habitantes. O artigo ainda destaca que a taxa de homicídios em Viamão, na Região Metropolitana, cresceu 20% em um ano. Aliás, a zona central da lista é dominada pelo Brasil: segundo maior consumidor de cocaína do mundo é o lar de metade de todas as cidades do ranking. O país, de forma geral, ocupa a quarta colocação no ranking de homicídios por 100 mil habitantes. Antes vêm, Honduras, México e El Salvador.
Conforme a reportagem, a explicação é que a cocaína é cultivada principalmente na América do Sul e traficada para o maior mercado do mundo, os Estados Unidos, através da América Central e do Caribe. As rotas terrestres originam-se principalmente na Colômbia e passam por El Salvador, Honduras e Guatemala antes de atravessar o México. Por esse motivo, a América Latina continua sendo a região mais violenta do mundo, segundo o jornal.

Por ZH

quinta-feira, 9 de março de 2017

Secretário da SSP não sabe como diminuir a violência

Nova gestão não diminui violência

Homicídios e assaltos com morte aumentaram na gestão do secretário. Roubo de carro diminuiu

Uma semana com três vítimas de latrocínio e outras duas feridas a tiros em assaltos, na Região Metropolitana, fechou os primeiros seis meses de Cezar Schirmer na Secretaria Estadual da Segurança Pública (SSP). Desde que assumiu a pasta, 36 pessoas perderam a vida durante assaltos nas 19 cidades monitoradas pela editoria de Segurança dos jornais Zero Hora e Diário Gaúcho. Entre 8 de setembro de 2015 a 8 de março de 2016, haviam sido 32 casos, na gestão de Wantuir Jacini. O aumento foi de 12%. O meio ano, completado ontem, também foi marcado por homicídios. Houve aumento de 10% no período de 8 de setembro de 2016 e 8 de março de 2017, comparado ao mesmo período entre 2015 e 2016. Os números foram de 773 para 849.

Em meio à onda de violência, uma crise se instalou no sistema carcerário. No primeiro mês, presos começaram a transbordar das celas de delegacias e a ocupar viaturas que deveriam estar fazendo policiamento. Entre os pontos positivos da gestão do atual secretário, destaca-se a queda de 17,86% no número de roubos de veículos, registrada no segundo semestre do ano passado, se comparado ao mesmo período de 2015 (de 10.222 casos para 8.396).

Um alento para a população ocorreu ontem. Com atraso de 22 dias, chegou o esperado reforço da Força Nacional para o policiamento ostensivo – quando o Plano Nacional de Segurança foi lançado em Porto Alegre, a previsão era 15 de fevereiro. São mais 102 agentes, somando total de 200. Eles devem trabalhar com 400 brigadianos em regime de hora extra e terão a difícil missão de baixar os índices de assassinatos no Estado.

A redução do número de latrocínios foi um dos desafios assumidos por Schirmer em sua posse, em 8 de setembro. À época, a média deste tipo de crime era de uma ocorrência a cada sete dias na Região Metropolitana e uma a cada 10 dias na Capital. Um dos casos causou a queda do secretário anterior, Wantuir Jacini – em 25 de agosto, quando a representante comercial Cristine Fonseca Fagundes, 44 anos, foi morta com um tiro na cabeça enquanto esperava o filho sair do colégio, no bairro Higienópolis, na zona norte de Porto Alegre. Jacini pediu exoneração horas depois. A população exigia um basta. Aquele era o 25º latrocínio do ano em Porto Alegre. A expectativa era de que o governador anunciasse um especialista na área para dirigir a pasta, mas José Ivo Sartori optou por um político.

Em relação aos latrocínios, a situação manteve- se inalterada. Nem mesmo o reforço de 136 agentes da Força Nacional no policiamento, a partir de setembro, baixou as estatísticas. Na virada do ano, a redução de alguns indicadores criminais chegou a ser comemorada pelo Piratini.

Rotina de chacinas e execuções foi mantida na Região Metropolitana

Em janeiro, no entanto, houve aumento de homicídios. Na Capital e na Região Metropolitana, 200 pessoas foram assassinadas no primeiro mês de 2017 – o maior número desde 2011. A rotina de chacinas, execuções, decapitações e esquartejamentos foi mantida.

Outro problema não resolvido foi o sistema carcerário. A Cadeia Pública (também conhecida como Presídio Central) permanece superlotada e sob o comando de facções. Sem vagas em presídios, detentos foram mantidos em delegacias, que também ficaram superlotadas, e até em viaturas.

O fato positivo em meio ao caos prisional foi uma investigação da Polícia Civil que descobriu um túnel que possibilitaria a fuga de centenas de presos do Presídio Central. Recentemente, o secretário voltou a prometer a abertura de 2,4 mil vagas na Penitenciária de Canoas para a metade do ano, e a construção de um presídio federal, que ainda não tem prazo definido.

Em entrevista, o secretário disse que o Plano Nacional de Segurança está “demorado” e prometeu anunciar um plano de ação estadual na próxima semana.


RENATO DORNELLES/ZH

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

O Estado é um governicho e o secretário da SSP é omisso

A Capital onde a morte virou rotina

778 VIDAS PERDIDAS em homicídios e latrocínios é o saldo de 2016 em Porto Alegre, o que representa alta de 88,4% em relação ao registrado cinco anos atrás. Também nunca se matou tanto na Região Metropolitana, que somou ao menos 1.667 casos no ano passado

A cada cinco horas e 12 minutos a Região Metropolitana teve um morador vítima de homicídio ou latrocínio em 2016. Quase metade dessa frequência é resultado da explosão da violência vivida em Porto Alegre no último ano. Só na Capital, pelo menos 778 pessoas perderam a vida em razão desses dois tipos de crime, volume 27,7% superior ao observado em 2015. Se comparado a 2011, quando teve início o levantamento realizado pela Editoria de Segurança do Grupo RBS e o número era de 413 mortes, o aumento de 88,4% comprova que 2016 foi o mais violento do período. Foram ao menos 1.667 pessoas executadas nos últimos 12 meses entre os 19 municípios analisados na região. Uma alta de 8,3% em relação ao período anterior.

Enquanto autoridades tentam encontrar estratégia capaz de frear a criminalidade, a cidade, como admite o diretor do Departamento de Homicídios de Porto Alegre, delegado Paulo Grillo, foi transformada em campo de guerra pelas facções criminosas.

"São grupos que ganharam muito poderio bélico nos últimos anos e fortaleceram suas redes de comando a partir do descontrole das cadeias. Nas ruas, eles vivem em desacerto com seus rivais, mas não mais limitados aos territórios onde o tráfico de drogas é mais evidente. E isso nos preocupa muito" – afirma o delegado.

Um terço das vítimas na região não tinha antecedentes criminais

O departamento conhece bem a dinâmica desses grupos. Levantamento do Grupo RBS mostrou, em 2016, que ao menos 32 bairros da Capital vivem sob influência das facções. Em janeiro passado, explodiu a tensão entre os grupos, com a formação de uma frente de quadrilhas contra um bando que tem berço no bairro Bom Jesus. A disputa se espalhou por Porto Alegre e transbordou os limites do município. Crimes investigados em Alvorada, Viamão, Canoas e Eldorado do Sul, por exemplo, refletem exatamente essa rivalidade criminosa.

Mas mesmo tendo sua forma de agir conhecida, os bandos não encontram obstáculos para ataques e revides. Foi assim entre a noite de 25 de dezembro, um domingo, e a madrugada seguinte. Primeiro, um homem foi executado a tiros na Vila Jardim, zona norte de Porto Alegre. Na fuga, os executores depararam por acaso com uma viatura da Brigada Militar (BM) que passava pela Avenida Protásio Alves. Houve confronto e um dos suspeitos acabou preso com uma metralhadora.

Na Polícia Civil, já constavam os históricos dele e da vítima. A probabilidade de uma resposta do grupo rival era esperada. Ainda assim, as viaturas da BM deixaram a região. E o revide aconteceu sem impedimentos. Três homens foram mortos em sequência por criminosos em um carro que invadiu o bairro Bom Jesus. Ninguém foi preso.
"Se colocássemos uma viatura entre os dois bairros, não inibiria estes crimes que se seguiram. Quando eles não atacam ali, atacam em outros lugares" – avalia o comandante do policiamento da Capital, coronel Mario Ikeda. 
Enquanto pelo menos 58% dos assassinatos em toda a Região Metropolitana em 2016 tinham relação com o tráfico de drogas, em Porto Alegre, este índice sobe para 66%. Quase um terço das vítimas não tinham antecedentes criminais.

Plano Nacional de Segurança quer 7,5% menos assassinatos em 2017

Em outra ocasião, quando houve troca de informações entre o Departamento de Homicídios e o serviço de inteligência da BM, uma possível nova tragédia foi evitada. Brigadianos entraram em confronto com um grupo fortemente armado que invadiu o Beco do Adelar, no bairro Aberta dos Morros, zona sul da Capital, em outubro – 10 foram presos e um morto. Dias antes, o mesmo bando havia matado um empresário, em um ataque ao alvo errado, no estacionamento de um supermercado no bairro Cavalhada.
"A troca de informações eficiente carece de um relacionamento pessoal entre os agentes que atuam diretamente no combate aos homicídios e o tráfico. É um desafio para nós em 2017" – diz o coronel Ikeda.
Mais do que mudanças na forma de atuação, os policiais vivem em compasso de espera por possíveis investimentos no combate a homicídios pelo Plano Nacional de Segurança, anunciado semana passada pelo governo federal. A iniciativa tem como meta reduzir este ano em pelo menos 7,5% os homicídios em Porto Alegre.

Em setembro, homens do policiamento ostensivo da Força Nacional da Segurança chegaram à Capital, mas não foi o bastante para frear os homicídios. Em dezembro, equipe de 25 agentes e um delegado chegou para reforçar a elucidação das mortes.
"Tudo o que vier para dar mais fôlego para a investigação, é fundamental. Estamos conseguindo manter média superior a 70% de resolução dos crimes, mas o volume de homicídios assusta e exige mesmo mais investimento" – diz o delegado Paulo Grillo.
A perspectiva é de que esses agentes fiquem na cidade por três meses. Eles reforçam quatro das seis delegacias especializadas. No final de fevereiro, será formada a nova turma de agentes da Polícia Civil. A perspectiva é de que o Departamento de Homicídios receba 30 novos agentes.

EDUARDO TORRES/ZH

terça-feira, 26 de julho de 2016

Em 16 anos, RS registra mais de 67 mil fugas do regime semiaberto

27% dos presos pela Delegacia de Capturas são apenados do semiaberto

De terça a domingo, entre 15h e 22h, um apenado de 21 anos deixa o Patronato Lima Drummond na zona sul de Porto Alegre e cruza a cidade em dois ônibus para trabalhar no outro extremo da Capital. Condenado pela primeira vez a cinco anos e quatro meses por roubo de um HB20, em agosto de 2014, quando tinha 18 anos, o rapaz recebeu o benefício do trabalho externo como forma de recuperá-lo para o convívio em sociedade, com aval da Justiça.
Detalhe é que o serviço é na lanchonete da mãe, no bairro Rubem Berta, na Zona Norte. E mais: nem sempre ele está no balcão. Durante quatro dias, a reportagem da RBS TV acompanhou os passos do apenado.
Na tarde de 28 de junho, desembarcou no Rubem Berta, serpenteou por blocos de apartamentos e sumiu. Não passou nem perto da lanchonete, que ficou fechada por mais duas horas. No meio da tarde seguinte, o estabelecimento também não abriu.
Na noite de 30 de junho, tudo parecia normal. A lanchonete atendia clientes, mas nem sinal do rapaz. A reportagem telefonou para o local e perguntou por ele. Avisado por uma atendente, o detento apareceu em menos de 15 minutos. Em 5 de julho, nova visita ao bar. Desta vez, com câmera escondida, constatou a ausência do apenado na lanchonete. Foram quase duas horas de espera em vão.
Com direito de sair para trabalhar desde novembro, é difícil saber desde quando ele se afasta do serviço e o que faz longe da lanchonete. Conforme a Justiça, caberia à Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) fiscalizar atividades externas de apenados, mas, ao que parece, isso não acontece. Até então, o detento nunca havia sido punido por driblar a regra.
Esse caso é apenas um entre incontáveis exemplos do fracasso do semiaberto. Fonte inesgotável de insegurança pública, é responsável por lançar às ruas criminosos de alta periculosidade, como autores de latrocínio, roubos à mão armada e assassinatos.
O descontrole nos albergues facilitou, nos últimos 16 anos, 67,1 mil fugas, segundo dados da Polícia Civil. Das prisões realizadas pela Delegacia de Capturas, 27% são apenados do semiaberto, sendo que um terço deles é flagrado cometendo novo crime. Em 2014, após fugir duas vezes do semiaberto, um assaltante matou um soldado da Brigada Militar ao tentar roubar um supermercado, na zona norte da Capital.
A ousadia é tamanha que outro ladrão, com seis fugas no currículo, assaltou o posto do Banrisul na Secretaria da Segurança Pública, em 2015.
Atualmente nem é preciso fugir para ficar nas ruas. A escassez de espaços nas cadeias transformou apenados do semiaberto em "presos" domiciliares. Cerca de 3,7 mil estão em casa e, sem fiscalização, seguem cometendo crimes. Um deles ordenou o roubo de um carro.
A vítima, um professor de música, sem perceber a aproximação do ladrão, fez um movimento brusco e foi executada com um tiro na cabeça. Outro bandido, livre por falta de vagas nos albergues, estuprou três mulheres em Gravataí.
Há três anos, o governo do Estado adotou o monitoramento eletrônico a distância como alternativa aos albergues. Desistiu de construir cadeias para o semiaberto, priorizando as tornozeleiras. Mas o investimento, até agora, tem sido incapaz de estancar os problemas.
O sistema, além de fomentar polêmicas jurídicas, é inconfiável. Os apenados aprenderam a ludibriar o sinal da tornozeleira e fugir do radar da Susepe por algum tempo. Também é comum o rompimento do equipamento, e o preso ficar à solta, apenas com o nome na lista de foragidos. 
É recapturado, em geral, cometendo outro crime, como ocorreu em Caxias do Sul, em 2013, com um dos criminosos que invadiram uma casa e mataram um universitário para roubar dois celulares e uma jaqueta.
Além de vidas, o descalabro do semiaberto gera prejuízos milionários. Desde 2012, o Estado está condenado a pagar multa por não abrir vagas nas cadeias, somando R$ 27 milhões, tem sido responsabilizado financeiramente por crimes cometidos por presos do semiaberto e até obrigado a indenizar criminosos que ficaram atrás das grades esperando vagas em albergues.
O fracasso do cumprimento progressivo de condenações em paralelo à escalada da violência fomenta clamor social incomum por mudanças na legislação, em especial, pelo fim do semiaberto e o endurecimento de penas. Atualmente, a crise prisional no Rio Grande do Sul permite que 5,3 mil condenados estejam nas ruas, podendo aumentar para 9,4 mil com aval do Supremo Tribunal Federal, que recentemente autorizou mandar para casa presos do semiaberto se faltar espaço em albergues.
Reportagem conjunta de Diário Gaúcho, Rádio Gaúcha, RBS TV e Zero Hora apresentará a derrocada do regime que, para muitos agentes da segurança pública, é chamado ironicamente de "sempre aberto".  
Contrapontos
O que diz a Vara de Execuções Criminais da Capital

No caso específico, restou comprovado, pela documentação, que o local teria sido colocado pela família para os filhos trabalharem. E, de uma maneira geral, poucos empregadores se comprometem em avisar se o preso comete alguma falta. É inadmissível que o preso não tenha sido localizado no trabalho. O Judiciário não tem como controlar, e não faz parte de suas obrigações. A responsabilidade é da Susepe. Sempre que houver uma informação neste sentido (não estar trabalhando) haverá apuração. Neste caso, não há qualquer informação.

O que diz a Susepe
Cada autorização (para trabalho externo) tem as suas especificações, seria necessário ver os termos da autorização judicial. A fiscalização não é atribuição exclusiva da Susepe. Na Região Metropolitana, por exemplo, no município de Novo Hamburgo a fiscalização é compartilhada entre a Brigada Militar, Susepe, Guarda Municipal e Polícia Civil. Tal objetivo é de integrar todos os órgãos de segurança na inspeção dos locais de trabalho dos apenados.

 

sábado, 21 de maio de 2016

Pelo menos 1 milhão de brasileiros passaram por presídios em 2014

Dado inédito foi divulgado nesta terça, com números de todo o país.
Brasil tinha 622,2 mil presos em 2014; número cresce 7% ao ano.

Mateus Rodrigues
Do G1 DF
Penitenciária Barreto Campelo - Arquidiocese de Recife e Olinda (Foto: Renata Gabriele)
Imagem de arquivo mostra superlotação na Penitenciária Barreto Campelo, em Pernambuco (Foto: Renata Gabriele/G1)
Levantamento divulgado pelo Departamento Penitenciário Nacional nesta terça-feira (26) mostra que pelo menos 1 milhão de brasileiros passaram por presídios e penitenciárias do país ao longo de 2014. O dado inédito inclui prisões provisórias e preventivas, além do cumprimento de penas decretadas pela Justiça. Em dezembro de 2014, a população carcerária do país era de 622.202 pessoas.
O número coloca o Brasil na quarta posição do ranking absoluto de encarceramento, atrás apenas de Estados Unidos (2,21 milhões), China (1,65 milhão) e Rússia (644,2 mil). Como os outros países estão reduzindo as taxas de prisão, segundo o relatório, é possível que o Brasil assuma a terceira posição no ranking já com os dados de 2015. O contingente de presos no país cresce cerca de 7% ao ano.
Em números relativos, o Brasil atingiu 306,2 detentos para cada 100 mil habitantes e ficou na sexta posição mundial, atrás de Ruanda, Rússia, Tailândia, Cuba e Estados Unidos. O dado é 112% superior à média mundial de aprisionamento, medida pelo Centro Internacional de Estudos Prisionais (ICPS) em 114 para 100 mil habitantes.
"É possível que hoje já tenhamos ultrapassado a Rússia. A gente tem falado muito que, nesses países acima do Brasil, existem tendências muito claras de decréscimo. O Brasil é um dos poucos países, nesse grupo de países que mais prendem, que têm crescimento significativo. Dos 50 estados norte-americanos, 37 têm visto decréscimo. É uma política de democratas e republicanos por lá", diz o diretor-geral do Depen, Renato De Vitto.
575% foi o crescimento da população carcerária do Brasil entre 1990 e 2014
 
Crescimento
 
O relatório nacional é divulgado a cada seis meses. Entre junho e dezembro de 2014, o Brasil acumulou saldo positivo de 14.471 novos presos. Em 12 meses, o crescimento foi de 40.695 pessoas, ou 7% em relação a 2013.
Entre 1990 e 2014, a população carcerária do país cresceu 575%, segundo os dados do Ministério da Justiça. Apenas nos últimos dez anos, a taxa relativa passou de 135 para 306,2 detentos para cada 100 mil habitantes.

Como os dados foram fechados em 2014, os números não refletem possíveis mudanças causadas pelo rito das audiências de custódia, implementadas gradativamente desde o primeiro semestre de 2015 em todo o país. Elas são feitas em até 24 horas após o flagrante, em média, e aumentam o número de acusados de crimes que respondem ao processo em liberdade.

Panorama
 
O levantamento do órgão vinculado ao Ministério da Justiça também mostra que, na média nacional, existem 167 presos para cada 100 vagas disponíveis. A superlotação é vista em todas as 27 unidades da Federação, com taxas de ocupação entre 123% (a menor, no Espírito Santo) e 292% (a maior, em Rondônia). Para dar leito a todos que estavam presos em dezembro de 2014, seriam necessárias 250.318 vagas adicionais em penitenciárias.
O número de "excedentes" é praticamente igual ao número de presos provisórios e preventivos, que ainda não foram condenados em nenhuma instância judicial. Em 2014, 249.688 pessoas estavam nessa situação e aguardavam julgamento atrás das grades. O número corresponde a 40% de toda a população carcerária maior de idade.

Embora a gente tenha visto um aumento de vagas a partir de 2013, a capacidade não tem sido e não será suficiente se a gente não tomar outras medidas para controle da população carcerária brasileira. Mesmo em países encarceradores, o problema da superlotação é tratado de forma diferente. Na Califórnia, quando viram que a população superava em 30% as vagas, o tribunal californiano resolveu soltar 40 mil dizendo que o estado não poderia compactuar com a violação destes direitos.
 
Renato de Vitto, diretor-geral do Departamento Penitenciário Nacional
"Embora a gente tenha visto um aumento de vagas a partir de 2013, a capacidade não tem sido e não será suficiente se a gente não tomar outras medidas para controle da população carcerária brasileira. Mesmo em países encarceradores, o problema da superlotação é tratado de forma diferente. Na Califórnia, quando viram que a população superava em 30% as vagas, o tribunal californiano resolveu soltar 40 mil dizendo que o estado não poderia compactuar com a violação destes direitos", diz o diretor do Depen.
Do total de presos em dezembro de 2014, 55% eram jovens de 18 a 29 anos, 62% eram pretos ou pardos, 49% tinham ensino fundamental incompleto. Apenas 1 em cada 10 presos chegou a concluir o ensino médio. Durante o ano de 2014, 1.517 pessoas morreram nas unidades prisionais.
As penitenciárias femininas reuniam 33.793 mulheres encarceradas, naquele ano. Segundo De Vitto, a escalada e as condições do aprisionamento feminino precisam "ser encaradas com atenção". "Uma questão que está na base é: quais são os efeitos de tirar a mulher do seio da família e colocar no cárcere? Boa parte tem filhos e cometem crimes vinculados à subsistência, quase famélicos. Qual o efeito? Há uma diferença substantiva, porque o papel da mãe como provedora ainda é uma questão no nosso tecido social", diz.
Reforma no sistema
 
Os relatórios elaborados pelo Depen e pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontam para a necessidade de uma série de reformas no sistema penitenciário, segundo o diretor. Um estudo feito pelo departamento com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2015 mostrou que 37% dos presos provisórios são soltos imediatamente após a condenação, porque recebem penas mais brandas que o cárcere. "A medida preventiva é mais grave que a pena, isso indica um problema", diz.
O levantamento divulgado nesta terça também mediu os riscos que incidem sobre a população carcerária. Os números mostram que o detento tem três vezes mais chance de morrer por violência, quatro vezes mais chance de ser infectado pelo vírus HIV e 28 vezes mais probabilidade de contrair tuberculose que um cidadão comum. Os números são ainda piores para jovens negros, na comparação com outros grupos raciais.
"O dado de tuberculose é um exemplo claro, fruto da falta de condições mínimas de ventilação, de higiene, de saneamento. O único grupo com risco maior que o encarcerado é a população de rua. Parece que a gente está provendo, pelo menos neste caso, condições semelhantes às de um morador de rua, é preocupante", afirma.
Os dados relacionados à ressocialização também preocupam. O governo não tem um acompanhamento sistemático do número de reincidentes mas, em 2014, apenas 13% dos presos estudavam e 20% trabalhavam de alguma forma, em qualquer tipo de regime. "Isso indica que, em algum sentido, o Estado brasileiro abre mão de qualquer intervenção positiva na trajetória desses 622 mil presos. Isso deve ser pensado, se não por uma questão humanística, por uma questão prática de que essas pessoas vão reincidir."
Estamos conseguindo prender os autores de homicídios e crimes sexuais? Várias pessoas estão presas por crimes sem violência e ameaça, sem envolvimento com organização criminosa, réus primários. Temos que depurar essa forma de entrada, e a audiência de custódia está fazendo isso de uma forma fantástica. Eu espero e acredito na sociedade brasileira que essas soluções de lapela, como reduzir maioridade e sair prendendo, são ultrapassadas. Alguém se sente mais seguro hoje do que em 1990, enquanto a população carcerária dobrou?
 
Renato de Vitto, diretor-geral do Departamento Penitenciário Nacional
 
Entre os presos que trabalham, 38% não recebem nenhum centavo pela ocupação e outros 37% recebem valor inferior a três quartos do salário mínimo, valor estabelecido como mínimo pela Lei de Execução Penal em adição à remissão de pena. "O preso não é vagabundo que não quer trabalhar, que quer viver às custas do Estado. O Estado, em muitos casos, é que está ganhando às custas desse trabalho", declara De Vitto.
O gestor diz que o discurso promovido pelo Depen não é para "soltar todo mundo", mas para dar "maior inteligência" ao sistema. Na tarde desta terça, o Ministério da Justiça e o CNJ devem anunciar dois sistemas eletrônicos que pretendem reduzir a demora de sistematização dos dados, que hoje chega a 16 meses, e permitir a criação de um cadastro nacional de presos, para facilitar a formulação de políticas públicas e evitar violação de direitos.
"Estamos conseguindo prender os autores de homicídios e crimes sexuais? Várias pessoas estão presas por crimes sem violência e ameaça, sem envolvimento com organização criminosa, réus primários. Temos que depurar essa forma de entrada, e a audiência de custódia está fazendo isso de uma forma fantástica. Eu espero e acredito na sociedade brasileira que essas soluções de lapela, como reduzir maioridade e sair prendendo, são ultrapassadas. Alguém se sente mais seguro hoje do que em 1990, quando a população carcerária dobrou?", diz.
Para isso, o Depen montou uma equipe de 18 consultores que vão elaborar diretrizes de gestão prisional, a "fórmula do bolo" para gerenciar cada presídio. Em 2015, o ministério diz ter investido R$ 51 milhões do Fundo Penitenciário em estímulos à criação de alternativas profissionais e educacionais para os presidiários. Segundo De Vitto, as leis para garantir a ressocialização dos detentos já foram criadas, mas ainda falta sensibilizar os gestores.
"A lei fala que o preso tem direito de frequentar até o ensino médio, ou trabalhar. Podemos dar vagas de trabalho a esses presos que ainda estão cumprindo pena, sem o pagamento de encargos sociais. Mais do que a lei, é preciso entender que investir aqui não é uma questão de privilegiar presos ou bandidos, mas investir em pessoas que podem não reincidir, reduzir o custo para o estado e para eventuais futuras vítimas."

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Crise na segurança. Mais um governicho do RS

A arqueologia da criminalidade

A violência que não escolhe vítimas se transforma ao longo das décadas no Rio Grande do Sul. Com o passar dos anos, delitos que eram raros tornaram-se comuns a quase todos os cidadãos


Há 30 anos, quando se falava em vilência, o que vinha à mente das pessoas era a figura do dragão da inflação que asfixiava a economia e engolia os salários. Grade nas portas e janelas era coisa de presídio. Tiroteio à luz do dia só se via no cinema. Nas ruas, o perigo eram os batedores de carteira e golpistas de boa lábia que aplicavam o conto do bilhete.

A criminalidade mais aguda se concentrava em assaltos a bancos, obrigando as agências a colocar segurança na porta. Mortes ocorriam na ponta da faca, provocadas por desavenças entre marido e mulher, amantes, irmãos, vizinhos e amigos de bar. O comércio de entorpecentes se alicerçava na maconha, e apreensão de qualquer quantia era notícia.
Se pegasse cem gramas ia para a capa dos jornais” – lembra o delegado Cléber Ferreira, 65 anos, diretor da Delegacia Regional da Polícia Civil em Porto Alegre.
O Tribunal condenava quem portava maconha se a pessoa não conseguisse provar que a droga era para consumo próprio” – recorda o advogado Décio Antônio Erpen, 79 anos, desembargador aposentado no Rio Grande do Sul.
No final de 1986, a descoberta de duas redes de traficantes no Estado com conexões em São Paulo e Mato Grosso do Sul para vender a universitários demonstrava a popularização da cocaína, até então consumida apenas pela classe A.

Uma década depois, nos anos 1990, criminosos fortaleceram o poder, articulados em facções. Rebeliões em presídios sacudiram o Estado, levando a Brigada Militar para dentro das cadeias na tentativa de aplacar motins e mortes, diminuindo seu efetivo nas ruas. Com táticas semelhantes a de bandidos cariocas, quadrilhas armadas com fuzis começaram a atacar carros-fortes nas estradas.

Nas cidades, ladrões invadiam bancos, ignorando a presença de vigilantes e câmeras. As agências foram obrigadas a instalar portas giratórias com detector de metais, e, como resposta, quadrilhas “importaram” outra modalidade do Rio de Janeiro, o sequestro relâmpago. Motoristas eram abordados e levados para retirar dinheiro em caixas eletrônicos.

A solução encontrada foi limitar valores de saques e horários das salas de autoatendimento. Quatro anos depois, assaltantes passaram a invadir casas de gerentes de banco e familiares transformados em reféns, até que facilitassem o ingresso e o roubo nas agências.

Em meio à escalada da violência, uma nova droga surgiu para dizimar famílias, provocar uma endemia social e dar fôlego à criminalidade: o crack. A pedra desembarcou na Serra, em 2004, impulsionou o comércio de entorpecentes em larga escala e o consolidou como carro-chefe da criminalidade. Traficantes disputavam a bala com rivais o domínio de bocas de fumo, mudando o perfil dos homicídios – à época, 47% dos assassinatos estavam relacionados a essas desavenças.

A Polícia Civil tentava, em vão, inibir a proliferação dos entorpecentes, até com blitze em parques e praças. A Secretaria da Segurança Pública se obrigou a criar um setor específico para combater as drogas, o Departamento Estadual de Combate ao Narcotráfico, enquanto traficantes gaúchos radicados no Paraguai intensificavam remessa de fuzis e cocaína para o Estado. Em troca, carros roubados no Brasil chegavam a Assunção para serem legalizados. Da frota paraguaia de 400 mil veículos, 180 mil eram de procedência duvidosa.

O final de semana de Ano-Novo de 2006 dava uma mostra da escalada da brutalidade. Foram 20 assassinatos, incluindo o de um estudante de 20 anos, em Santo Ângelo, nas Missões, morto por assaltantes que levaram o automóvel dele para cometer furtos. O caso apontava para dois novos vértices da insegurança.

O primeiro: o avanço da criminalidade em áreas rurais e pequenas comunidades do Interior, influenciado pela fragilidade de estrutura e de pessoal da Brigada Militar – há mais de uma década, o número de PMs despencava em queda livre, motivada, em parte, por plano de demissão voluntária.

O segundo: o crescimento desenfreado dos roubos de carros para desmanches e clonagem, fazendo vítimas até policiais, e com resultados trágicos, elevando os números dos latrocínios (roubo com morte).

O momento se mostrava especialmente delicado. O Supremo Tribunal Federal tornava menos rigorosa a punição para autores de crimes hediondos. Três anos antes, alteração na Lei de Execução Penal criou facilidades para condenados progrediram para o regime semiaberto. Enquanto criminosos dentro das cadeias extorquiam famílias com o golpe do falso sequestro, apenados fugiam em massa de albergues para cometer estupros em série e ataques a blindados na Serra.

A situação deixava autoridades gaúchas atônitas. Nos gabinetes da SSP, se admitia que não havia plano para conter os roubos de veículos. Nas ruas, a polícia corria atrás de ladrões de automóveis e tentava conter assaltos a carros-fortes, lideradas por José Carlos dos Santos, o Seco. Na tentativa de prendê-lo, considerado foragido número um, policiais civis mataram a tiros uma criança de três anos, em um camping no Litoral Norte. Seco foi capturado sete meses depois. Em novembro passado, a polícia deflagrou uma operação para tentar reduzir o poder do assaltante de dentro da cadeia (na foto, levado para depor na Capital).

Nos últimos 10 anos, a criminalidade ganhou fôlego por conta do colapso carcerário. A inércia do Estado em erguer unidades prisionais e investimentos equivocados no regime semiaberto geraram superlotação com consequências nefastas à segurança pública, e até motivo de vergonha mundial, por causa do Presídio Central de Porto Alegre. Com presos amontoados em pavilhões em ruínas, a cadeia é apontada como a pior do Brasil e, em 2013, se torna pivô de denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, organismo ligado à Organização dos Estados Americanos, em 2013.

Sem servidores suficientes e precários mecanismos de controle, as cadeias ganharam status de escritórios do crime organizado com centenas de apenados comandando de trás das grades, via celular, venda de drogas, roubos e assassinatos nas ruas. Oito em cada 10 homicídios em Porto Alegre eram provocados por guerras entre narcotraficantes.

O telefone virou o objeto de maior cobiça da bandidagem, tanto para trocar por drogas quanto para mandar para dentro das cadeias. Mesmo pedestres que evitam portar pertences valiosos como precaução contra assaltos, passaram a ser roubados por causa do celular, cujo valor em dinheiro as vítimas jamais levariam na carteira.

A falta de espaços e a insegurança em albergues levaram juízes a interditar esses estabelecimentos e a liberar milhares de homicidas, ladrões e traficantes para cumprir pena em casa.
Sem espaços nas cadeias, o juiz tem de fazer uma seleção dos mais perigosos que devem ficar na cadeia. Antigamente não tinha essa crise prisional. Por isso, não tinha o prende e solta” – analisa Erpen.
Em âmbito nacional, uma tentativa de reduzir a lotação nas cadeias veio com a Lei 12.403 em 2011 que criou nove medidas alternativa à prisão preventiva. Em paralelo a isso, quadrilhas intensificaram novas modalidades de ataques a bancos. Transformaram moradores de pequenas cidades em escudo humano para roubos em agências e, a partir de 2010, incrementaram furtos com maçarico e explosões com dinamite.

JOSÉ LUÍS COSTA/ZH

A escalada do crime ao longo de três décadas

1986

Homicídios passionais e brigas


– A violência se reproduz em homicídios passionais, motivada por desavença entre irmãos e amigos, em sua maioria com uso de facas.

– O crime mais chocante daquele ano ocorreu em fevereiro, em Xangri-lá, no Litoral Norte, quando o estudante Alex Thomas, 16 anos, foi assassinado a socos e pontapés por uma gangue de delinquentes juvenis de Porto Alegre.

– O risco de ser roubado é por batedores de carteira. A maconha é a droga mais consumida, mas surgem as primeiras apreensões de cocaína.

1996

Assaltos a banco e proliferação das drogas


– A partir de Caxias do Sul, o crack se espalha pelo Estado como a droga mais acessível e devastadora, empurrando usuários para o crime para sustentar o vício. Crescem as apreensões de cocaína, e a Polícia Civil cria um departamento especial para enfrentar o avanço da droga.

– Traficantes gaúchos fogem para o Paraguai, remetendo drogas para o Estado em troca de carros. A internet ajuda a Interpol a procurar foragidos, com nomes e fotos divulgados em site.

– Se intensificam assaltos a bancos. Agências contratam empresas de segurança para abrir e fechar instituições, adotam cofre com abertura em horário programado e instalam portas giratórias com detector de metais. Os bandidos reagem com sequestros relâmpagos de clientes e, depois, de gerentes e familiares

2006

Ataque a carros-fortes e roubos com morte


– Justiça flexibiliza regras, beneficiando condenados por crimes hediondos e a progressão de presos para o regime semiaberto.

– A violência se alastra pelo Interior, disseminando o terror em pequenas cidades. O Rio Grande do Sul é assolado por uma onda ataques a carros-fortes protagonizada pelo assaltante José Carlos dos Santos, o Seco. Na tentativa de prendê-lo, a polícia mata o menino Francisco Daniel Talasca Ferreira, de três anos, em um camping no Litoral Norte.

Roubos ao comércio resultam em mortes –

Ladrões matam motoristas para levar carros até de policiais. Das cadeias, criminosos usam celular para aplicar golpe do falso sequestro. Detentos fogem do semiaberto para cometer roubos e estupros.


Começo de ano sangrento

O ano de 2016 se inicia com o estigma da violência desenfreada disseminada pelo poder do tráfico de drogas e pela crueldade das quadrilhas que disputam bocas de fumo e acertam contas a tiros em qualquer hora ou lugar. Em 2015, o Rio Grande do Sul bateu recorde de homicídios, com 70% de crescimento na última década. Na comparação com 1986, as mortes violentas aumentaram sete vezes mais do que a população.

E a tendência é seguir aumentando o banho de sangue. Números indicam que fevereiro poderá ser o mês mais violento nos últimos quatro anos em Porto Alegre. São pelo menos 63 homicídios (até quinta-feira). Desde 2013, não havia período com tantos assassinatos na Capital.

A cada final de semana são, em média, 10 execuções no Estado, com características semelhantes. Sejam em becos e vielas das periferias
ou nas ruas movimentadas e também em regiões nobres, onde homens armados surgem em carros e motocicletas abrindo fogo diante de dezenas de pessoas, sem piedade.

São rajadas de 50 tiros, como em 11 de janeiro em uma lancheria a menos de cem metros do Quartel General da Brigada Militar, na Capital, resultando em dois carros, e até uma centena de disparos, em dois confrontos ocorridos na noite de sábado passado, na Vila Cruzeiro do Sul e no bairro Bom Jesus, na Capital, também com dois mortos.

Na madrugada de sexta-feira, mais de 30 tiros atingiram a frente de uma casa noturna da Cidade Baixa, bairro boêmio em área central da Capital, e deixaram sete pessoas feridas. Criminosos em um carro miravam acabar com a vida de um desafeto, mas além de acertar o rapaz, atingiram mais seis pessoas.

Estimativas apontam que oito em cada 10 homicídios em Porto Alegre são motivados pelo tráfico de drogas. Mas essa guerra não faz distinção entre facções. Cerca de 40% dos mortos neste ano na Capital nada tinham a ver com a criminalidade. São inocentes como Lucas Longo Motta, 12 anos, vítima de bala perdida no bairro Rubem Berta, em janeiro, e o comerciante Carlos Jesus Ávila, 69 anos, na Bom Jesus.

Além dos homicídios, os assaltos estão em curva ascendente – 28,3% a mais em 2015 do que no ano anterior. São arrastões em restaurantes, em ônibus e em lotações, e comboios de gangues em carros roubados para roubar mais carros. No centro da Capital, sobem os assaltos com violência a pedestres – um caso a cada 47 minutos, sobretudo para levar celular – enquanto diminuem os furtos, leia-se os batedores de carteira.

O mais grave na escalada dos assaltos são os latrocínios (roubo com morte). Os casos quase dobraram (86,6%) em cinco anos. Em 23 de janeiro, o sargento da Brigada Arilson Silveira dos Santos, 42 anos, foi morto por ladrões que invadiram um bar e roubaram um carro em Dois Irmãos, no Vale do Sinos. Em 14 de fevereiro, o físico Alexandre Bueno, 51 anos, perdeu a vida ao ter a casa de veraneio invadida por ladrões em Tramandaí, no Litoral Norte.

O clima de insegurança no Estado se traduz em pesquisa do Instituto Index realizada no começo do mês com 2 mil pessoas em 30 cidades. Sete em cada 10 entrevistados afirmaram já terem sido vítima de ladrões.

O aumento da criminalidade tem uma razão. A segurança virou artigo de segunda linha por conta da crise financeira do RS. Com cada vez menos policiais, menos vagas nas cadeias e menos condenados atrás das grades – 5 mil apenados estão em casa – o resultado é mais violência.

"Enfrentamos uma guerra como se fosse contra o Estado Islâmico, mas sem recursos" – lamenta um experiente policial.
"A polícia gaúcha já foi a melhor aparelhada no Brasil. Mas foi abandonada pelos governos e pelos tempos. Não temos mais vigilância noturna. E tem juízes que se negam a colocar na cadeia pessoas com 18, 19 anos por falta de vagas e porque sabem que elas sairão de lá formados no crime, e não na boa conduta" – analisa o advogado. Décio Antônio Erpen, desembargador aposentado.
O governo reconhece falhas na segurança, mas segue sem alternativas para contratar mais policiais e construir presídios.
A secretaria da Segurança pública aposta em uma estratégia: combater o comércio clandestinos de autopeças para tentar frear o roubo de carros recorde histórico em 2015 e e crimes conexos (latrocínios, tráfico).

Há duas semanas, a SSP deu início à ofensiva, fechando dois desmanches na zona norte da Capital, mas se viu diante de um constrangedor detalhe: dois ferros-velhos irregulares funcionavam em terrenos alugados pela prefeitura de Capital, a mesma que clama por ajuda da Força Nacional de Segurança para conter a criminalidade na cidade.

Percepções

-Em três décadas, o crescimento demográfico no Rio Grande do Sul atingiu 31%, enquanto o efetivo da Brigada Militar reduziu 3,3%.

-Em 1986, a BM tinha mais PMs do que atualmente. Além disso, o déficit em relação ao efetivo previsto era de 5,8%. Em 2016, soma 44,5%.

-No mesmo período, a massa carcerária subiu 129,3%.

- Em 1986, a taxa de homicídios no Estado era de 8,94 por 100 mil habitantes, atualmente chega a 21,3 homicídios para cada 100 mil gaúchos.

-Estudo da Fundação de Economia e Estatística mostra que o volume de ocorrências policiais cresceu 27% entre 2002 e 2014. No mesmo período, a taxa de registros relativos ao tráfico de drogas subiu de 15 ocorrências por grupo de 100 mil habitantes para 90,7.