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domingo, 19 de maio de 2024

Tragédia histórica expõe o quanto governo Leite ignora alertas e atropela política ambiental

Governo desfigurou Código Estadual do Meio Ambiente e sancionou construção de barragens em áreas de preservação, entre outras medidas

Por Luciano Valleda

Poucos dias antes do início das chuvas que infligem ao Rio Grande do Sul a sua maior tragédia climática, a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) enviou ao governador Eduardo Leite (PSDB) um ofício com o incomum título de “Alerta ao Estado do Rio Grande do Sul e ao Governador do Estado”, seguido pelo subtítulo que dizia: “Registro para fins de tomada de conhecimento sobre alertas emitidos há várias décadas”. O documento foi entregue no último dia 26 de abril.

Logo no início, o ofício deixa claro o objetivo de avisar o governador de que o mundo “está enfrentando uma crise climática”. Antes de parecer estranho que a entidade ambientalista mais antiga do RS e do Brasil se disponha a produzir um documento para informar Leite de algo amplamente discutido no planeta, o ofício revela a péssima relação do governador gaúcho com os ambientalistas do estado.

No documento, a Agapan enfatiza que a crise climática é divulgada pela ciência e imprensa há várias décadas e explica que o problema “tem o fator antropogênico como um de seus principais ingredientes de intensificação, sem desconsiderar outros de caráter cíclico e universal que possam somar”. Antropogênico, no caso, significa a ação do ser humano no meio ambiente.

O parágrafo seguinte do documento expõe a distância que separa o governador, apesar do figurino de colete da Defesa Civil quando a tragédia acontece, e os ambientalistas que há anos criticam as medidas adotadas pelo governo Leite.

Neste sentido, alertamos que a falta de atitudes para estancar e reverter processos que contribuem para o avanço da crise – a exemplo da liberação de mais venenos agrícolas, da autorização para destruir Áreas de Preservação Permanente, da falta de uma política permanente de recuperação de matas ciliares, do incentivo anacrônico à construção de polos carboquímicos e de instalações de infraestrutura que não reconheçam os direitos das comunidades tradicionais, da falta de cuidados e ingerência dos recursos hídricos, entre outros – será motivo de proposta de Ação Civil Pública de nossa parte. É apenas um alerta com o objetivo claro de contar com a parceria para encontrar ‘soluções coletivas’ para estancar e fazer a nossa parte, enquanto povo gaúcho, para ajudar a reverter as mudanças climáticas.”

No ofício, a Agapan afirma não poder mais, por princípio de precaução diante da crise climática alertada há décadas, “ser complacentes com governos que têm demonstrado pouca ou nenhuma sensibilidade para a situação, em especial, da população mais vulnerável, que primeiro sofre e sofrerá com a ampliação do ritmo de avanço das mudanças climáticas”.

Presidente da Agapan, Heverton Lacerda pondera que a crise climática vivida no planeta pode levar séculos para ser revertida – ou nunca ser. A única chance é se, nos próximos anos e décadas, as sociedades conseguirem, de forma muito drástica, primeiro estancar tudo o que está causando e ampliando a crise climática, e depois realizar ações para a reversão.

Não adianta apenas resiliência ou mitigação de danos. O que precisa ser combatido é a causa da mudança climática. O que os governos estão fazendo é ligado à questão da resiliência e da mitigação de danos, tirando a população de locais atingidos, mas vão continuar fazendo aquilo que causa a crise climática”, afirma, sem esconder na voz a insatisfação com os rumos da política ambiental.

A calamidade que assola o RS, com 78 mortos e mais de cem desaparecidos até o momento, número que tende a crescer nos próximos dias, é uma “tragédia anunciada” na visão de Lacerda. “Não existe nada que possa ser feito para evitar o próximo evento climático extremo que vai acontecer porque estamos dentro da crise climática.”

Se no curto prazo há pouco a fazer, no médio e longo prazo a perspectiva pode ser outra. O presidente da Agapan cita como prioridades a recomposição das Áreas de Preservação Permanente (APP), a recomposição das matas ciliares e o aumento do calado dos rios. A última medida com resultado mais rápido.

Desassorear rios seria uma solução de forma imediata, cara e trabalhosa, mas o melhor seria a gente recompor as florestas”, defende. “Um dos grandes problemas é o assoreamento dos rios por causa de um modelo agrícola de desenvolvimento que desmata as bordas dos rios, tanto para construir casas quanto lavouras. Nossos rios estão assoreados, nossas cidades estão sendo construídas na beira dos rios, as encostas dos morros estão sendo impactadas, mesmo quando têm vegetação já tiraram as árvores grandes com raízes profundas, não é mais a mata natural.”

Ao citar os rumos para estancar a devastação ambiental que influencia diretamente na mudança climática e abre caminho para a força das águas dos rios, as divergências entre a Agapan (e outras entidades ambientalistas gaúchas) e o governo Leite se tornam evidentes. Mais que isso, explicam o ofício enviado poucos dias antes da atual tragédia causada pelas enchentes.

O governo do Rio Grande do Sul vai na contramão da ecologia. Estamos regredindo na legislação ambiental enquanto estado que foi precursor na criação de leis ambientalistas. Outros estados que criaram a sua legislação ambiental, inclusive a nacional, se basearam no que foi criado aqui no Rio Grande do Sul”, destaca Lacerda.

A revolta remonta ao começo do primeiro mandato de Leite, em 2020, quando o governador aprovou na Assembleia Legislativa a Lei 15.434. Chamada de Novo Código Estadual do Meio Ambiente, a lei suprimiu ou flexibilizou mais de 500 artigos e incisos do Código Estadual de Meio Ambiente criado no ano 2000, afrouxando regras de proteção ambiental dos biomas Pampa e Mata Atlântica.

Em outubro de 2023, já depois da trágica enchente que devastou o Vale do Taquari, durante evento de lançamento do Plano de Governança e Conformidade Climática, a secretária estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), Marjorie Kauffmann, chegou a dizer que o novo Código Estadual do Meio Ambiente “trouxe mais elementos para analisar” o tema das mudanças climáticas.

Quando entra um governo com essa visão mais neoliberal e anti-ecológica, ele se baseia nas legislações de fora que estão mais permissivas do que as nossas para fragilizar e enfraquecer a nossa legislação. As que se basearam nas nossas foram criadas de uma forma mais flexível”, explica o presidente da Agapan.

No mesmo evento em outubro do ano passado, ao apresentar as ações de enfrentamento às mudanças do clima que o governo estadual entende já teriam sido realizadas, outros episódios que tiveram ampla repercussão negativa junto as entidades ambientalistas do RS chamaram a atenção. Foi o caso do Licenciamento por Adesão e Compromisso (LAC), conhecido como autolicenciamento privado, criado em dezembro de 2021 e muito criticado por afrouxar a fiscalização ambiental. A medida permite que 49 atividades econômicas, sendo 31 com alto e médio potenciais poluidores, sejam autorizadas independente do seu porte.

Quando a LAC foi aprovada pelo Consema, o Centro de Estudos Ambientais (CAE), sediado em Pelotas, declarou que o caso representou o “maior retrocesso ambiental promovido por um governo nesse colegiado”. A ONG diz que o órgão atualmente está dominado por uma aliança anti-sociedade e anti-natureza, reunindo o governo estadual e o agronegócio, a indústria e a construção civil.

Ainda no evento de lançamento do Plano de Governança e Conformidade Climática, entre as medidas listadas pelo governo estadual como ações para enfrentar a crise climática no RS esteve a participação na Conferência do Clima (COP 26), em Glasgow, e na COP 27, no Egito; a adesão ao programa Race to Zero e Race to Resilience; a criação do Fórum Gaúcho de Mudanças Climáticas; o incentivo a criação de Comissões Municipais sobre Mudanças Climáticas; assim como a assinatura do protocolo de intenções para a descarbonização das cadeias produtivas do RS e o Programa de Desenvolvimento da Cadeia de Hidrogênio Verde no RS, entre outras ações consideradas inócuas ou insuficientes pelas entidades ambientalistas do estado.

Discurso x prática

No dia 14 de setembro de 2023, enquanto as famílias no Vale do Taquari ainda choravam seu parentes mortos, procuravam desaparecidos e contabilizam os prejuízos econômicos causados pela enchente, o Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) aprovou a atualização do Zoneamento Ambiental para a Atividade da Silvicultura (ZAS) no estado. Pela decisão, a alteração será aplicada aos novos plantios ou na renovação dos plantios florestais já existentes.

As áreas de plantios da silvicultura passarão dos atuais 900 mil ou 1 milhão de hectares para 4 milhões de hectares em cada Unidade de Paisagem Natural (UPN) x Bacia Hidrográfica (BH). A silvicultura é o cultivo de florestas por meio do manejo agrícola, com o objetivo de suprir o mercado de madeira e aproveitar o uso racional das florestas. No RS, o eucalipto é um dos principais cultivos da silvicultura.

A mudança foi comemorada pela secretária estadual do Meio Ambiente, Marjorie Kauffmann. A aprovação se concretizou mesmo com os alertas de perda de biodiversidade feitos por técnicos da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). Membro do Consema, o Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá) também emitiu parecer contrário a mudança. No documento, a entidade afirmou que a aprovação poderá representar uma “irreversível e extraordinária perda adicional ao Pampa e aos Campos Sulinos”. O InGá ainda considerou que a proposta aprovada teve vício de origem por ter sido elaborada por empresas contratadas pelo próprio setor a ser regulado pelo governo estadual.

A empresa que construiu a proposta foi a Codex, sob financiamento da multinacional chilena CMPC, e protocolada no Consema pela Fiergs. No último dia 29 de abril, cerca de seis meses após a mudança na regra e quando já chovia no RS, o governo estadual e justamente a CMPC firmaram um protocolo de intenções para a instalação de uma nova planta industrial de produção de celulose em Barra do Ribeiro. Com aporte de R$ 24 bilhões da empresa, o negócio foi festejado pelo governo como “um dos maiores investimentos privados da história do Rio Grande do Sul”.

Recentemente, outro projeto com alto potencial de impacto ambiental colocou Leite e entidades ambientalistas em lados opostos. Trata-se da lei que flexibiliza ainda mais o Código Estadual de Meio Ambiente para permitir a construção de barragens e açudes em Áreas de Preservação Permanente (APP). O objetivo é proporcionar alternativas de armazenamento de água para agricultura e pecuária, de modo a enfrentar períodos de estiagem. Leite sancionou no dia 9 de abril o projeto aprovado em março na Assembleia Legislativa.

Na ocasião da aprovação do projeto, Rodrigo Dutra, mestre em Ecologia e integrante da Coalisão pelo Pampa, avaliou que a medida é resultado da vulgarização dos conceitos de utilidade pública e interesse social. “Em geral, são exceções para obras e empreendimentos de interesse coletivo, e nos PLs entram várias atividades particulares como a irrigação e até a mineração”, disse.

Para Dutra, o pano de fundo para a discussão sobre o tema é a omissão estadual em implementar o Programa de Regularização Ambiental (PRA), previsto desde 2012 para recuperar passivos de APPs e reserva legal nos biomas Pampa e a Mata Atlântica – a Reserva Legal determina a preservação de no mínimo 20% de todo imóvel rural. Ele pontuou ainda que, segundo o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (PLANAVEG), apenas no bioma Pampa deveriam estar sendo recuperados 300 mil hectares de APPs e Reserva Legal. “Nada disso está acontecendo, e o PL prevê destruir mais APPs para barragens”, lamentou.

Também após a aprovação pela Assembleia do projeto que flexibiliza o Código Estadual de Meio Ambiente, a Agapan emitiu nota denunciando o que definiu como a “destruição ambiental” que está sendo incentivada e legalizada no estado. A entidade destacou haver muitas provas científicas sobre o impacto das atividades humanas no planeta, com enormes danos ao meio ambiente. E neste contexto de crise ambiental intensificada pelas mudanças climáticas, disse que a nova lei aprovada no RS é “antiecológica” e “irresponsável”.

Outro lado

Questionado pela reportagem do Sul21 sobre as ações de enfrentamento a crise climática implementadas desde a enchente de setembro do ano passado, o governo estadual informou apenas que, neste momento, “trabalha 24 horas por dia com prioridade total no resgate e atendimento às vítimas das chuvas históricas”, com toda sua estrutura agindo de forma descentralizada e em conjunto com as forças nacionais de segurança.

Pensando na adaptação e resiliência climática, em novembro de 2023 foi instituído o Gabinete de Crise Climática, que tem como principal função conectar as secretarias de Estado, instituições e pesquisadores no monitoramento e implementação de ações práticas de resposta à crise do clima”, respondeu, em nota.

Entre as medidas em andamento citadas pelo governo Leite para enfrentar a crise climática, estão a contratação de serviço de radar meteorológico pela Defesa Civil, que será instalado na Região Metropolitana de Porto Alegre e está em fase final de implementação; melhorias na Sala de Situação, responsável pelo monitoramento das chuvas e dos níveis dos rios; e a implementação do roadmap climático dos municípios, que mapeará as ações relacionadas ao clima em esfera municipal.

O governo reforça o seu compromisso, neste momento, em garantir a vida e a segurança da população gaúcha neste momento de emergência”, afirma, sem citar nenhuma das ações defendidas pelos ambientalistas para mudar a trajetória dos futuros eventos climáticos extremos.

Em novembro do ano passado, um dia depois da Assembleia Legislativa aprovar o orçamento do governo estadual para 2024, com receitas totais de R$ 80,3 bilhões e despesas totais de R$ 83 bilhões (um déficit de R$ 2,7 bilhões), o governo Leite celebrou a fatia do orçamento de R$ 115 milhões para enfrentar os eventos climáticos no RS no ano de 2024. O governo definiu o valor previsto como um “orçamento robusto”, embora a cifra represente menos de 0,2% do orçamento total aprovado.


sexta-feira, 17 de maio de 2024

Grêmio inicia viagem para realizar treinos em São Paulo

Clube treinará até o dia 26 no CT do Corinthians e mandará jogos no Couto Pereira, em Curitiba

Grêmio já está a caminho de São Paulo, onde vai permanecer até o dia 26 e maio, em preparação para a retomada da temporada 2024. Os funcionários do estafe do clube desembarcam na capital paulista na tarde desta quinta (16) e os trabalhos com os jogadores já serão iniciados na sexta (17), no CT Joaquim Grava, do Corinthians.

A operação começou nos primeiros dias da semana, quando parte dos funcionários precisou resgatar alguns dos materiais de trabalho que estavam no CT Luiz Carvalho. Em função do alagamento no CT, botes e barcos foram utilizados para o transporte dos equipamentos, que foram levados diretamente para São Paulo. Para viabilizar tudo isso, o clube precisou do apoio de órgãos como a PRF e a EPTC, por exemplo.

Já na madrugada desta quinta (16), foi iniciado o trajeto por volta de 1h, quando parte dos funcionários que estava em Porto Alegre embarcou no ônibus do clube rumo a Florianópolis. São ao menos 15 pessoas do clube fazendo este itinerário, entre auxiliares técnicos, médico, analistas de desempenho, fisiologista, fisioterapeuta e preparadores. Após o desembarque na capital de Santa Catarina, que aconteceu às 7h, a delegação segue viagem através de um voo comercial até São Paulo.

Até sexta (17), os jogadores também se encontrarão com os demais funcionários na capital paulista. A maioria dos atletas já estava fora do RS, assim como o técnico Renato Portaluppi, que está no Rio de Janeiro. Também por isso, o Grêmio entendeu que São Paulo seria sede mais acessível para todos. Em princípio, apenas Rodrigo Ely, Edenilson e Ronald haviam ficado no Estado durante a enchente, mas em locais seguros. O trio também está a caminho do sudeste brasileiro.

Das opções avaliadas, o CT do Corinthians é um dos que oferecia a melhor estrutura. Além dos campos em ótimas condições, há também uma academia espaçosa, com equipamentos de ponta e demais estruturas utilizadas pelos jogadores. O grupo se hospedará em um hotel próximo ao local, o que também minimiza o tempo perdido em deslocamentos.

No CT Joaquim Grava, do Corinthians, o Grêmio fará sua primeira parte da preparação na retomada da temporada, até o dia 26 de maio. Depois disso, o planejamento será reavaliado. Enquanto isso, mandará os dois próximos da Libertadores, contra o The Strongest, dia 29 de maio, e contra o Estudiantes, dia 8 de junho, no estádio Couto Pereira, em Curitiba.

segunda-feira, 13 de maio de 2024

Governo Eduardo Leite não colocou em prática estudos contra desastres pagos pelo estado

Servidores, técnicos e cientistas propuseram medidas que poderiam diminuir impacto do desastre

No final de outubro do ano passado, o governo de Eduardo Leite (PSDB) anunciou a criação do Programa de Estratégias para as Ações Climáticas, o ProClima 2050, descrito como um roteiro para ações e medidas de mitigação dos efeitos e de adaptação Rio Grande do Sul diante da emergência climática. Naquele momento, os desastres climáticos já se sucediam desde março, fechando 2023 com um total de 81 mortes em diversas regiões do estado, conforme a Defesa Civil gaúcha. Um plano anterior, a Política Estadual de Gestão de Riscos de Desastres, de 2017, já havia sido engavetado, como mostrou reportagem da Agência Pública do ano passado.

O ProClima, porém, até agora não resultou em medidas concretas do governo, segundo fontes ouvidas pela reportagem. “O governador Eduardo Leite ignora qualquer alerta ambientalista e do corpo técnico da Sema [Secretaria de Meio Ambiente e Infraestrutura] e da Fepam [Fundação Estadual de Proteção Ambiental]. Suas ações afrouxam os regramentos ambientais, sucateiam a estrutura pública, contribuindo para agravar as vulnerabilidades diante desse evento climático extremo”, resume o ambientalista e biólogo Rafael Altenhofen, presidente do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Caí, uma das mais afetadas pelas águas tanto no ano passado como neste ano.

Altenhofen, que também é coordenador da União Protetora do Ambiente Natural (Upan), mora em Montenegro, um município obrigado em Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) a contratar estudos de áreas de risco há mais de 20 anos. Segundo ele, já foram feitos nove estudos semelhantes pagos com dinheiro público, além de outros feitos por universidades e outras instituições, que não foram traduzidos em ações pelo governo.

De tempos em tempos contratam novos, ignorando os anteriores, talvez por seus resultados contrariarem interesses de certos empresários. Eles desejam que a ciência valide certas vontades prévias. Como isso não acontece, nada foi feito para reduzir as vulnerabilidades”, diz o biólogo.

Entre os estudos pagos pelo governo está, por exemplo, o Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) – previsto na Política Nacional do Meio Ambiente e definido como instrumento da Política Estadual do Meio Ambiente (Lei 15.434/2020). O trabalho, que trata da organização do território, estabelece medidas e padrões de proteção ambiental, levou mais de quatro anos para ser elaborado, contou com intenso envolvimento de servidores, instituições e da sociedade civil e foi pago com dinheiro público. Mas também acabou em alguma gaveta da Sema.

Foi com surpresa, portanto, que ele e outros especialistas ambientais  do Rio Grande do Sul tomaram conhecimento pela imprensa de que agora, com a catástrofe em curso, um grupo de empresários sugeriu ao governo do estado contratar empresa ou especialista em evitar catástrofes. “Inacreditável! Então tudo que se aprendeu, ensinou, se fez e divulgou no Rio Grande do Sul, em ciência e tecnologia, não é suficiente?”, pergunta, lembrando que o estado dispõe de gente capacitada para evitar e prevenir catástrofes, mas que nunca são ouvidas pelos tomadores de decisão do Executivo.

O professor Francisco Aquino, do Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)., em novembro do ano passado, já havia chamado atenção para a probabilidade de ocorrerem novos eventos extremos em 2024, como tempestades extremas e inundações, por influência do El Niño, o que, infelizmente, se confirmou.

Suas declarações foram feitas no seminário “Realidade das mudanças climáticas: os desafios da governança e da reconstrução”, promovido pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul para anunciar o GabClima, um gabinete para dar subsídios para “estimular, induzir ou até cobrar do Poder Público algumas medidas emergenciais ou a médio e a longo prazos de forma contínua”, nas palavras do promotor Regional Ambiental da Bacia dos Rios Taquari-Antas, Sérgio Diefenbach.

Aquino é chefe do Departamento de Geografia da UFRGS, onde os docentes lançaram na sexta-feira, 10 de maio, um manifesto em que explicitam: “Nosso curso é atual e pode oferecer inúmeras soluções para a crise que enfrentamos face aos desastres naturais que assolaram as regiões mais populosas do Estado”.

Questionada pela Agência Pública sobre o ProClima, a assessoria de imprensa da Sema enviou nota informando que uma das iniciativas no âmbito do programa foi a criação de um grupo de trabalho para conectar secretarias de estado, instituições e pesquisadores no monitoramento e implementação de ações práticas de resposta à crise do clima. Afirma também que, entre as medidas em andamento, estão a contratação de serviço de radar meteorológico pela Defesa Civil na região metropolitana de Porto Alegre que está em fase final de implementação; melhorias na Sala de Situação – responsável pelo monitoramento das chuvas e dos níveis dos rios –; e a implementação do roadmap climático dos municípios, que mapeará as ações relacionadas ao clima em esfera municipal.

Recomendações de técnicos dos órgãos ambientais do estado são ignoradas

Técnicos concursados dos órgãos ambientais também vêm denunciando desde o primeiro mandato de Leite a insuficiência de pessoal para lidar com os impactos da crise climática, incluindo a pouca atenção dada à prevenção e ao atendimento aos desastres. Segundo os servidores, há também a necessidade de concurso público para suprir a falta de pessoal em divisões como a de Meteorologia, Mudanças Climáticas e Eventos Críticos do estado.

Em setembro de 2023, depois das tragédias do Vale do Taquari, a Associação dos Servidores da Sema (Assema) enviou um ofício à secretária de Meio Ambiente, Marjorie Kauffmann, destacando que os servidores estavam dispostos a “a reforçar à sociedade e ao Governo do Estado o compromisso e a competência de seus servidores para auxiliar na construção de alternativas para superar aquele cenário de destruição” e sugerindo ações e medidas imediatas.

Entre elas a de iniciar imediatamente a análise da inscrição de imóveis no Cadastro Ambiental Rural (CAR), pelo menos em áreas especialmente protegidas, prioritárias para conservação ou em maior risco de desastres naturais. “Infelizmente não tivemos retorno”, comenta o presidente da Assema, Pablo Pereira, lembrando que o Rio Grande do Sul é um dos estados mais atrasados do país nas análises do CAR.

Os servidores propuseram também o melhor aproveitamento do quadro técnico da secretaria para implementar a regulamentação do Programa de Regularização Ambiental (PRA), pois há um expressivo passivo de adequação à legislação para áreas de preservação permanente (APP), de uso restrito e reserva legal. “O atraso em sua implementação fez com que se tenha deixado de exigir até o momento a recuperação de milhares de hectares, principalmente em áreas de maior risco, frente aos eventos climáticos que exercem importante papel na minimização de seus efeitos, como estiagens e enchentes”, aponta o documento.

Outro item identificado como prioridade pelos servidores foi a retomada do debate sobre a Política Estadual de Gestão de Riscos de Desastres, que já poderia ter sido encaminhada para apreciação da Assembleia Legislativa. Um dos argumentos é que o Brasil é signatário do Marco de Ação de Sendai para Redução do Risco de Desastres e existe uma proposta, que poderia ser aproveitada, construída com ampla participação popular e financiamento do Banco Mundial, que destinou R$ 670 mil em 2017 para a formulação do projeto, que poderia ter reduzido a gravidade dos estragos na situação que vivem os gaúchos agora.

A Assema ainda manifestou a necessidade de fortalecer a atuação dos Comitês de Bacia Hidrográfica, instrumentos da Política Estadual de Recursos Hídricos, que não recebem recursos para suas ações essenciais. Seus membros atuam totalmente de forma voluntária, o que distorce a representatividade dos comitês, com a presença desproporcional de pessoas que defendem interesses de empresas, por exemplo.

“Dinheiro do próprio bolso” dos trabalhadores na Defesa Civil

No início das chuvas deste ano, quando a água ainda não tinha atingido a região metropolitana de Porto Alegre, o Sindicato dos Técnicos Ambientais e Fundações (Semapi) publicou uma nota criticando o governo por priorizar o discurso – e não as ações – em relação à prevenção e adaptação à crise climática. De acordo com o sindicato, a falta de recursos muitas vezes obriga os trabalhadores das defesas civis a colocar “dinheiro do próprio bolso para resolver questões, o que é inconcebível”.

Ainda em 2023, o governo do Estado anunciou um orçamento de R$115 milhões para o enfrentamento de eventos climáticos. No entanto, o que não especificou foi que o valor é a soma total de recursos de três secretarias, do Corpo de Bombeiros e, por fim, a Defesa Civil, misturando esta última com toda política para eventos climáticos extremos. Já no Orçamento 2024 aprovado, o recurso relevante previsto é de R$ 2,5 milhões para qualificar o Centro de Operações da Defesa Civil – um valor que não chega nem perto do necessário para resolver as deficiências estruturais” , afirma o sindicato.

Outra solicitação que também não teve resposta da Sema, feita em novembro de 2023, veio da Rede Sul de Restauração Ecológica, uma iniciativa lançada em 2021 que conta com representantes da própria secretaria, entre mais de uma centena de integrantes de instituições públicas e privadas que trabalham na cadeia da restauração de ecossistemas florestais e campestres nos biomas Pampa e Mata Atlântica.

Em ofício enviado duas vezes para a Sema e uma para o governador Eduardo Leite, a Rede Sul se ofereceu para colaborar para a recuperação de áreas degradadas nos dois biomas, mas foi sumariamente ignorada. “Nos colocamos à disposição para contribuir com nossa expertise no processo de implementação do Tratado da Mata Atlântica no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul; tratado este recentemente noticiado e firmado entre os representantes de sete Estados Brasileiros que compõem o Consórcio de Integração Sul e Sudeste (COSUD), com a perspectiva de plantio de mais de 100 milhões de árvores de espécies nativas”, dizia o ofício.

Essa inatividade da gestão estadual acaba por comprometer inclusive o cumprimento da já fragilizada legislação ambiental, como explica o promotor de justiça Sérgio Diefenbach, que acompanhou de perto as tragédias no Vale do Taquari. “Muitas vezes nós temos a expectativa de que a lei, por si só, resolva as situações. Precisa vontade política de implementação da lei e muitas vezes o Ministério Público é o propulsor da implementação desta lei”, diz.

Para Diefenbach, embora tenhamos uma das maiores estruturas de legislação ambiental do mundo, é difícil a implementação de algumas leis. “Nós ainda convivemos com uma legislação oscilante. Ou seja, conforme linhas de governo vão, alguns regramentos são amaciados e afrouxados. Em outros momentos, são criadas estruturas de maior rigor e fiscalização”, diz, usando como exemplo a legislação de recursos hídricos. “Isso não se resolve por ação judicial. É preciso criar uma consciência coletiva e de gestão da necessidade da existência deles.

O promotor destaca que o mesmo acontece com relação ao desmatamento, à disposição de resíduos sólidos e líquidos, na concessão de licenças e na fiscalização pelo estado, entre outras ações de controle. “Sem a presença forte de Estado fiscalizador por todos os seus entes, não há legislação que sobreviva”, conclui.

Para ele, as mudanças climáticas impõem um novo pensamento sobre a ordem das cidades. E isso é uma tarefa que envolve uma construção coletiva. Exigirá compreensão dos poderes legislativos, do Executivo, das forças econômicas. “Precisamos dar uma guinada de posicionamento nas nossas condutas. E a postura do Ministério Público é de contribuir para que isto aconteça.” 

PENSANDO BEM com Beto Moesch e Francisco Milanez

Blog de mariomarcos.wordpress.com

O exemplo que vem da Holanda

Há alguns anos, durante viagem à Holanda, conheci de perto o complexo sistema de diques do Delta, em meio ao mar. São nove quilômetros de barreira, mais duas ilhas artificiais, que servem de proteção ao país.

A Holanda, vocês sabem, está abaixo do nível do mar.

Quem visita não se impressiona apenas com a barreira. A estrutura é formada por um complexo permanente, com funcionários e equipamentos. Dá para circular de carro por algumas partes.

Sempre que o nível do mar sobe três metros, as gigantescas portas são fechadas para que as águas não invadam o país. É um sistema automático, mas quando ele falha, entra em ação o plano B para garantir o funcionamento.

Uma vez por mês, todas as comportas são fechadas, mesmo sem alteração do nível da água. São os testes para comprovar o bom funcionamento. A Holanda gasta 17 milhões de euros por ano só nos testes. A segurança dos holandeses não permite economizar – e não há espaços para surpresas.

Por que lembro do Delta? Porque o sistema de proteção de Porto Alegre, muito menos complexo, é negligenciado de tal forma pelo poder público que fracassou diante das águas do Guaíba quando precisou ser acionado.

Portas tiveram de ser fechadas com ajuda de trator, outras abriram brechas que permitiram a passagem da água que inundou boa parte da Capital, uma desabou com a pressão, bombas tiveram de ser desligadas. Um fiasco.

Blog de mariomarcos.wordpress.com

Lições nunca aprendidas

O mais desesperador é que a sociedade, mais uma vez, não vai aprender nada com a catástrofe destes últimos dias no Rio Grande do Sul.

Assim que o susto passar, que as águas dos rios voltarem a seus leitos normais, a rotina fará com que as pessoas se acomodem, de novo, apesar de o Estado ter sido castigado pelo menos três vezes, com sérios prejuízos e dezenas de mortes nos últimos meses.

Poucos ligarão as tragédias às alterações climáticas – provocadas pelas ações destrutivas do ser humano.

E dentro de pouco tempo, quando quando alguma grande empresa estiver por se instalar e surgir um debate entre ambientalistas e o interesse econômico, mais uma vez o dinheiro vai ganhar por nocaute – e os alertas de ambientalistas e cientistas serão chamados de atraso ou de ação de gente chata.

Agora mesmo o Congresso está perto de permitir a redução de áreas de Mata Atlântida ainda protegidas. É sempre assim.

Não aprendemos nada com estes alertas da Natureza.

terça-feira, 7 de maio de 2024

Pedido de afastamento da juíza Hardt atinge em cheio a ‘Lava Jato’

O relatório, assinado pelo delegado da PF Élzio Vicente da Silva, confronta o principal instrumento jurídico utilizado por investigadores na operação para apurar os desvios na Petrobras. Após o despacho de Salomão, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revogou o afastamento da juíza.

Juíza Gabriela Hardt

Os fatos registrados em relatório da Polícia Federal (PF) anexado pelo corregedor nacional de Justiça, Luis Felipe Salomão, no processo de afastamento da juíza Gabriela Hardt, substituta do ex-juiz parcial e incompetente Sérgio Moro, atinge frontalmente o modelo de todos os acordos de colaboração premiada feitos durante a vigência da Operação Lava Jato.

O relatório, assinado pelo delegado da PF Élzio Vicente da Silva, confronta o principal instrumento jurídico utilizado por investigadores na operação para apurar os desvios na Petrobras. Após o despacho de Salomão, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revogou o afastamento da juíza.

Instrumento

O delegado Élzio Vicente afirma que os repasses de bilhões em multas à estatal e os outros bilhões que iriam para a criação de uma fundação privada, fatos que têm sido citados, judicialmente, resultaram de acordos que usavam as mesmas metodologia das delações premiadas, que, em seu conceito, são irregulares. Durante as investigações da 13ª Vara Federal de Curitiba, segundo o relatório, foram fechados 209 acordos de colaboração e 17 de leniência.

O método aplicado à colaboração premiada foi regulamentada após manifestações de 2013, no governo de Dilma Rousseff (PT), pouco antes da operação ter início. Segundo o delegado, os procuradores transformaram o que estava previsto em lei, instrumento que serviria como um meio de obtenção de provas, em uma "espécie mista de acordo de não persecução penal (não existente na legislação da época) e de transação penal”.

Valores

"Tratava-se, aparentemente, da importação de um modelo de resolução de questões criminais por meio do pagamento de dinheiro, inclusive negociando penas, cujas decisões homologatórias, no entender de Deltan Dallagnol, ‘não havendo questionamentos, transitavam em julgado", afirma o delegado no relatório.

Segundo o documento, o foco dos acordos deixou de ser a "contribuição do colaborador para a apuração em si" e passou a ser ajustes nos "efeitos da condenação, que unificavam e antecipavam penas, estabeleciam multas e as consequências de uma eventual sentença condenatória".

A alteração, acrescenta o policial federal, permitiu que Moro destinasse valores de forma antecipada, o que foi a base para o direcionamento de dinheiro para segmentos estranhos ao rito processual.

De acordo com o delegado Moro, Hardt e o procurador Deltan Dallagnol incorreram no crime de peculato. O argumento é que eles teriam desviado o dinheiro ao repassar os valores à Petrobras sem antes definir qual seria a destinação correta.

Bilhões

"A discussão desse modelo de colaboração e de leniência importa porque tais ajustes foram a base dos repasses realizados no âmbito do já debatido processo denominado representação criminal e caracterizaram verdadeiros ensaios para a posterior celebração do acordo de assunção de compromissos firmados entre força-tarefa e Petrobras", continua o documento.

No caso dos R$ 2,1 bilhões repassados à Petrobras, o delegado afirma que eles foram enviados "sem prévia decretação de perda, sem a participação das pessoas às quais as contas judiciais estavam vinculadas, em grande parte sem participação de outros atores (União, por exemplo) e sem questionamentos pelo juízo".

Os repasses ocorreram por meio de uma representação criminal aberta de ofício por Moro, em maio de 2016, quando já havia um processo formal de cooperação com autoridades norte-americanas. Os autos eram sigilosos e apenas Moro, o Ministério Público Federal (MPF) representado por Dallagnol e a alta direção da Petrobras tinham conhecimento. A falta de transparência na gestão dos valores, diz o delegado, permitiu o direcionamento do dinheiro sem questionamentos.

Prejuízo

"Todo o conjunto aponta que o juízo optou pela criação de um canal direto de repasse dos recursos sem a participação da União, dos colaboradores ou lenientes, ou de outras partes, antes de eventuais sentenças condenatórias dos colaboradores e sem prévia decretação de perda."

Para concluir que não houve apuração sobre o real prejuízo à Petrobras antes do repasse dos valores, o delegado cita alguns depoimentos colhidos, entre eles o de Carlos Macedo, gerente da estatal.

"O levantamento do efetivo prejuízo causado não foi concluído até a presente data, esclarecendo que a empresa foi obrigada a estabelecer uma metodologia para aferição do impacto dos pagamentos indevidos nos ativos da companhia, ou seja, trata-se de um critério contábil", conclui Macedo, em seu relatório.