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terça-feira, 17 de setembro de 2019

Em carta a juiz, presos reclamam de falta de água, remédios e materiais de higiene após motim em Canoas

Detentos atearam fogo dentro de galerias da Pecan, construída para ser modelo em tratamento penal no Estado
Por trás do motim com incêndio provocado na noite de domingo (15) na Penitenciária Estadual de Canoas (Pecan) 2 está uma série de reivindicações dos presos, enviadas ao juiz da Vara de Execuções Criminais (VEC), que indica que o sistema não está totalmente sob controle. Autoridades ouvidas por GaúchaZH temem que, caso não empregue investimentos em recursos e efetivo, medidas de segurança e maior rigor no controle dos detentos, grupos criminosos ganhem espaço dentro do complexo prisional. 
O complexo prisional de Canoas foi implantado com o objetivo de ser exemplo em tratamento penal e segurança. Para isso, o Estado é responsável por fornecer toda alimentação e itens de higiene, que em outras casas prisionais são supridos pelos familiares de presos. Aliada a isso, a seleção de ingressos, o uso de uniforme e bloqueio de celulares, visam impedir que facções se instalem ali. 
A Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) afirmou nesta segunda-feira (16) que a implantação de um scanner corporal, usado para revistar quem ingressa na cadeia, impedindo entrada de itens como drogas e armas, teria motivado a revolta dos presos.
"É um equipamento muito efetivo na restrição de ilícitos no sistema prisional. E evita até constrangimento aos familiares, por facilitar a revista" — disse o superintendente Cesar Augusto Ouriques da Veiga.
Nesta segunda-feira, uma equipe da Vara de Execuções Criminais (VEC) da Capital esteve na prisão e coletou uma série de reclamações dos presos. O estopim teria sido a falta de água na penitenciária no domingo (15), quando havia crianças na prisão, visitando familiares. Segundo o juiz Alexandre de Souza Costa Pacheco, os presos também reclamam que faltam medicamentos e produtos de higiene, como papel higiênico. Os uniformes também estariam sendo cedidos em pouca quantidade. Cerca de 300 presos estão aguardando por vagas no semiaberto no local. O magistrado demonstra preocupação também com a falta de agentes.
"A versão oficial é do scanner, mas não é só isso. A falta de água tem acontecido com frequência, segundo os presos. Sobre o scanner, eles alegam que como os agentes não foram treinados, demoram na revista, e isso atrasa as visitas. Faltam itens de higiene. Eles recebem meia barra de sabonete, um rolo de papel higiênico para uma semana em cela que tem oito presos. Isso também falta em outras prisões. A diferença é que ali (na Pecan) não se permite ingressos (de itens de higiene) pelos familiares. No momento em que o Estado não cumpre com a sua parte, os presos vão reclamar" — relata o magistrado.
A reportagem de GaúchaZH tentou contato com a Susepe para questionar sobre as demandas dos detentos, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.
O incêndio iniciou no módulo 2, após presos queimarem uniformes, travesseiros e colchões. A partir disso, o motim atingiu três galerias. Os objetos em chamas foram atirados para fora das celas. Os próprios agentes iniciaram o combate do fogo, que foi controlado com o auxílio dos bombeiros. Não houve danos à estrutura. 
Sete internos tiveram ferimentos leves. Outros dois foram isolados, por suspeita de envolvimento na confusão. Este foi o segundo incêndio na Pecan - o primeiro foi em março de 2018, quando detentos colocaram fogo em uma das galerias.

O promotor de Justiça de execução criminal Alexander Thomé entende que a implantação do scanner corporal é benéfica ao sistema, mas defende que o Estado precisa qualificar o tratamento penal para não perder espaço para o crime. O déficit é de cerca de 80 servidores nas quatro prisões, conforme o Ministério Público.
"Não tem uma facção com bandeira lá. Mas percebemos movimentos nesse sentido, justamente se valendo de vacilos do Estado. O quadro inspira cuidados, necessita de atenção especial. É preciso muita reflexão e planejamento para não acabar num complexo dominado por facção. É preciso retomar aquele conceito inicial, quando o projeto foi concebido" — alerta.
Facção
Dirigente do Núcleo de Defesa em Execução Penal (Nudep) da Defensoria Pública do Estado, o defensor público Alexandre Brandão Rodrigues afirma que a Pecan representa um modelo, que deveria ser replicado, mas teme que o sistema ali também seja dominado pelo crime organizado.
"É uma prisão modelo, como todas nossas prisões deveriam ser. O nosso sistema prisional é criminógeno e causador da violência do lado de fora. Nos preocupa a inserção de facções ali dentro. Existem presos faccionados. Até então, não se sentia domínio das facções. A grande preocupação é de que o Estado perca o controle da penitenciária."
O juiz da VEC da Capital diz que é impossível manter total controle sobre os faccionados. Afirma que no módulo 1 houve controle sobre os ingressos, mas nos módulos 2, 3 e 4, por conta da falta de vagas no sistema prisional, o rigor não é o mesmo. No entanto, acredita que o fato da prisão bloquear celulares torna o local menos atrativo para grupos criminosos e é motivo, inclusive, de pedidos de transferências dos presos.  
"É praticamente impossível identificar que o preso é vinculado à facção. A não ser se próprio preso se denuncie. Mas o que vejo é que o Estado não tem tratado os presos como faccionados. Trata todos iguais. Nisso, o Estado tem se esforçado. O preso que quer ter contato com o mundo do crime, do lado de fora, em geral não quer ficar ali."
Segundo a Susepe, dois presos foram isolados ontem, por suspeita de envolvimento no início do tumulto. Quando forem identificados os envolvidos, eles devem responder por processo administrativo disciplinar.
"A Pecan mantém a mesma doutrina de sempre. Não tem facções criminosas" — afirma o superintendente.
Vagas em cadeias
A Susepe informou nesta segunda-feira (16) que estão previstas as seguintes vagas em outras prisões: 420 na Penitenciária de Bento Gonçalves, na Serra, que deve ser inaugurada nos próximos dias, 600 na Penitenciária de Sapucaia do Sul, na Região Metropolitana, onde a obra deve ser entregue em outubro e inauguração deve ocorrer até o fim do ano.
A Pecan
Vagas - O complexo prisional é formado por quatro penitenciárias (Pecan 1,2,3 e 4) e tem lotação de cerca de 2,2 mil presos, dentro da capacidade de 2,8 mil, conforme a Susepe. Nesta semana, está prevista a inauguração de 288 vagas no mesmo módulo, que estavam interditadas. O local foi incendiado em março do ano passado, também em ação dos presos. Para liberar os recursos, vindos de medidas alternativas, para a reforma, o Judiciário exigiu aumento do número de agentes no local e manutenção do perfil de apenados  que a unidade recebe, que não podem ter ligação com facções.
Regras - Numa tentativa de evitar a presença de facções, a Pecan aposta na seleção de presos, com análise de perfil para evitar ingresso de faccionados e de maior periculosidade. Também no fornecimento da alimentação, de uniforme (roupas laranja, tênis e chinelo), kit de higiene, travesseiro e toalha de banho. A prisão conta com bloqueador de celular. A maioria dos internos atua na própria manutenção da Pecan, realizando atividades de limpeza e na cozinha.

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Cerca de 50 presos superlotam delegacia em Canoas. Susepe não dá prazo para resolver problema

A Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA) de Canoas segue sofrendo com a superlotação. Até o final da manhã desta quarta-feira (4), cerca de 50 presos estavam no estacionamento do prédio no bairro Marechal Rondon.
A situação ganhou destaque após a fuga de dois criminosos no final da tarde da última terça-feira (3). Eles foram recapturados nesta manhã. As circunstâncias do ato estão sendo investigadas pela Brigada Militar (BM) e Polícia Civil.
Os detentos estão sendo custodiados por policiais de Canoas, Esteio, Guaíba, Sapucaia do Sul e Eldorado do Sul. Eles aguardam vagas no sistema prisional. Alguns, inclusive, estão na DPPA há, pelo menos, 30 dias.
Conforme a Superintendência de Serviços Penitenciários (SUSEPE), os presídios gaúchos estão superlotados com mais de 40 mil presos em um sistema onde as 120 casas prisionais gaúchas comportam pouco mais de 25 mil detentos. Por isso, ainda não há previsão de quando os criminosos que estão na DPPA de Canoas serão encaminhados para os presídios.
Porém, a expectativa fica para o final do ano quando deve ser inaugurado o presídio de Sapucaia do Sul. O espaço deverá ter 600 vagas que devem ajudar a diminuir o problema no sistema prisional.

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Após juíza interditar ala de prisão, Schirmer critica e pede coerência

Responsável pela penitenciária de Canoas afirma que local é a antítese do que foi planejado

Vídeo: http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/bom-dia-rio-grande/videos/t/edicoes/v/penitenciaria-de-canoas-utilizada-para-diminuir-superlotacao-em-delegacias-e-interditada/6292251/
 
Cid Martins /ZH

Um dia após a Justiça interditar parcialmente o módulo 2 da Penitenciária de Canoas (Pecan), o titular da Secretaria da Segurança Pública (SSP), Cezar Schirmer, criticou a decisão e diz que irá acionar a Procuradoria Geral do Estado (PGE) para tomar as "providências cabíveis". Em nota oficial, em tom de desabafo, o secretário destacou os esforços para retirar presos de delegacias e viaturas e cobrou coerência do Judiciário. A interdição foi determinada, terça-feira, pela juíza Patrícia Fraga Martins. No despacho, a magistrada cita problemas estruturais, de saúde e de higiene, entre outros.
Segundo Patrícia, a ocupação da Pecan 2 é a antítese do que foi planejado pelo governo. Ela relembrou a necessidade de triagem para ingresso de presos não pertencentes a facções criminosas e, preferencialmente, de primários, sem ingresso anterior no sistema prisional. "A forma como a Pecan 2 presta atendimento aos presos que lá foram instalados é a antítese do que foi planejado, ou seja, a completa inexistência de tratamento penal", afirma a magistrada em sua decisão.
A juíza fixou a ocupação máxima em 300 presos (número de recolhidos ontem) - podendo aumentar em 20 presos a cada 10 dias se o Estado cumprir em sete dias o início do trabalho de um advogado, um médico e um enfermeiro. E, em 10 dias, projetos para cozinha/alimentação, lavanderia e ambulatório. Se não cumprir, o teto será fixado em 144 presos. Para isso devem ser realizados ou disponibilizados serviços e obras necessários para melhorar as condições do local. A determinação poderá ser revista somente quando essas medidas forem tomadas e após inspeção judicial.
"Providências serão tomadas", diz secretário
Para Schirmer, a interdição é um equívoco: "Basta analisar o texto da própria decisão que aponta para o fato de que os serviços estão, sim, sendo prestados de forma adequada. Não está faltando alimento, banho, higiene ou roupa lavada". O secretário ainda cita que os problemas de superlotação das DPs foram solucionados por meio da transferência dos presos para a Pecan 2, o que possibilitou liberação de carceragens e viaturas.
"Resta a pergunta: qual decisão deve-se cumprir? Àquela que determina a retirada de presos de delegacias e viaturas ou a que limita a entrada de presos na Pecan 2?", questionou.
Por fim, Schirmer disse que respeita o Poder Judiciário.
Trechos do despacho
1 Segundo a juíza Patricia Fraga Martins, a Pecan 2 hoje em pouco se diferencia dos lugares onde os presos estavam recolhidos, referindo-se às delegacias e viaturas. Na decisão, ela diz que a comida é fornecida pelo Central e pela Pecan 1, as roupas são limpas na lavanderia da Pecan 1, faltam produtos de higiene e limpeza, não há estrutura de saúde, educação ou trabalho.
2 Com base em informações da última inspeção feita junto aos presos levados para a Pecan 2, a juíza reforça que trocar as pessoas de um lugar para outro, que não está pronto, significa igual violação aos direitos humanos, o que não pode ser permitido. Ela relata que alguns presos disseram estar pior do que de onde vieram.
3 A magistrada fixou a ocupação máxima em 300 presos (número de recolhidos ontem) podendo aumentar em 20 presos a cada 10 dias se o Estado cumprir em sete dias o início do trabalho de um advogado, um médico e um enfermeiro. E, em 10 dias, projetos para cozinha/alimentação, lavanderia e ambulatório. Se não cumprir, o teto será fixado em 144 presos.
4 Por fim, a magistrada determina que a triagem dos presos deve ser feita por uma equipe técnica da Pecan 1 e/ou Pecan 2, obrigatoriamente entre presos não pertencentes às facções criminosas e, preferencialmente entre presos, primários, sem anterior ingresso no sistema prisional, e não pela Brigada Militar.

O desabafo do secretário da segurança

Presos em DPs
Há 16 dias, demos fim a um quadro de superlotação das carceragens das delegacias de polícia e custódia de presos em viaturas com a abertura parcial da Pecan 2. A medida, que atendeu a determinação judicial para a remoção imediata de detentos destes locais, possibilitou a liberação de veículos e de efetivo policial militar e que os policiais civis retornassem à normalidade.
Triagem rigorosa
O modelo de gestão da Pecan 2 seguiu os mesmos critérios da Pecan 1, estabelecendo rigorosa triagem e seleção de presos por parte da Susepe. Fosse apenas uma operação de transferência, sem nenhum critério, a Pecan 2 teria sido lotada em horas. Passadas duas semanas, 300 presos ocupam o espaço para 805 vagas.
Facções criminosas
É possível afirmar que não há, como relatado pela juíza Patrícia Fraga Lima, um cenário de possível dominação por parte de facções criminosas na estrutura recém inaugurada. E, se há preso ligado a alguma facção, como referido pela magistrada, solicito que a mesma informe imediatamente o nome deste à Secretaria da Segurança para que as medidas cabíveis sejam tomadas. Entendemos que a postura deveria ser de cooperação, e não da crítica imprecisa e genérica.
Incoerência
Equivocadamente, a drª. Patrícia interdita a Pecan 2, sob a alegação de que o local não oferece as mínimas condições de higiene, segurança, atendimento de saúde e oferta de alimentação. Absoluta incoerência. Basta analisar o texto da própria decisão que aponta para o fato de que os serviços estão, sim, sendo prestados. Não está faltando alimento, banho ou roupa lavada. Dar fé a conversas com apenados, que relatam serem piores as condições de uma penitenciária do que as enfrentadas anteriormente, onde os mesmos permaneciam dias a fio algemados a grades, é menosprezar a inteligência daqueles que leram o documento da 2ª Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre.
Respeito ao Judiciário
Cabe, ainda, relembrar o que era debatido há poucas semanas. À época, a situação dos presos na Região Metropolitana era considerada tortura. Hoje, no entanto, parece que violar a dignidade da pessoa seja alocá-la em estruturas que lhe garanta um teto, uma cama, comida e higiene pessoal - situação, muitas vezes, melhor do que os lares que habitam milhares de gaúchos.
Recebo a decisão da juíza Patrícia com incredulidade e informo que a encaminhei à Procuradoria Geral do Estado para as providências cabíveis.
José Luís Costa / ZH

Sem surpresas

Como disse certa vez o juiz-corregedor do Tribunal de Justiça Alexandre Pacheco, o que acontece em Canoas é o exemplo da incompetência do Estado em gerir o sistema prisional. O complexo de 2,8 mil vagas deveria estar em operação, segundo uma das tantas promessas de governantes, em novembro de 2014. Ou seja, há três anos.
O funcionamento pleno da cadeia esbarra em um festival de erros e desmandos. Foi construída sem licitação (com aval do Judiciário, é verdade), teve problemas com licença ambiental, com estação de esgoto e de energia elétrica, verba da prisão foi gasta para pagar salários de servidores, e faltou dinheiro para pavimentar a rua de acesso. Estruturalmente, o complexo oferece riscos de fuga. Faltam muros e bloqueadores de celulares, e o número de agentes penitenciários e de PMs para a segurança é ínfimo. E isso que uma das promessas, registrada em documento assinado, era criar uma batalhão especial da BM para guarnecer o entorno.
A Pecan 1, inaugurada após dois anos e sete meses do início da construção (deveriam ser seis meses de obras), foi aberta em março de 2016. O Estado demorou em ocupar as 393 vagas, alegando que só iriam para lá presos de perfil moderado, sem vínculo com facções e interessados na reinserção social. O critério se mostrou adequado. A cadeia é exemplo de administração, e o mesmo modelo de gestão está previsto para as Pecan 2, 3 e 4.
Mas a incapacidade de gerir o sistema impede o Estado de cumprir o que promete. As unidades 2, 3 e 4 não estão completamente equipadas, embora em obras desde abril de 2014. Pressionado pelas vergonhosas cenas de presos amontoados em viaturas e até algemados a lixeiras, o Estado começou a empilhar presos na Pecan 2, mesmo sem cozinha, posto de saúde, salas para trabalho e estudo e com escassez de artigos de higiene e limpeza.
Assim, ninguém pode se surpreender com a interdição parcial da cadeia, determinada ontem pela juíza Patrícia Fraga Martins, da Vara de Execuções Criminais da Capital. A medida judicial tem de ser encarada como um alerta. O Estado tem o dever de abandonar a letargia e colocar as quatro cadeias de Canoas em funcionamento. Afinal, o complexo é a principal solução para desafogar o Presídio Central.

sábado, 23 de setembro de 2017

Caos prisional

Enquanto 156 presos aguardam em delegacias, governo anuncia 144 vagas na penitenciária de Canoas.

Suspeitos de crimes estão alojados em sete cidades da Região Metropolitana.

sábado, 12 de agosto de 2017

Susepe desorganizada. Um complexo prisional, uma cadeia de falhas

Penitenciária de Canoas, uma promessa de sete anos sem prazo para ser cumprida

Obra se arrasta por diferentes governos e retrata como a burocracia emperra construções. A primeira das quatro unidades deveria ter ficado pronta em nove meses, mas levou dois anos e sete meses. As outras três sequer têm prazo para serem concluídas

Por: José Luis Costa/ZH
Foto: Omar Freitas / Agencia RBS
Em janeiro de 2013, o então vice-presidente da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), Eugênio Couto Terra, saudou assim a construção da Penitenciária de Canoas:
"Tomara que este seja o ano da virada e que possamos chegar ao seu final dizendo que foi um novo e diferente capítulo para a história do sistema prisional."
Acreditava-se que o Rio Grande do Sul vivia a maior crise nas cadeias, necessitando com urgência de novas prisões. O déficit superava 10,7 mil vagas, com 4,3 mil apenados em casa por falta de espaços em albergues.
A frase do juiz Couto Terra foi citada no acórdão do Tribunal de Justiça do Estado (TJ-RS) que autorizou a construção com dispensa de licitação da Penitenciária de Canoas 1 (Pecan 1) para 393 presos. 
A empresa escolhida foi a Verdi Sistemas Construtivos, que dispunha da tecnologia exclusiva para erguer com rapidez o empreendimento aos moldes de como desejava o Estado, com custo inferior ao de outras empreiteiras. A obra se justificava sem concorrência em razão da necessidade de ações imediatas para minimizar o quadro caótico das prisões, sobretudo do Presídio Central de Porto Alegre, alvo de denúncia à Organização dos Estados Americanos (OEA), por causa das péssimas condições.
A Pecan 1 foi a primeira penitenciária do complexo instalado em uma área de 50 hectares de mata de eucalipto doada pela prefeitura de Canoas ao governo do Estado em 2010. Outras três prisões — Pecan 2, 3 e 4 — para 2,4 mil presos seguiram a mesma decisão do TJ. O custo total superou R$ 117 milhões. A estimativa inicial era de nove meses de trabalho para erguer a Pecan 1, mas levou dois anos e sete meses para o ingresso de presos. As redes de água potável e de esgoto cloacal e pluvial que deveriam estar prontas em 2014, conforme o Estudo de Impacto de Vizinhança para o complexo, só foram conectadas à tubulação da Corsan em fevereiro de 2016. No mês seguinte, a Pecan 1 recebeu presos e logo lotou. As obras das outras três unidades começaram em abril de 2014, com seis meses de atraso. Eram para ficar prontas em 180 dias, mas levaram três anos e três meses.
A ocupação tímida começou em julho de 2017, com déficit no sistema prisional gaúcho 30% maior do que em 2013, ano em que o juiz Couto Terra acreditava que a crise nas cadeias seria superada.
"O sentimento de frustração é muito grande. O problema do sistema prisional é crônico no país. Historicamente, não é tratado como prioridade pelos governos" — lamenta o magistrado, atualmente na 10ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre.
Chuvas, falta de sistema elétrico, desnível e licitações desertas
Uma série de falhas e percalços atravancou as obras das Pecan 2, 3 e 4. A licença ambiental demorou 180 dias, sendo obtida no mês em que a obra deveria estar pronta. Faltava, ainda, uma casa de força para interligar a energia elétrica do complexo, o que atrasou em 10 meses as obras, e chuvas paralisaram os trabalhos por mais 60 dias. As três unidades estão em uma área de várzea, cerca de oito metros abaixo do nível da Pecan 1 — o que exigia uma estação elevatória de bombeamento do esgoto cloacal e pluvial até a tubulação da Pecan1, para, depois, lançar na rede da Corsan. Um sumidouro chegou a ser sugerido, mas foi rejeitado pela prefeitura de Canoas por ferir a lei ambiental.
Não se sabe exatamente quando o Estado se deu conta do problema, mas, em dezembro de 2015, o Piratini criou uma força-tarefa para acelerar projetos prisionais, e a estação elevatória de esgoto entrou na pauta. Um ano depois, duas licitações foram abertas e nenhuma empresa se candidatou. Em recente audiência pública na Assembleia para discutir o assunto, o deputado Ronaldo Santini (PTB), que presidiu a Comissão Especial da Segurança Pública, criticou a demora da obra e disse que o engenheiro responsável pelo projeto sem a estação elevatória deveria ser "preso e o primeiro morador da cadeia".
Em março de 2017, a Corsan assumiu o serviço e, conforme o governo do Estado, a conclusão está prevista para 25 de agosto. A pavimentação e a iluminação da estrada de acesso ao complexo prisional de Canoas, previstos no Estudo de Impacto de Vizinhança para serem concluídas em 2014, foram interrompidas em outubro daquele ano. O R$ 1,8 milhão, repassado pelo Estado a uma empreiteira por meio de convênio com a prefeitura de Canoas, foi suficiente apenas para um trecho de asfaltamento e, mesmo assim, a conta com a empresa só foi quitada pelo Estado em outubro de 2015. Uma das razões para isso foi que os recursos reservados em 2014 para o complexo prisional foram gastos com pagamento da folha salarial de servidores.
A continuidade da pavimentação da estrada até as penitenciárias 2, 3 e 4, indispensável para o funcionamento, deveria ser retomada em junho de 2016, mas o Estado destinou, novamente, R$ 1,8 milhão, valor aquém do preço de mercado. Duas licitações abertas pela prefeitura de Canoas restaram desertas porque o custo chega a R$ 2,5 milhões. Sem candidatas para a obra, a administração municipal abriu um desvio de chão batido coberto de brita e rachão até o portão das prisões, e pediu ao Estado os R$ 700 mil para inteirar o preço do serviço — o valor foi negado pelo Piratini, que entendeu que o convênio não podia ser aditado. A prefeitura, então, por conta e risco, decidiu assumir a obra sem o dinheiro, acreditando na promessa do Estado de pagar a diferença por meio de outros repasses.
"Estamos refazendo o edital que deve estar na rua neste mês (em agosto), e a previsão de conclusão da obra é de 90 dias, após a contratação da empresa" —afirma o prefeito Luiz Carlos Busato (PTB).
Há dois anos, três módulos estão 99% prontos e vazios
Os módulos 2, 3 e 4 estão 99% prontos desde julho de 2015. A demora em ocupar as prisões tem relação direta com presos amontoados em viaturas, tira PMs do patrulhamento de rua, lota e tumultua Delegacias da Polícia Civil Estado afora. Desde o segundo semestre de 2015, conforme a promessa do governo brasileiro à OEA, o complexo de Canoas estaria em operação, o que aliviaria a crise no Presídio Central de Porto Alegre, alvo de denúncia na também Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Por ordem da Justiça, o Central só pode receber presos provisórios (sem condenação). O presídio segue superlotado e produzindo situações insólitas como a que envolve o assaltante Maicon de Mello Rosa, 25 anos, denunciado pela morte do policial Rodrigo Wilsen da Silveira, 39 anos, em Gravataí, em junho. Em ação judicial, Maicon exige R$ 60 mil do Estado a título de indenização por já ter ficado preso no Central em condições degradantes.
O complexo de Canoas está 19% ocupado. A Pecan 2 tem 144 presos. As prisões 3 e 4 seguem fechadas sem previsão de abertura. Contrário à realização da obra sem licitação, o procurador-geral do MP de Contas, Geraldo da Camino, lamenta a situação.
"Questionamos contratações sem licitações para construção de presídios desde 2010. Dizíamos que não se tratava de situação de emergencialidade, nos termos da Lei 8.666/93, mas de graves deficiências de planejamento, devendo ser realizadas licitações. Os problemas hoje constatados confirmam o acerto daquele posicionamento. Se as licitações tivessem sido realizadas, com projetos básicos e executivos efetuados adequadamente, provavelmente o sistema carcerário já dispusesse dessas vagas, hoje ainda mais criticamente necessárias."
O juiz-corregedor Alexandre Pacheco, coordenador do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do TJ, é enfático:
"O que está acontecendo em Canoas é reflexo da incompetência do Estado em gerir o sistema prisional."
O presidente do Sindicato dos Servidores Penitenciários do RS (Amapergs-Sindicato), Flávio Berneira, concorda:
"A verdade é que não tem gente. Se fizer esforço, é uma questão de dias para terminar essa obra. Se inaugura hoje, não tem funcionário. Para não ficar tão feio, é melhor atribuir a outros problemas."
CONTRAPONTOS

O que diz Yeda Crusius, governadora entre 2007 e 2010:
"A questão da segurança, como evoluiu, mostra que estávamos nos antecipando aos problemas. Nosso projeto foi sepultado. A gente paga pelas escolhas. O governo atual está com o cofre vazio e furado. Tudo que entra, sai. Herdou uma situação fiscal que o impede de fazer as coisas. Tenho muita pena do que está acontecendo. Quem paga é a população. A situação na segurança pública é grave.

O que diz Gelson Treisleben, superintendente da Susepe entre 2011 e 2014:
Sobre o projeto
"Infelizmente, não conseguimos concluir o complexo na nossa gestão. Não reconheço erro no projeto. Foi analisado por técnicos habilitados e considero bom projeto. É lógico que se, no decorrer da existência do estabelecimento prisional, for constatado algum erro, que se faça adequação. No primeiro momento, o sistema de bombeamento de esgoto não estava no projeto, mas durante a obra foi constatado e consultada a PGE para o bombeamento, a eletrificação e o arruamento. Fiz obra para 2,8 mil vagas. Está lá, pronta. O que é o mais difícil. Quanto tempo leva para fazer o bombeamento do esgoto? É só por falta de esgoto? Por que a Pecan 2 só tem 144 presos? Se eu estivesse lá, o esgoto seria o menor dos problemas."


Sobre muros e guaritas
"Existe normativa do Departamento Penitenciário Nacional que sugere não ter muros. Acredito nos técnicos da Susepe, não só da engenharia, mas também do departamento de segurança. Se entenderam que não era necessário guaritas naquele local (área administrativa), tem de respeitar a posição deles. Daqui a pouco, vão querer fazer um buraco e colocar jacaré como na idade média."


O que diz Cezar Schirmer, titular da SSP:
- Sobre obras do complexo
"Na verdade, essa é uma história cheia de capítulos, uma novela antiga, que peguei andando. Quando assumi (em setembro de 2016), percebi que era um problema. Identifiquei 14 itens não resolvidos e perguntei quais são indispensáveis para abrir. Era pessoal, esgoto e a abertura do acesso, e isso está sendo resolvido."


Sobre contratação de agentes
"O concurso está em andamento com 720 candidatos. Uma das razões para não abrir todo o complexo é a falta de pessoal. Antes era o esgoto, mas está em vias de resolver. A Corsan prometeu entregar a obra para todo o complexo em 25 de agosto. Aí vamos começar a ocupar a segunda galeria da Pecan 2. Vamos abrir progressivamente, pagando diárias e horas-extras para servidores."


- Sobre ocupação 100% do complexo
"O custo de operação é de R$ 9 milhões por mês. Tem processo que envolve finanças, pessoal. Não posso dar uma data. As provas do concurso já se encerraram. Agora está sendo feita análise da vida pregressa dos candidatos. Depois, tem o curso. Só posso dar o cronograma depois de homologado o concurso. A ideia que se tem é ocupação progressiva, com a seleção de presos. Mobiliário e computadores estão comprados. Estamos comprando uniforme, tênis, jaqueta, chinelo, moletom, camiseta, calça. Já tem licitação na rua, com prazo de 30 dias. Estamos adquirindo cozinha, lavanderia e material de atendimento médico, veículos, scanner corporal, equipamento de videomonitoramento, com prazo para 60 dias. Coletes balísticos, algemas e equipamentos de segurança, em 45 dias."


Sobre bloqueador de celulares
"Nosso desejo é instalar, não só em Canoas, mas em outras penitenciárias. Tivemos reunião recente entre secretários de segurança e de administração penitenciária com o ministro da Justiça e surgiram questões envolvendo operadoras. É um problema geral em todo o país. Voltaremos a tratar do assunto, em Brasília, dia 16."


O que diz a Susepe:
A Susepe informou que se pronunciará na segunda-feira (14).

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Justiça do RS faz projeto-piloto de videoconferência com réus presos

Primeira audiência ocorreu com detento na cadeia, e testemunhas no Foro.
Expectativa é que tempo de julgamento seja reduzido pela metade.

Do G1 RS
Audiência de preso por videoconferência é testado pela primeira vez em Canoas, no RS (Foto: Marjuliê Martini/Ministério Público
A primeira audiência-piloto por videoconferência de um réu preso no Rio Grande do Sul ocorreu nesta terça-feira (19) na 2ª Vara Criminal do Foro de Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre, com presenças de testemunhas. O detento foi ouvido direto do Presídio Central, na capital.

A juíza que presidiu a audiência inaugural foi Patrícia Pereira Krebs Tonet. O juiz-corregedor Leandro Raul Klippel, que coordena o projeto das salas multiuso, também esteve presente. Em maio, também no Foro de Canoas, foi inaugurada a Sala de Audiência Multiuso, que na ocasião marcou a ampliação do depoimento especial de crianças e adolescentes vítimas de violência no estado.

O objetivo do projeto é acelerar os julgamentos. "A expectativa é que o tempo de julgamento de réus presos se reduza pela metade. Hoje, os processos que deveriam demorar seis meses, demoram um ano", salientou a magistrada Patrícia Pereira Krebs Tonet.

Segundo a juíza, nos últimos meses dezenas de audiências foram adiadas por problemas no serviço de escolta da Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe). Os problemas relatados são falta de agentes e até de veículos para a condução dos presos.

"Foi exatamente como é uma audiência, cumpriu bem o papel que se esperava, e agilizará o andamento dos processos, que é o mais importante porque temos muito represamento em virtude da Susepe não conseguir fazer o transporte de todos os presos", analisou a promotora Renata Pinto Lucena.

Atualmente, o projeto-piloto está em desenvolvimento apenas no Presídio Central, onde foi instalada uma sala especial com o sistema de vídeo e um parlatório com telefone criptografado - para que o réu converse privativamente com o seu defensor sem que a conversa seja ouvida pelos demais participantes da audiência. A intenção é que o sistema seja implantado também no Complexo Prisional de Charqueadas.

Nos próximos 30 dias, já estão agendadas na 2ª Vara Criminal de Canoas 15 audiências por videoconferência de réus que estão presos esperando julgamento.

Além das 25 salas multiuso já existentes no estado, e que receberão novos equipamentos digitais de videoconferência, 18 novos espaços serão instalados em comarcas do interior.

Como funciona
A transmissão é feita via intranet. Há três câmeras, duas na sala de multiuso e uma na sala onde está o réu. O juiz pode movimentar as câmeras em um ângulo de quase 360°, para ter a garantia de que o réu não está sendo coagido durante o depoimento.

Cada oitiva é gravada com o comando do magistrado. A troca de câmeras acontece por comando de voz, focando sempre em quem está falando no momento da transmissão para a gravação.

O vídeo gravado fica disponível no sistema de processo eletrônico, para o acesso de promotores de Justiça e advogados, mas um CD contendo os arquivos também fica disponível no processo em meio físico.