O CP passou por alterações, mas especialista acredita ser necessário
muito mais para atualizá-lo
Eduardo Velozo Fuccia / A Tribuna
Traficante e viciado já foram equiparados com o mesmo tratamento penal.
Traição conjugal era considerada crime de adultério. Manter relação sexual
consentida com mulher virgem maior de 14 anos e menor de 18, aproveitando-se de
sua suposta ingenuidade ou confiança, caracterizava o delito de sedução.
Já revogadas, essas situações eram previstas na redação original do
Código Penal (CP), que nesta segunda-feira (7) completa 75 anos de edição,
embora tenha entrado em vigor no dia 1º de janeiro de 1942. O mais importante
diploma legal em matéria penal do Brasil sofreu várias alterações ao longo do
tempo e perdeu crimes para leis específicas.
Um exemplo dessas perdas, os compositores Moacyr Bombeiro e Popular P.
transformaram em versos, na letra de Malandragem dá um tempo. Imortalizados na
voz do sambista Bezerra da Silva e na regravação do grupo Barão Vermelho, eles
contam que “o 281 foi afastado, o 16 e 12 no lugar ficou (sic)”.
Para quem não tem familiaridade com o universo jurídico, cabe a
explicação: 281 era o artigo do CP que tratava sobre o “comércio clandestino ou
facilitação de uso de entorpecente”, não diferenciando as figuras do usuário e
do traficante. Porém, com o advento da Lei 6.368, de 1976, ele foi revogado.
Primeira a tratar especificamente sobre a questão das drogas, a nova
legislação previu com penas distintas nos artigos 12 e 16, respectivamente, as
condutas de quem trafica e de quem apenas porta drogas para consumo próprio. A
Lei 6.368/76 foi substituída pela 10.409, de 2002, que, por sua vez, foi
revogada pela Lei 11.343, de 2006.
Duas partes
Outros crimes tratados inicialmente no CP também migraram para leis
penais esparsas, como são chamadas aquelas que não estão embutidas no código.
Atualmente, elas passam de 100. Como alguns exemplos, podem ser citados o
Estatuto de Desarmamento, a Lei de Crimes Hediondos e o Código de Trânsito
Brasileiro.
Elaborado durante o Estado Novo, no Governo de Getúlio Vargas, o CP tem
duas partes: a Geral, que dispõe sobre a aplicação da lei penal e foi
completamente repaginada com a reforma instituída por lei de 1984, e a
Especial, que define os crimes e estabelece as suas penas, sendo alterada
pontual e gradativamente.
Algumas transformações do texto original do CP decorrem de
comportamentos antes reprimidos, que passaram a ser socialmente aceitos ou
tolerados. O fato de o código ser de um tempo no qual não se cogitava o crime
como atividade empresarial, como se verifica atualmente nas facções criminosas,
contribui para outras mudanças.
Entrevista
Doutor e mestre em Direito Penal, respectivamente, pela Universidade
Complutense de Madri e pela Universidade de São Paulo, o cientista criminal
Luiz Flávio Gomes não reúne apenas experiência acadêmica. Também militou como
promotor de Justiça, juiz de direito e advogado, acumulando visão ampla sobre a
matéria.
Em entrevista para A Tribuna, Luiz Flávio discorre sobre os 75
anos do CP e defende a edição de um novo código, mas salienta que, por si só,
uma nova legislação não é suficiente para solucionar problemas. “Não basta uma
lei moderna. As pessoas têm que ter certeza do castigo, o que não acontece no
Brasil”, justifica.
Considerando o seu tempo de existência, o contexto histórico do País na
época de sua elaboração e as alterações já sofridas, o Código Penal está
ultrapassado ou só virou uma colcha de retalhos?
Extremamente desatualizado. Hoje há mais crimes fora do Código Penal do
que dentro. São tantas as leis especiais, que ele se tornou subsidiário. A
legislação penal no Brasil está confusa.
Eventual edição de um novo CP, mais moderno e adequado à realidade,
surtiria o efeito desejado, ou dependeria da atualização de outras legislações,
como a Lei das Contravenções Penais, o Código de Processo Penal e a Lei de
Execução Penal?
Por si só, o Código Penal não previne a delinquência, porque o crime
existe com ou sem ele. Não existe estrutura para aplicar a lei e a polícia deve
ter melhores condições. A grande maioria dos delitos não é investigada e
processada. Impera a impunidade. Mas sou a favor que se revogue a Lei das
Contravenções Penais e tudo seja juntado em um só código.
Então, o senhor defende a extinção das leis especiais, que tratam sobre
determinados crimes, para tornar a legislação penal mais enxuta e melhor
sistematizada?
Sim, tudo estando no Código Penal facilitaria. Mas também é preciso
preencher as lacunas existentes, porque não existe no Brasil, por exemplo, o
crime de terrorismo. Também é preciso revogar, como já disse, as contravenções
e os crimes que deveriam ser tratados como infrações de mero caráter
administrativo, como o do Artigo 164 (introdução ou abandono de animais em
propriedade alheia).
Em linhas gerais, um novo código penal deveria ser guiado por quais
diretrizes?
Todos os crimes que envolvam a vida humana, que são violentos, devem ter
uma execução (regime de cumprimento de pena) mais severa. Para o resto, penas
alternativas são suficientes. A exceção fica por conta dos delitos relacionados
à corrupção, cujo empobrecimento do réu é pena mais eficaz do que a prisão.
Nestes casos, o criminoso deve perder tudo.
E o tráfico de drogas?
O empobrecimento do réu também é a melhor solução, porque os traficantes
objetivam lucro e muitas vezes atuam com estrutura de empresa. As penas devem
ser mais rigorosas apenas quando o crime envolver menores.