Projeto Caminho da Luz é tentativa de
ressocialização, em unidade que abriga 2,1 mil detentos
Leticia Mentes/ZH
Reciclando até pensamento. Esse lema guia um projeto implantado na
segunda maior casa prisional do Rio Grande do Sul. A Penitenciária Estadual do
Jacuí (PEJ), em Charqueadas,
na Região Carbonífera,
reciclou de janeiro a novembro deste ano 46,3 toneladas de lixo. Papelão,
plástico e caixas de leite estão entre os principais resíduos reaproveitados.
Por trás do número, está o projeto Caminho da Luz, que, além de garantir que
encarcerados tenham oportunidade de trabalho, busca melhorar a sanidade e
preservar o ambiente na prisão, com cerca de 2,1 mil detentos.
À frente
da iniciativa está o major Fabiano Henrique Dorneles, há quase três anos como
diretor da PEJ. Atualmente, 42 presos estão envolvidos nas atividades da usina
de reciclagem, que já havia sido instalada de forma tímida em 2010, mas desde o
ano passado foi ampliada, quando passou a integrar o Caminho da Luz. A unidade
prisional produz, em média, 16 toneladas de lixo por mês — em setembro a
reciclagem alcançou o maior número e ultrapassou as seis toneladas mensais. A
separação do material inicia já dentro das galerias, até chegar à usina, onde
ocorre o preparo dos resíduos a serem coletados.
O lucro obtido com a comercialização para uma empresa é dividido:
metade para os detentos que trabalham ali e outra para a penitenciária. Os
recursos são destinados para melhorias na usina ou custeio de reparos na
prisão. Um dos projetos que deve ser beneficiado com os valores é a construção
de um novo canil. A iniciativa, que não contempla somente a reciclagem,
passa também pela educação dos detentos, e outras atividades, que buscam o fortalecimento
dos vínculos familiares e o combate à dependência química.
O
principal objetivo, explica o diretor, é aumentar as chances de que os presos
possam ali dentro evoluir como cidadãos.
"Estamos tentando fazer com que essas pessoas saiam um pouco melhor do que chegaram aqui" — diz o major.
Além de
fomentar a ressocialização, o projeto desenvolvido com a usina também ajuda a
melhorar a condição sanitária da prisão. O acúmulo de lixo, em geral, acaba
resultando na presença de ratos, baratas, e no desenvolvimento de doenças.
"Isso é um ciclo do bem. Além da parte sanitária e ambiental, que é fundamental, melhora a autoestima do preso. Trazemos para trabalhar aqueles que têm dificuldades financeiras. Com esse dinheiro, podem adquirir materiais de higiene. O grupo que trabalha junto acaba se aconselhando. Ficam melhores, mentalmente. O grupo se auto recicla" — enfatiza o diretor.
A PEJ
mantém outras iniciativas, como uma horta comunitária, na qual parte da
produção tem como destino um asilo de Charqueadas.
No total, cerca de 600 apenados estão envolvidos em atividades de trabalho
dentro da casa prisional.
Para participar do projeto, é necessário que o próprio preso
demonstre interesse. O perfil de cada um dos detentos é avaliado pela casa
prisional, definindo em qual função pode ser encaixado. Um dos apenados, que
está há seis meses no projeto, antes de ir para a prisão, há dois anos,
trabalhava como gari.
"Significa o começo de uma nova vida, desde aqui de dentro até a hora de eu sair" — afirma, sobre o projeto.
Além do
valor recebido com o lucro obtido, o detento é beneficiado com a redução da
pena. A cada três dias de trabalho, tem um descontado do tempo que precisa
cumprir na prisão. Um dos presos, há dois anos na reciclagem, quando sair,
espera ter outra vida.
"A primeira coisa é encontrar um serviço e voltar à sociedade, como uma pessoa normal. Não como era antes. Mas sim uma pessoa mudada" — diz.
Judiciário
Juiz da
Vara de Execuções Criminais (VEC) de Novo Hamburgo,
Carlos Fernando Noschang Junior enfatiza que o sistema prisional e a segurança
pública estão diretamente ligados. Por isso, entende que iniciativas de
ressocialização — previstas inclusive na Lei de Execuções Penais, embora
nem sempre funcionem na prática — devem ser fomentadas, para que se
multipliquem, numa tentativa de coibir os tentáculos do crime.
"Da forma como o preso for tratado, é como ele vai retornar para a sociedade. Se for cooptado por facção, vai sair do presídio devendo, e voltar cometendo delitos para pagar as dívidas. Se for acolhido pelo Estado, e tiver oportunidade de se capacitar, a tendência é de que volte mais humanizado. Tenha oportunidades que talvez ele nunca teve na vida. Ele pode voltar e atentar contra a sociedade ou somar-se à comunidade" — afirma.
A
destinação de recursos, por meio do fundo de penas pecuniárias, é uma das
formas que o Judiciário tem de incentivar esse tipo de projeto.
"O trabalho é uma oportunidade para eles demonstrarem que podem retomar o convívio em sociedade. Preso recuperado, ressocializado, é uma arma a menos na cabeça da comunidade" — ressalta o juiz.
Outras iniciativas
A PEJ não
é a única a manter projetos voltados para a reciclagem, que permitem aos presos
ter ocupação dentro do sistema. No Complexo Prisional de
Canoas, com capacidade para até 2,4 mil detentos, cerca de
17 mil caixas de leite são recicladas no mês. O projeto iniciou no ano passado
com a confecção de esteiras para moradores de rua.
Atualmente,
o material segue usado na produção de esteiras de isolamento térmico, mas as
doações são para famílias em situação de vulnerabilidade. Para cada esteira,
são utilizadas 10 caixas de leite. Os produtos são entregues a uma ONG de Canoas,
que faz o repasse dos materiais usados no isolamento de moradias.
Além dessa iniciativa, no complexo há outros projetos como a produção de nichos, prateleiras e estantes, com madeira reutilizada. A unidade mantém também apenados trabalhando na produção de móveis e estofados, roupas impermeáveis e cultivo de frutas e verduras.
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