Juan L. Irigoyen
Belo Horizonte
Tostão, em 2016. BOB WOLFENSON (DIVULGAÇAO) |
Pergunta. Quantas vezes você se perguntou como teria sido
sua carreira se não se aposentasse aos 26 anos?
Resposta. Poderia
ter jogado por muito mais tempo. Lamentei muitíssimo quando me disseram que não
poderia voltar a jogar, mas no dia seguinte já estava na porta da escola para
voltar a estudar. Era uma nova oportunidade para a minha vida. Eu gostava de
ler, eu gostava de estudar e tinha outras inquietações. Joguei futebol por 10
anos como profissional. Atuei como médico por mais de 20 anos. Fui professor. E
de alguma maneira voltei para o futebol, eu o escrevo. Não posso me queixar.
P. Foi melhor como médico ou como jogador?
R. É diferente… Fui um bom médico. Fui um bom
jogador. Estive na seleção brasileira, estive ao lado do Pelé, o melhor jogador de todos os tempos. E joguei
naquela que possivelmente foi a melhor seleção da história. Como médico e
professor, fiz uma carreira com muita seriedade e respeito.
P. O que acha do Neymar?
R. Acho que tem tido um comportamento desnecessário e irresponsável. Vive da fama. Ficou
muito convencido, parece um pop star… E tudo isso foi ruim para a sua carreira.
Mas são as escolhas dos jovens de hoje em dia. São muito diferentes dos do
passado. E não é o único. Messi é uma exceção. A maioria leva uma vida
irresponsável, cheia de problemas.
P. O que ele precisa fazer?
R. Seria
bom que mudasse, que tivesse um comportamento mais correto fora de campo. Ele
treina muito, prepara-se muito bem para cada jogo. Se não fizesse isto, a
situação seria muito pior. Ouço as pessoas dizerem que o Neymar fracassou…
P. E fracassou?
R. Como assim fracassou? Eu vi quase todos os seus
jogos no Santos, no Barcelona e no PSG. Quase todos. E em quase todos jogou
muito bem e foi o destaque. Cada vez que vejo um jogo dele, inclusive pela
seleção, é assim. Como se pode dizer que ele fracassou? Demonstra todo o seu
talento, mas não tem a regularidade do Messi, do Cristiano
Ronaldo ou de outros jogadores, porque teve lesões graves. Nos
últimos anos, nos momentos mais importantes para ele, estava contundido.
P. Isso não é culpa dele?
R. Contusão são contusões. Não dependem muito dele. É
um jogador espetacular, espetacular, espetacular. Digo três vezes porque é
assim. Espero que volte para o Barcelona. Se voltar, terá as condições, dentro
e fora do campo, de voltar a jogar como já jogou antes, num nível altíssimo.
P. Fale-me de Messi.
R. O melhor jogador do mundo é claramente Messi. É
muito completo. É um magistral passador, um magistral artilheiro, um magistral
driblador… muito completo. O Cristiano Ronaldo, por sua vez, é um magistral
finalizador. O Cristiano é mais completo como finalizador, e o Messi como
jogador. Só que, na seleção, o Messi não teve a oportunidade de ganhar nada
importante. Ele é tão bom que acredito que haja uma parte da torcida brasileira
que quer que ele ganhe a Copa. Gosta mais do Messi que da seleção brasileira.
P. Messi precisa ganhar para superar Maradona?
R. Se só os analisarmos tecnicamente, Messi é melhor
que Maradona. É mais regular, joga há mais de 10 anos num muito alto nível, fez
mais gols, deu mais passes… É muito mais completo. Diego era mais artístico,
era um Ronaldinho melhorado. Mas como Maradona ganhou a Copa, foi o melhor
jogador no México [em 1986] e fez o gol mais bonito da história, é normal que
para muitos argentinos Diego seja superior a Messi. Por mais que Leo não ganhe
nada com sua seleção, para mim será o melhor da história depois do Pelé.
P. O que tinha Pelé?
R. Pelé tinha algo que Messi não tem, a força física. Era
um touro. Quando precisava, empurrava aos zagueiros, se chocava com eles. Tinha
muita técnica, habilidade e criatividade, como Messi tem, mas era mais forte. E
quando as coisas não saíam bem, Pelé ficava uma fera. Messi é mais tranquilo
nesse sentido.
P. Na Argentina, dizem que falta liderança a Messi.
R. Pelé não era um líder. Mas tinha muita força
psicológica. Quanto mais difícil ficava o jogo, mais agressivo ele ficava. Acho
que isso é uma vantagem sobre Messi.
P. Onde assistiu ao 7 x 1 da Alemanha sobre o Brasil em 2014?
R. Na minha casa. Estava paralisado. Foi a maior
catástrofe futebolística de todos os tempos. Meu filho estava no estádio e me
ligou chorando. Eu achava que podia ser a gota d’água para que o Brasil se
transformasse, dentro e fora do campo. Para criar uma organização mais
eficiente, para que haja dirigentes mais honestos, mas isso não aconteceu. O
Brasil continua administrado pela mesma gente. E, dentro de campo, tampouco
houve uma grande mudança. A maioria dos técnicos brasileiros não entendeu que o
futebol precisa evoluir. Trataram [o 7 x 1] como um acidente, e não como um
fato sintomático. Foi o carimbo de uma época que precisa ser transformada. É
preciso parar de pensar no que fomos e pensar no hoje. O positivo é que estão
vindo jogadores com muita qualidade individual. O Brasil continua sendo uma
fábrica de craques.
P. O que falta ao Brasil?
R. Uma das grandes deficiências foi deixar de formar
pensadores, organizadores, passadores de bola, como Falcão, Toninho Cerezo,
Gerson, Rivelino… Criou-se uma maneira de jogar em que o futebol se dividiu
entre os que marcam e jogam de zagueiros e os que atacam e são centroavantes.
Acabaram-se os meio-campistas.
P. E Arthur?
R. É uma esperança. É um renascimento desse futebol
que tinha sido abandonado. Nós carecíamos de um Xavi, de um Iniesta, de um
Kroos.
P. Tampouco a Argentina e o Uruguai formaram grandes meio-campistas
nos últimos anos.
R. É um problema sul-americano. Abandonar o
meio-campo é abandonar a criação do futebol. O grande exemplo do que
significava jogar com meias foi o Barcelona de Guardiola.