sábado, 3 de fevereiro de 2024
terça-feira, 5 de setembro de 2023
Como dois repórteres descobriram o esquema das joias de Jair Bolsonaro
Deflagrada pela Polícia Federal em 11 de agosto, a “Operação Lucas 12:2” ganhou os holofotes da imprensa brasileira ao investigar um suposto esquema de venda ilegal de joias sob comando do ex-presidente da República, Jair Bolsonaro (PL). Obtidas por meio de delegações estrangeiras, as peças foram vendidas por auxiliares de Bolsonaro no exterior quando, por lei, deveriam ser incorporadas ao acervo da Presidência da República.
© Fornecido por Agência Pública |
As
descobertas do suposto esquema começaram a vir à tona ainda em março, com a publicação de
uma série de reportagens investigativas feitas pelos
jornalistas Adriana Fernandes e André Borges. A primeira reportagem, publicada
no Estadão, relata como o governo Bolsonaro tentou trazer ilegalmente para o
país um kit de joias
presenteado pela Arábia Saudita.
O Pauta Pública convidou Fernandes e Borges para compartilhar os
bastidores desta investigação que culminou na ação da PF no episódio 86,
lançado na última sexta-feira (25).
Confira os principais pontos da entrevista e ouça o podcast na
íntegra abaixo.
O caso das joias:
como tudo começou – com Adriana Fernandes e André Borges
25 de agosto de 2023 · No podcast, jornalistas contam
bastidores da investigação que revelou o escândalo das joias
Adriana Fernandes: Essa investigação das joias
não foi algo que nos foi entregue, como frequentemente ocorre no jornalismo;
foi um trabalho investigativo. Recebemos uma informação inicial do que teria
acontecido, então sabíamos que havia uma história muito difícil de comprovar
sobre joias da Arábia Saudita retidas no aeroporto de Guarulhos e de valores
milionários, destinadas à então primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
Nós tínhamos que provar o
elo entre algumas joias que seriam leiloadas. Tínhamos pouco tempo, porque elas
poderiam ir a leilão a qualquer momento, já que haviam sido apreendidas em
2021. E foi esse o nosso trabalho inicial, montar esse quebra-cabeça e fazer
essas conexões. No primeiro momento foi difícil de acreditar, então tivemos que
fazer uma aposta nessa ‘’história das Arábias’’, que se desenrolou quase como
um roteiro de filme. Os eventos recentes provaram que estávamos no caminho
certo, e as investigações que seguiram nossa reportagem comprovam o que
aconteceu.
André Borges: A Adriana toca num
ponto que é muito importante desse bastidor jornalístico: essa história tinha
algo de muito fantástico nela, a ponto de duvidarmos de algumas coisas no
começo. Não a ponto de largar a apuração, mas falar “será que isso aconteceu mesmo?
não é possível.” Conversamos com as pessoas e detalhamos isso, até que depois
de cerca de dois meses e de tentativas por meio da Lei de Acesso, de obtenção
de informações direta com fontes, a gente viu que as coisas se confirmaram. E
para ser super honesto, elas eram até mais complexas.
AF: Complementando a fala
do André, nós não conseguimos nenhuma informação com a Lei de Acesso à
Informação. A LAI, que é tão falada sobre transparência, não nos garantiu, nem
no governo Bolsonaro, nem no governo Lula, as informações que já estavam em andamento
dentro do governo.
AB: Foi um processo de
persistência, de cuidado, inclusive, enquanto se apurava, para poder manter o
controle da informação até onde fosse possível.
Clarissa Levy: Neste
momento em que vocês trabalhavam, como foi a ligação para o então Ministro de
Minas e Energia, Bento Albuquerque? Porque vocês precisavam falar com ele.
Poderiam contar um pouco sobre isso?
AF: Havia grande preocupação de
que levássemos um “furo” da nossa própria matéria porque, devido às
movimentações que fizemos para chegar lá, informações começaram a se espalhar,
mesmo agindo de forma discreta. A matéria ainda estava em edição quando ligamos
para o Ministro Bento. Ele ficou tão surpreso que confirmou, e nós estávamos
gravando. Inclusive, ele confirmou que havia passado com o segundo kit de
maneira ilegal. Ele não percebeu que havia confirmado e disse: “Eu passei com o
outro, né? Não sabia o que tinha”. Poucos minutos depois (não me recordo do
tempo exato), ele estava na televisão, negando o que tinha nos dito naquele
dia, tentando se retratar. Mas nós havíamos gravado, então disponibilizamos o
áudio no portal.
AB: Nós queríamos que ele
comentasse os fatos. Assim, ligamos, ele atendeu, e esse áudio é uma declaração
de culpa do ex-ministro. Ele menciona que saiu, voltou para pegar o pacote e,
naquele momento, só tratávamos do que estava apreendido: os diamantes. No entanto,
ele revela, nessa ligação, no dia 3 de março, que havia saído com outro pacote,
que mais tarde identificou-se como sendo um kit de relógios, canetas,
abotoaduras, todos em ouro e incrustados com pedras de diamante.
Então, foi um desdobramento
da investigação. A partir daí, ele tentou recuar, rever sua posição, falando
com outros veículos de comunicação. Mas o áudio da entrevista já estava no ar,
que também seria confirmado com a imagem do vídeo onde ele volta e fala que as
joias eram pra Dona Michelle.
AF: Mas o vídeo surgiu algum
tempo depois. Por isso, tivemos que sustentar essas informações com outras que
conseguimos. Há uma reportagem, que considero muito relevante, publicada no
portal no sábado e no impresso no domingo, em que detalhamos toda a situação.
Clarissa Levy: Como vocês
têm acompanhado esses desdobramentos? Vocês publicaram no início de março, e já
ocorreu muito desde então. Como vocês veem essa situação e o que acreditam que
ainda pode acontecer?
AF: Acredito que toda essa trama
será esclarecida. Há personagens que permanecem em silêncio, como o próprio
Bento Albuquerque, que é muito relevante na história. Em uma reportagem nossa
de abril, já mencionávamos a importância de Mauro Cid esclarecer os acontecimentos,
mas ele ainda se mantém em silêncio. Tem aquela máxima, tem que correr atrás do
dinheiro, do caminho do dinheiro.
AB: Ainda há muitos aspectos a
serem esclarecidos e pessoas a serem ouvidas, além das que Adriana mencionou.
Revelamos, por exemplo, que muitos itens estavam armazenados na propriedade do
ex-piloto Nelson Piquet, em Brasília. Ele, que é próximo do Bolsonaro, ainda
não foi chamado para prestar esclarecimentos. Além disso, há outros militares
envolvidos; muito se fala sobre o tenente Mauro Cid, mas existem pelo menos
outros sete militares diretamente ligados às transações das joias. Agora a
gente vê o episódio que envolve os advogados do clã Bolsonaro, que estão sendo
chamados também para prestar depoimento e falar sobre o plano de recompra
dessas joias, sustentando que tudo era legal. Se eram legais, por que foram
levadas escondidas para o exterior? Por que as autoridades brasileiras não
foram informadas? Por que foram vendidas e por que tentaram recuperá-las
sorrateiramente depois do escândalo todo vir à tona?
Então tem muita coisa para
ser explicada, como entender de fato essa benevolência toda de joias do povo
árabe com o governo brasileiro, com o governo Bolsonaro. Tem muita coisa por
trás disso certamente. São linhas que a imprensa está buscando avançar, a
Polícia Federal está trazendo muito desdobramento e, com essas quebras de
sigilo, certamente não só no Brasil, como lá fora também, com a colaboração do
FBI, vai trazer muita informação nova.
Particularmente, confesso
que esse desdobramento me surpreendeu, imaginávamos que eram joias para
enriquecimento próprio. Quando vimos isso tudo, a maneira como fizeram, como se
articularam, a corrida que fizeram depois dos três pacotes para tentar recuperar…
Tem uma coisa engraçada: naquela época a gente procurava o pessoal do governo
Bolsonaro para se manifestar sobre o que estávamos divulgando. Enquanto isso,
eles estavam correndo e se articulando para recuperar os kits, estavam
preocupados de esses itens serem pedidos pela justiça ou pelo Tribunal de
Contas da União, que foi o que aconteceu. A quebra de sigilo de Mauro Cid
revelou, por meio de mensagens, uma grande operação envolvendo diversas pessoas
para recuperar as joias.
terça-feira, 18 de fevereiro de 2020
Contágio das milícias
O episódio da morte do miliciano encerra uma série de dúvidas que autoridades isentas precisam esclarecer, a fim de sanear as bandas podres das polícias e da política. O questionamento mais óbvio é sobre a adequação da conduta da força policial no cerco ao ex-capitão, para afastar ou confirmar a suspeita de queima de arquivo. Mas o país merece saber também a quem interessava a morte de um líder miliciano com conexões no submundo da sociedade fluminense.
Além disso, até o momento o senador Flávio Bolsonaro não explicou por que mantinha em seu gabinete, com salários de R$ 6.490,35 cada, a mãe do ex-PM, Raimunda Veras Magalhães, e a mulher dele, Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega. As duas deixaram o gabinete no mesmo dia, logo depois da eleição de Bolsonaro à Presidência. Raimunda também é citada em um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) por ter repassado pelo menos R$ 4,6 mil para a conta do ex-assessor Fabrício Queiroz, em outra conexão anda inexplicada.
Os segredos momentaneamente suprimidos com a morte do ex-capitão Adriano não podem desaparecer com ele. O país, a começar pela família do presidente, deve não só demonstrar repulsa absoluta à abjeta atividade das milícias, que mantêm comunidades inteiras reféns de suas extorsões. É preciso também que a surpreendente indignação do clã presidencial pela morte de um bandido se converta em apoio e cobrança das investigações sobre o grau de contágio da política por uma atividade criminosa e inaceitável como as milícias.