Conhecido pelo bom humor, o político
tem se mostrado irritado nas últimas aparições públicas
Por: Cleidi Pereira/ZH
UTI, câncer, calamidade, fundo do poço. Essas têm sido, nos últimos dois
meses, algumas das expressões utilizadas pelo governador José Ivo Sartori para
se referir à crise do Rio Grande do Sul. Há oito meses no cargo, o chefe do
Executivo, como um médico que opta por uma conduta inusitada, insiste em
enfatizar o diagnóstico do paciente. Ao ficar repetindo que o Estado é um
enfermo terminal, quem há de se animar para buscar opções de tratamento?
Após 10 dias, bloqueio às contas do Estado chega ao fim
Para especialistas, o discurso adotado pelo governador, especialmente
após o primeiro parcelamento de salários do funcionalismo, no fim de julho, não
é nada adequado para o momento em que o Estado atravessa uma de suas mais
graves crises. Entre consultores, professores, cientistas políticos e
especialistas em comunicação e gestão de crise, o consenso é de que o tom das
declarações aumenta a ansiedade e gera um clima de pânico na população.
Piratini paga nova parcela de salários. Veja como servidores passaram 11
dias com R$ 600 na conta
“Você pode dizer que a situação é grave sem alarmismo e sem mentira.
Ficar falando todo o dia que o Estado está na pior e pedir sacrifício para uma
turma só, sem cortar na carne, como também acontece no governo federal, aí a
população não acredita” — diz o consultor de comunicação João José
Forni, especialista em gestão de crise.
Em Brasília, técnicos do Tesouro Nacional discutem saídas para crise do
RS
Gaúcho radicado em Brasília, o também professor de comunicação pública
acompanha com preocupação o agravamento do quadro financeiro do Estado. Segundo
Forni, os protestos contra o governador — eleito com 61,2% dos votos, a maior
votação desde a redemocratização — são reflexos de como o Piratini não está
sabendo lidar com as adversidades, pois "a má gestão de uma crise faz o
capital político se esvair". Forni avalia que, como o peemedebista
era uma figura desconhecida pela maioria dos gaúchos até a campanha, pode estar
tendo dificuldades por não representar uma liderança forte.
O cientista político Bruno Lima Rocha, professor da Unisinos e da
ESPM-Sul, tem uma interpretação diferente. Para ele, Sartori estaria
"apostando no caos, numa inflexão muito dura" para fazer valer as
suas teses. Rocha entende que as falas do governador lembram a
ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, que repetia, ao falar sobre
seu programa econômico, "não há alternativa", o que lhe
valeu o apelido "Tina", acrônimo da frase em inglês "there
is no alternative".
“Se a intenção é criar um novo desenho de Estado, enxugando a máquina, e
ele aposta no caos, está em um bom caminho. Se acredita que não pode governar
sem prestígio e quer gerar uma ideia de pacto social pelo Rio Grande, está num
péssimo caminho. Ou ele é muito estratégico ou está mal-assessorado. Aposto na
primeira hipótese. Sartori é um político preparado, foi líder de bancada no
governo Britto, que foi um governo duríssimo” — avalia Rocha, lembrando
que o peemedebista, como prefeito de Caxias do Sul, enfrentou uma greve de
médicos que durou 11 meses, e não cedeu.
Clima festivo no dia do anúncio do
parcelamento
Na análise do professor, a estratégia do Piratini é arriscada. Ao apostar
no caos, o chefe do Executivo estaria caminhando no "fio da navalha",
pois a tática transmite a impressão de desgoverno e há risco de perda de
legitimidade.
"A violência cresceu por causa
do parcelamento dos salários", diz Fortunati.
A aparente incoerência entre o discurso e a prática é outra falha
apontada pelos entrevistados. Alguns dias após anunciar o primeiro parcelamento
de salários do funcionalismo, no fim de julho, o Piratini nomeou 52 cargos em
comissão, revoltando servidores públicos. Um mês depois, outro gesto de Sartori
motivaria protestos. No fim de semana em que os servidores tiveram a
confirmação de que receberiam parcela de apenas R$ 600, o governador foi
flagrado em clima festivo na Expointer, dançando com a primeira-dama, Maria
Helena.
“Quando você mexe na questão financeira da população, é bastante
complicado. Se não for um líder com uma grande aprovação, se também não fizer
sacrifício, se for contraditório, isso mostra uma falta de sintonia e até falta
de solidariedade com a população” — pondera Gil Castilho, presidente da
Associação Latino-americana de Consultores Políticos, que detecta "erros
de comunicação no momento em que o governador tem sua imagem não condizente com
o período de austeridade".
Entenda por que o Piratini depositou R$ 600 para os servidores estaduais
Qual deveria ser o papel de um líder em um momento de crise? O
psicanalista Mário Corso explica:
“O líder é aquele que mantém a cabeça no lugar durante a tempestade. É o
primeiro mandamento do líder. Ele não tem o comportamento da massa”.
Conhecido pelo bom humor, o governador tem se mostrado irritado nas
últimas aparições públicas. Na abertura da Expointer, discursou aos gritos, com
a face avermelhada, enquanto era vaiado por servidores. Há quem acredite que é
um sinal de que não está conseguindo lidar com a pressão. Outros entendem como
um momento de confronto, reflexo da declaração de guerra ao serviço público.
“Como nunca havia deparado com uma oposição dessa envergadura, o
governador talvez esteja se confrontando com desafios que não estavam na sua
contabilidade. Se estavam, é um homem frio, como Vargas era. Ao que tudo
indica, é isso mesmo. Sartori tem aparência de um homem simples, mas tem uma
lida política muita dura, que não abre mão de suas teses” — diz o
cientista político Bruno Rocha.
Piratini diz que estratégia é
realista
Na avaliação do secretário de Comunicação do Estado, Cléber Benvegnú, as
expressões que vêm sendo utilizadas pelo governador José Ivo Sartori desde que
a crise se agravou, com o parcelamento de salários, não são "alarmistas,
mas sim realistas". Escancarar a crise é, de acordo com ele, uma
opção política do governo, fruto da "convicção política do governador"
e de um "apreço à verdade".
“Nós abrimos as contas públicas como nunca se fez na história do Rio
Grande do Sul. A estratégia de futuro é construir um Estado diferente, propor
gradativamente mudanças estruturais. Para que isso aconteça, é preciso ter
consciência da crise” — explica.
De acordo com Benvegnú, teria sido mais fácil para o Palácio Piratini
optar pelo falso otimismo. O secretário defende a tese de que a estratégia de
comunicação não pode ser descolada da realidade:
“Estamos diante de um problema de liquidez, e isso significa falta de
dinheiro. Dizer isso não é botar o Estado para baixo. É convocar a sociedade
para mudança. O Estado vai precisar fazer diversas mudanças estruturais, que o
governo está gestando e que virão ao longo dos próximos anos”.
Sem citar exemplos, o secretário admite que existem erros de comunicação
e que ainda há "muito a melhorar". Ele ressalta
que a equipe responsável pela área é composta hoje por cerca de 60 pessoas, e
que o número equivaleria à metade da quantidade de profissionais na gestão de
Tarso Genro.
Sindicatos de servidores do RS recomendam suspensão da greve a partir
desta sexta-feira
Nas redes, as declarações de Sartori costumam virar memes — frases,
desenhos ou vídeos que se espalham rapidamente na internet. Duas páginas no
Facebook satirizam as falas do governador. Com mais de 10 mil curtidas, a
principal delas é a Sartorices, criada durante a campanha, após o peemedebista
recomendar a professores que buscassem o piso em loja de material de
construção. Os administradores, que preferem não se identificar, afirmam não
ter vinculação partidária.
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O secretário de Comunicação ressalta que o governador "tem um jeito
simples, intuitivo, de homem do Interior" e que "muitas pessoas esperam
dele o que ele não é":
“Não é um formulador, um criador de falsas esperanças, um vendedor de
ilusões, e foi isso que o fez ganhar a eleição. Isso, às vezes, choca, porque
não é comum no meio político. Quem convive com ele, sabe que ele é assim”.
Líderes que viraram o jogo
Assim como a habilidade de um piloto de avião pode garantir a
sobrevivência dos passageiros em um pouso forçado, a postura e o discurso de um
líder são fundamentais para atravessar turbulências, avaliam especialistas.
“O líder tem de tranquilizar. Ele pode até passar por momentos difíceis
e extremos, nos quais, na verdade, o que se espera é uma orientação. Por isso,
ele é o líder e até um alento — afirma Gil Castilho, presidente da Associação
Latino-Americana de Consultores Políticos.
Entre consultores e cientistas políticos entrevistados por ZH, três
figuras foram apontadas — quase que por unanimidade” — como exemplos de homens públicos que, com atitude e uma boa
oratória, conseguiram superar crises. Entenda por que são citados como referências.
Winston Churchill
- Tornou-se um dos mitos políticos e militares do século 20 devido à
atuação como primeiro-ministro da Grã-Bretanha durante a II Guerra Mundial.
Churchill, que assumiu o posto meses após a invasão da Polônia por Adolf
Hitler, uniu adversários em um governo de coalizão. Seus memoráveis discursos
conclamando a população à resistência e sua aproximação com o então presidente
americano, Franklin Roosevelt, para que os EUA entrassem na guerra, foram
considerados fundamentais para o êxito dos aliados durante o conflito.
Rudolph Giuliani
- Era prefeito de Nova York em 2001, quando houve os atentados de 11 de
Setembro. Depois de saber que um avião havia atingido o World Trade Center, ir
até o local e ver pessoas se jogando de uma das torres, Giuliani lembrou de um
conselho do seu pai: em uma crise, seja a pessoa mais calma da sala. A
estabilidade e a compaixão do prefeito, que foi a inúmeros funerais depois da
tragédia, ajudaram a apaziguar a cidade após os ataques terroristas. Giuliani
foi condecorado pela rainha Elizabeth II e escolhido pela revista Time como
Personalidade do Ano.
Barack Obama
- Devido às dificuldades enfrentadas pela economia americana, o
presidente dos EUA viu sua popularidade despencar em 2011 e a taxa de rejeição
ao seu governo ultrapassar a casa dos 50% em setembro daquele ano, colocando em
risco sua reeleição. Dois meses depois, anunciou a retirada das tropas do
Iraque e começou a recuperar a credibilidade. Um dos trunfos de Obama é a
capacidade de comunicação. O presidente americano é considerado um dos maiores
oradores na atualidade. Em novembro de 2012, após uma eleição disputada,
conquistou o segundo mandato.