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sábado, 12 de agosto de 2017

Susepe desorganizada. Um complexo prisional, uma cadeia de falhas

Penitenciária de Canoas, uma promessa de sete anos sem prazo para ser cumprida

Obra se arrasta por diferentes governos e retrata como a burocracia emperra construções. A primeira das quatro unidades deveria ter ficado pronta em nove meses, mas levou dois anos e sete meses. As outras três sequer têm prazo para serem concluídas

Por: José Luis Costa/ZH
Foto: Omar Freitas / Agencia RBS
Em janeiro de 2013, o então vice-presidente da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), Eugênio Couto Terra, saudou assim a construção da Penitenciária de Canoas:
"Tomara que este seja o ano da virada e que possamos chegar ao seu final dizendo que foi um novo e diferente capítulo para a história do sistema prisional."
Acreditava-se que o Rio Grande do Sul vivia a maior crise nas cadeias, necessitando com urgência de novas prisões. O déficit superava 10,7 mil vagas, com 4,3 mil apenados em casa por falta de espaços em albergues.
A frase do juiz Couto Terra foi citada no acórdão do Tribunal de Justiça do Estado (TJ-RS) que autorizou a construção com dispensa de licitação da Penitenciária de Canoas 1 (Pecan 1) para 393 presos. 
A empresa escolhida foi a Verdi Sistemas Construtivos, que dispunha da tecnologia exclusiva para erguer com rapidez o empreendimento aos moldes de como desejava o Estado, com custo inferior ao de outras empreiteiras. A obra se justificava sem concorrência em razão da necessidade de ações imediatas para minimizar o quadro caótico das prisões, sobretudo do Presídio Central de Porto Alegre, alvo de denúncia à Organização dos Estados Americanos (OEA), por causa das péssimas condições.
A Pecan 1 foi a primeira penitenciária do complexo instalado em uma área de 50 hectares de mata de eucalipto doada pela prefeitura de Canoas ao governo do Estado em 2010. Outras três prisões — Pecan 2, 3 e 4 — para 2,4 mil presos seguiram a mesma decisão do TJ. O custo total superou R$ 117 milhões. A estimativa inicial era de nove meses de trabalho para erguer a Pecan 1, mas levou dois anos e sete meses para o ingresso de presos. As redes de água potável e de esgoto cloacal e pluvial que deveriam estar prontas em 2014, conforme o Estudo de Impacto de Vizinhança para o complexo, só foram conectadas à tubulação da Corsan em fevereiro de 2016. No mês seguinte, a Pecan 1 recebeu presos e logo lotou. As obras das outras três unidades começaram em abril de 2014, com seis meses de atraso. Eram para ficar prontas em 180 dias, mas levaram três anos e três meses.
A ocupação tímida começou em julho de 2017, com déficit no sistema prisional gaúcho 30% maior do que em 2013, ano em que o juiz Couto Terra acreditava que a crise nas cadeias seria superada.
"O sentimento de frustração é muito grande. O problema do sistema prisional é crônico no país. Historicamente, não é tratado como prioridade pelos governos" — lamenta o magistrado, atualmente na 10ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre.
Chuvas, falta de sistema elétrico, desnível e licitações desertas
Uma série de falhas e percalços atravancou as obras das Pecan 2, 3 e 4. A licença ambiental demorou 180 dias, sendo obtida no mês em que a obra deveria estar pronta. Faltava, ainda, uma casa de força para interligar a energia elétrica do complexo, o que atrasou em 10 meses as obras, e chuvas paralisaram os trabalhos por mais 60 dias. As três unidades estão em uma área de várzea, cerca de oito metros abaixo do nível da Pecan 1 — o que exigia uma estação elevatória de bombeamento do esgoto cloacal e pluvial até a tubulação da Pecan1, para, depois, lançar na rede da Corsan. Um sumidouro chegou a ser sugerido, mas foi rejeitado pela prefeitura de Canoas por ferir a lei ambiental.
Não se sabe exatamente quando o Estado se deu conta do problema, mas, em dezembro de 2015, o Piratini criou uma força-tarefa para acelerar projetos prisionais, e a estação elevatória de esgoto entrou na pauta. Um ano depois, duas licitações foram abertas e nenhuma empresa se candidatou. Em recente audiência pública na Assembleia para discutir o assunto, o deputado Ronaldo Santini (PTB), que presidiu a Comissão Especial da Segurança Pública, criticou a demora da obra e disse que o engenheiro responsável pelo projeto sem a estação elevatória deveria ser "preso e o primeiro morador da cadeia".
Em março de 2017, a Corsan assumiu o serviço e, conforme o governo do Estado, a conclusão está prevista para 25 de agosto. A pavimentação e a iluminação da estrada de acesso ao complexo prisional de Canoas, previstos no Estudo de Impacto de Vizinhança para serem concluídas em 2014, foram interrompidas em outubro daquele ano. O R$ 1,8 milhão, repassado pelo Estado a uma empreiteira por meio de convênio com a prefeitura de Canoas, foi suficiente apenas para um trecho de asfaltamento e, mesmo assim, a conta com a empresa só foi quitada pelo Estado em outubro de 2015. Uma das razões para isso foi que os recursos reservados em 2014 para o complexo prisional foram gastos com pagamento da folha salarial de servidores.
A continuidade da pavimentação da estrada até as penitenciárias 2, 3 e 4, indispensável para o funcionamento, deveria ser retomada em junho de 2016, mas o Estado destinou, novamente, R$ 1,8 milhão, valor aquém do preço de mercado. Duas licitações abertas pela prefeitura de Canoas restaram desertas porque o custo chega a R$ 2,5 milhões. Sem candidatas para a obra, a administração municipal abriu um desvio de chão batido coberto de brita e rachão até o portão das prisões, e pediu ao Estado os R$ 700 mil para inteirar o preço do serviço — o valor foi negado pelo Piratini, que entendeu que o convênio não podia ser aditado. A prefeitura, então, por conta e risco, decidiu assumir a obra sem o dinheiro, acreditando na promessa do Estado de pagar a diferença por meio de outros repasses.
"Estamos refazendo o edital que deve estar na rua neste mês (em agosto), e a previsão de conclusão da obra é de 90 dias, após a contratação da empresa" —afirma o prefeito Luiz Carlos Busato (PTB).
Há dois anos, três módulos estão 99% prontos e vazios
Os módulos 2, 3 e 4 estão 99% prontos desde julho de 2015. A demora em ocupar as prisões tem relação direta com presos amontoados em viaturas, tira PMs do patrulhamento de rua, lota e tumultua Delegacias da Polícia Civil Estado afora. Desde o segundo semestre de 2015, conforme a promessa do governo brasileiro à OEA, o complexo de Canoas estaria em operação, o que aliviaria a crise no Presídio Central de Porto Alegre, alvo de denúncia na também Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Por ordem da Justiça, o Central só pode receber presos provisórios (sem condenação). O presídio segue superlotado e produzindo situações insólitas como a que envolve o assaltante Maicon de Mello Rosa, 25 anos, denunciado pela morte do policial Rodrigo Wilsen da Silveira, 39 anos, em Gravataí, em junho. Em ação judicial, Maicon exige R$ 60 mil do Estado a título de indenização por já ter ficado preso no Central em condições degradantes.
O complexo de Canoas está 19% ocupado. A Pecan 2 tem 144 presos. As prisões 3 e 4 seguem fechadas sem previsão de abertura. Contrário à realização da obra sem licitação, o procurador-geral do MP de Contas, Geraldo da Camino, lamenta a situação.
"Questionamos contratações sem licitações para construção de presídios desde 2010. Dizíamos que não se tratava de situação de emergencialidade, nos termos da Lei 8.666/93, mas de graves deficiências de planejamento, devendo ser realizadas licitações. Os problemas hoje constatados confirmam o acerto daquele posicionamento. Se as licitações tivessem sido realizadas, com projetos básicos e executivos efetuados adequadamente, provavelmente o sistema carcerário já dispusesse dessas vagas, hoje ainda mais criticamente necessárias."
O juiz-corregedor Alexandre Pacheco, coordenador do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do TJ, é enfático:
"O que está acontecendo em Canoas é reflexo da incompetência do Estado em gerir o sistema prisional."
O presidente do Sindicato dos Servidores Penitenciários do RS (Amapergs-Sindicato), Flávio Berneira, concorda:
"A verdade é que não tem gente. Se fizer esforço, é uma questão de dias para terminar essa obra. Se inaugura hoje, não tem funcionário. Para não ficar tão feio, é melhor atribuir a outros problemas."
CONTRAPONTOS

O que diz Yeda Crusius, governadora entre 2007 e 2010:
"A questão da segurança, como evoluiu, mostra que estávamos nos antecipando aos problemas. Nosso projeto foi sepultado. A gente paga pelas escolhas. O governo atual está com o cofre vazio e furado. Tudo que entra, sai. Herdou uma situação fiscal que o impede de fazer as coisas. Tenho muita pena do que está acontecendo. Quem paga é a população. A situação na segurança pública é grave.

O que diz Gelson Treisleben, superintendente da Susepe entre 2011 e 2014:
Sobre o projeto
"Infelizmente, não conseguimos concluir o complexo na nossa gestão. Não reconheço erro no projeto. Foi analisado por técnicos habilitados e considero bom projeto. É lógico que se, no decorrer da existência do estabelecimento prisional, for constatado algum erro, que se faça adequação. No primeiro momento, o sistema de bombeamento de esgoto não estava no projeto, mas durante a obra foi constatado e consultada a PGE para o bombeamento, a eletrificação e o arruamento. Fiz obra para 2,8 mil vagas. Está lá, pronta. O que é o mais difícil. Quanto tempo leva para fazer o bombeamento do esgoto? É só por falta de esgoto? Por que a Pecan 2 só tem 144 presos? Se eu estivesse lá, o esgoto seria o menor dos problemas."


Sobre muros e guaritas
"Existe normativa do Departamento Penitenciário Nacional que sugere não ter muros. Acredito nos técnicos da Susepe, não só da engenharia, mas também do departamento de segurança. Se entenderam que não era necessário guaritas naquele local (área administrativa), tem de respeitar a posição deles. Daqui a pouco, vão querer fazer um buraco e colocar jacaré como na idade média."


O que diz Cezar Schirmer, titular da SSP:
- Sobre obras do complexo
"Na verdade, essa é uma história cheia de capítulos, uma novela antiga, que peguei andando. Quando assumi (em setembro de 2016), percebi que era um problema. Identifiquei 14 itens não resolvidos e perguntei quais são indispensáveis para abrir. Era pessoal, esgoto e a abertura do acesso, e isso está sendo resolvido."


Sobre contratação de agentes
"O concurso está em andamento com 720 candidatos. Uma das razões para não abrir todo o complexo é a falta de pessoal. Antes era o esgoto, mas está em vias de resolver. A Corsan prometeu entregar a obra para todo o complexo em 25 de agosto. Aí vamos começar a ocupar a segunda galeria da Pecan 2. Vamos abrir progressivamente, pagando diárias e horas-extras para servidores."


- Sobre ocupação 100% do complexo
"O custo de operação é de R$ 9 milhões por mês. Tem processo que envolve finanças, pessoal. Não posso dar uma data. As provas do concurso já se encerraram. Agora está sendo feita análise da vida pregressa dos candidatos. Depois, tem o curso. Só posso dar o cronograma depois de homologado o concurso. A ideia que se tem é ocupação progressiva, com a seleção de presos. Mobiliário e computadores estão comprados. Estamos comprando uniforme, tênis, jaqueta, chinelo, moletom, camiseta, calça. Já tem licitação na rua, com prazo de 30 dias. Estamos adquirindo cozinha, lavanderia e material de atendimento médico, veículos, scanner corporal, equipamento de videomonitoramento, com prazo para 60 dias. Coletes balísticos, algemas e equipamentos de segurança, em 45 dias."


Sobre bloqueador de celulares
"Nosso desejo é instalar, não só em Canoas, mas em outras penitenciárias. Tivemos reunião recente entre secretários de segurança e de administração penitenciária com o ministro da Justiça e surgiram questões envolvendo operadoras. É um problema geral em todo o país. Voltaremos a tratar do assunto, em Brasília, dia 16."


O que diz a Susepe:
A Susepe informou que se pronunciará na segunda-feira (14).

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