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quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Churrasco no presídio, pode? Veja o que é permitido ou não levar para dentro da cadeia

Confraternização natalina realizada no último domingo (24) entre presos e familiares, com 100 quilos de carne e 15 sacos de carvão, no Presídio Regional de Santa Cruz do Sul é alvo de investigação do MP e de sindicância da Susepe

Alvo de duas investigações, uma do Ministério Público (MP) e outra da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), o churrasco de Natal realizado no pátio do Presídio Regional de Santa Cruz do Sul levantou uma série de questões sobre o que é permitido ou não entrar nas cadeias do Rio Grande do Sul.
A Susepe tem portaria que regulamenta o ingresso de visitas e materiais em estabelecimentos prisionais, na qual atende critérios da Lei de Execução Penal (LEP). Mas nem tudo está nos documentos. Dessa forma, a direção de cada prisão pode definir regras próprias, de acordo sua realidade.
GaúchaZH ouviu dois especialistas no assunto, o juiz Sidinei José Brzuska, que há 20 anos trabalha com o sistema prisional e atua na Vara de Execuções Criminais (VEC) de Porto Alegre, e o promotor Luciano Vaccaro, que exerce há 19 anos ações sobre o tema e coordena o Centro de Apoio Operacional Criminal e de Segurança Pública do MP. Também foram consultados os dois regulamentos, de 2008 e 2014, publicados no site da Susepe.
Confira abaixo o que dizem sobre as principais dúvidas levantadas após a realização da confraternização natalina no presídio do município do Vale do Rio Pardo.

Pode ser realizada confraternização com grande público no presídio?

Juiz Sidnei Brzuska
Varia muito. Depende de cada presídio e do tipo de evento. Nos presídios grandes, é mais comum que ocorra por galeria e não no presídio inteiro. Existem eventos dos quais a administração participa diretamente, como é o caso do Dia das Crianças. Os religiosos também fazem missas, nas quais pode ter uma aglomeração maior de pessoas.
Promotor Luciano Vaccaro
Não há nada que proíba confraternização desse tipo. Na Lei de Execução Penal, não há em nenhuma vedação. Por outro lado, não há nada que diga que é permitido. Esse churrasco, tal como foi _ sem nenhum contato prévio com MP e Judiciário para avaliar a segurança e ver o que poderia ou não entrar, quem estava financiando, o número de pessoas envolvidas, os instrumentos _ precisa ser melhor explicado e deveria ter sido melhor avaliado previamente. O presídio de Santa Cruz especificamente tem muitos presos de facções violentas, vide o caso do jovem preso com vários fuzis e com a suspeita de que um integrante de facção tenha financiado a churrascada, e houve recentemente uma fuga em massa. Isso tudo tem um custo futuro de promessas e gratidão e que teve conivência da direção. Precisa e vai ser investigado.
Normas da Susepe
O regulamento de visitas prevê que o número de visitantes limita-se a dois adultos para cada preso em cada dia de visita, estando liberados desse limite os filhos do preso, desde que menores de 18 anos. O regulamento ainda cita que, "em situações excepcionais", o ingresso além do limite estabelecido poderá ser autorizado pelo administrador do presídio, levando em conta fatores como "frequência no recebimento de visitas, distância, bom comportamento, condições de segurança e capacidade do estabelecimento".

Pode entrar espeto e faca?

Brzuska
Não é comum isso. O Estado não costuma oferecer talheres aos presos. Geralmente, eles comem em pratos ou potes plásticos, chamados de "pandeco". Usam uma colher de plástico, chamada de "remo".  Geralmente, é a família ou a facção que fornece esses materiais plásticos. Potes de margarina também são comuns. "Espeto" só estoques clandestinos, feitos com ferragem da prisão, cantoneiras de janelas, bombas de chimarrão, pinos de ventilador etc.
Vaccaro
Em princípio, não. Aliás, é uma falta grave, passível de sanção ao preso que possuir indevidamente instrumento que possa atentar contra integridade física de outro detento. Faca, espeto e mesmo as churrasqueiras são instrumentos que podem ser jogados contra outra pessoa, ainda mais com carvão quente, é muito perigoso. Nada disso é permitido. Evidentemente que houve permissão por parte da direção, que não avaliou adequadamente as repercussões.
Susepe
O regulamento de visitas mais recente, de 2014, não cita nenhum dos dois equipamentos, apenas proíbe a entrada de "materiais que possam comprometer a segurança do estabelecimento ou de circulação proibida por lei". Em regulamento anterior, de 2008, a Susepe colocava entre os itens proibidos a serem levados por visitantes "facas, tesouras ou outros objetos perfurantes". A Susepe informou que os espetos e as facas utilizados no churrasco foram fornecidos pelo presídio.

Pode entrar comida, como carne in natura e em grande quantidade?

Brzuska
É comum a família levar comida. As prisões costumam ter limite por familiar, que normalmente é de pequenas porções. Os visitantes, em várias prisões, comem dentro do estabelecimento. Em cadeias faccionadas, a facção também controla a comida. Prisões grandes tem cantinas, onde os presos compram. No Central, por exemplo, compram carvão e um monte. A Susepe tem uma portaria, onde lista o tipo de gêneros permitidos, que os familiares podem levar.
Vaccaro
O familiar pode levar comida, mas não desse tipo e nessa quantidade. Somente quantias individuais. O que poderia haver era alguma ação da sociedade, que se mobiliza e faz uma doação em iniciativa de sociabilização. Ou então algo de igreja, já que Natal tem conotação religiosa. Mas não há notícia de envolvimento dessa ordem. Ou seja, essa entrada de carne não está regulamentada, não se sabe se é fruto de abigeato, por exemplo, nem se foi fiscalizada.
Susepe
No regulamento de visitas, consta entre os itens permitidos "comida pronta – carne, frango, peixe, ovos, arroz, massa, feijão e legumes", com a ressalva de já serem "cozidos, assados, fritos, sem ossos, descascados, cortados" e limitada a um pote. Refrigerante e água mineral também são permitidos, desde que em garrafas PET transparente e apenas uma unidade. Dessa forma, a grande quantidade de carne in natura e de refrigerantes, por regra, não seria permitida.

Pode entrar produto inflamável ou fósforo e isqueiro para fazer o fogo?

Brzuska
Produto inflamável, por regra, não é permitido. Mas os presos fumam cigarros, maconha e crack. Logo, tem acesso a fósforo. Também tem acesso à eletricidade. Esquentam água para chimarrão. E muitos têm fogareiros elétricos, com os quais fazem comida nas celas.
Vaccaro
O preso tem acesso a cigarro e, para isso, tem isqueiro ou fósforo. Em Canoas, me parece que isso já está sendo controlado por envolver produto inflamável. Conheci um presídio em Minas Gerias em que não é permitido cigarro. Mas isso não é a realidade no sistema prisional gaúcho.
Susepe
O regulamento de 2014 permite aos visitantes levar uma unidade de isqueiro transparente. No documento de 2008, consta proibição de "produtos ou líquidos inflamáveis ou corrosivos, acetona, solventes, inseticidas, ácidos, produtos químicos etc”.

Pode entrar celular ou câmera fotográfica?

Brzuska
Celular não é permitido. É crime, inclusive. Máquina fotográfica depende de acerto com a administração, conforme a finalidade. Evangélicos, por exemplo, fotografam o batismo dentro da prisão.
Vaccaro
Não pode, é terminalmente proibido o ingresso de celulares e qualquer equipamento que permita contato com mundo exterior no sistema prisional. Isso é falta grave, com sanção disciplinar para os presos e configura até mesmo crime se houver alguma facilitação desse ingresso, mesmo por agente penitenciário.
Susepe
O regulamento de 2014 proíbe que visitantes portem ou tentem entrar no presídio com "celulares, equipamentos e componentes eletrônicos". No de 2008, constava que não era permitido entrar com "máquinas fotográficas e filmadoras, telefones celulares, chips e acessórios". A Susepe anunciou, logo que soube da divulgação de fotos do churrasco, que abriria investigação para apurar quem fez e como as imagens foram registradas.

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