A
Susepe tem portaria que regulamenta o ingresso de visitas e materiais
em estabelecimentos prisionais, na qual atende critérios da Lei de
Execução Penal (LEP). Mas nem tudo está nos documentos. Dessa forma, a
direção de cada prisão pode definir regras próprias, de acordo sua
realidade.
GaúchaZH ouviu dois especialistas no
assunto, o juiz Sidinei José Brzuska, que há 20 anos trabalha com o
sistema prisional e atua na Vara de Execuções Criminais (VEC) de Porto
Alegre, e o promotor Luciano Vaccaro, que exerce há 19 anos ações sobre o
tema e coordena o Centro de Apoio Operacional Criminal e de Segurança
Pública do MP. Também foram consultados os dois regulamentos, de 2008 e 2014, publicados no site da Susepe.
Confira
abaixo o que dizem sobre as principais dúvidas levantadas após a
realização da confraternização natalina no presídio do município do Vale
do Rio Pardo.
Pode ser realizada confraternização com grande público no presídio?
Juiz Sidnei Brzuska
Varia muito. Depende de cada presídio e do tipo de evento. Nos
presídios grandes, é mais comum que ocorra por galeria e não no presídio
inteiro. Existem eventos dos quais a administração participa
diretamente, como é o caso do Dia das Crianças. Os religiosos também
fazem missas, nas quais pode ter uma aglomeração maior de pessoas.
Promotor Luciano Vaccaro
Não há nada que proíba confraternização desse tipo. Na Lei de Execução
Penal, não há em nenhuma vedação. Por outro lado, não há nada que diga
que é permitido. Esse churrasco, tal como foi _ sem nenhum contato
prévio com MP e Judiciário para avaliar a segurança e ver o que poderia
ou não entrar, quem estava financiando, o número de pessoas envolvidas,
os instrumentos _ precisa ser melhor explicado e deveria ter sido melhor
avaliado previamente. O presídio de Santa Cruz especificamente tem
muitos presos de facções violentas, vide o caso do jovem preso com
vários fuzis e com a suspeita de que um integrante de facção tenha
financiado a churrascada, e houve recentemente uma fuga em massa. Isso
tudo tem um custo futuro de promessas e gratidão e que teve conivência
da direção. Precisa e vai ser investigado.
Normas da Susepe
O regulamento de visitas prevê que o número de visitantes limita-se a
dois adultos para cada preso em cada dia de visita, estando liberados
desse limite os filhos do preso, desde que menores de 18 anos. O
regulamento ainda cita que, "em situações excepcionais", o ingresso além
do limite estabelecido poderá ser autorizado pelo administrador do
presídio, levando em conta fatores como "frequência no recebimento de
visitas, distância, bom comportamento, condições de segurança e
capacidade do estabelecimento".
Pode entrar espeto e faca?
Brzuska
Não é comum isso. O Estado não costuma oferecer talheres aos presos.
Geralmente, eles comem em pratos ou potes plásticos, chamados de
"pandeco". Usam uma colher de plástico, chamada de "remo". Geralmente, é
a família ou a facção que fornece esses materiais plásticos. Potes de
margarina também são comuns. "Espeto" só estoques clandestinos, feitos
com ferragem da prisão, cantoneiras de janelas, bombas de chimarrão,
pinos de ventilador etc.
Vaccaro
Em princípio, não. Aliás, é uma falta grave, passível de sanção ao preso
que possuir indevidamente instrumento que possa atentar contra
integridade física de outro detento. Faca, espeto e mesmo as
churrasqueiras são instrumentos que podem ser jogados contra outra
pessoa, ainda mais com carvão quente, é muito perigoso. Nada disso é
permitido. Evidentemente que houve permissão por parte da direção, que
não avaliou adequadamente as repercussões.
Susepe
O regulamento de visitas mais recente, de 2014, não cita nenhum dos dois
equipamentos, apenas proíbe a entrada de "materiais que possam
comprometer a segurança do estabelecimento ou de circulação proibida por
lei". Em regulamento anterior, de 2008, a Susepe colocava entre os
itens proibidos a serem levados por visitantes "facas, tesouras ou
outros objetos perfurantes". A Susepe informou que os espetos e as facas
utilizados no churrasco foram fornecidos pelo presídio.
Pode entrar comida, como carne in natura e em grande quantidade?
Brzuska
É comum a família levar comida. As prisões costumam ter limite por
familiar, que normalmente é de pequenas porções. Os visitantes, em
várias prisões, comem dentro do estabelecimento. Em cadeias faccionadas,
a facção também controla a comida. Prisões grandes tem cantinas, onde
os presos compram. No Central, por exemplo, compram carvão e um monte.
A Susepe tem uma portaria, onde lista o tipo de gêneros permitidos, que
os familiares podem levar.
Vaccaro
O familiar pode levar comida, mas não desse tipo e nessa quantidade.
Somente quantias individuais. O que poderia haver era alguma ação da
sociedade, que se mobiliza e faz uma doação em iniciativa de
sociabilização. Ou então algo de igreja, já que Natal tem conotação
religiosa. Mas não há notícia de envolvimento dessa ordem. Ou seja, essa
entrada de carne não está regulamentada, não se sabe se é fruto de
abigeato, por exemplo, nem se foi fiscalizada.
Susepe
No regulamento de visitas, consta entre os itens permitidos "comida
pronta – carne, frango, peixe, ovos, arroz, massa, feijão e legumes",
com a ressalva de já serem "cozidos, assados, fritos, sem ossos,
descascados, cortados" e limitada a um pote. Refrigerante e água mineral
também são permitidos, desde que em garrafas PET transparente e apenas
uma unidade. Dessa forma, a grande quantidade de carne in natura e de
refrigerantes, por regra, não seria permitida.
Pode entrar produto inflamável ou fósforo e isqueiro para fazer o fogo?
Brzuska
Produto inflamável, por regra, não é permitido. Mas os presos fumam
cigarros, maconha e crack. Logo, tem acesso a fósforo. Também tem acesso
à eletricidade. Esquentam água para chimarrão. E muitos têm fogareiros
elétricos, com os quais fazem comida nas celas.
Vaccaro
O preso tem acesso a cigarro e, para isso, tem isqueiro ou fósforo. Em
Canoas, me parece que isso já está sendo controlado por envolver produto
inflamável. Conheci um presídio em Minas Gerias em que não é permitido
cigarro. Mas isso não é a realidade no sistema prisional gaúcho.
Susepe
O regulamento de 2014 permite aos visitantes levar uma unidade de
isqueiro transparente. No documento de 2008, consta proibição de
"produtos ou líquidos inflamáveis ou corrosivos, acetona, solventes,
inseticidas, ácidos, produtos químicos etc”.
Pode entrar celular ou câmera fotográfica?
Brzuska
Celular não é permitido. É crime, inclusive. Máquina fotográfica depende
de acerto com a administração, conforme a finalidade. Evangélicos, por
exemplo, fotografam o batismo dentro da prisão.
Vaccaro
Não pode, é terminalmente proibido o ingresso de celulares e qualquer
equipamento que permita contato com mundo exterior no sistema prisional.
Isso é falta grave, com sanção disciplinar para os presos e configura
até mesmo crime se houver alguma facilitação desse ingresso, mesmo por
agente penitenciário.
Susepe
O regulamento de 2014 proíbe que visitantes portem ou tentem entrar no
presídio com "celulares, equipamentos e componentes eletrônicos". No de
2008, constava que não era permitido entrar com "máquinas fotográficas e
filmadoras, telefones celulares, chips e acessórios". A Susepe
anunciou, logo que soube da divulgação de fotos do churrasco, que
abriria investigação para apurar quem fez e como as imagens foram
registradas.