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sábado, 27 de janeiro de 2018

Mal a Susepe: Oito anos de abandono

O símbolo do esfacelamento do semiaberto no Rio Grande do Sul é um prédio previsto para ficar pronto em 30 dias e que segue inacabado há oito anos. 

Construído em julho de 2010 em uma subida de morro dentro da área do Instituto Penal Irmão Miguel Dario, em Porto Alegre, uma unidade chegou a fazer parte do "novo paradigma", projeto do governo do Estado cuja meta era zerar o déficit de vagas no semiaberto na Região Metropolitana.
Foram gastos R$ 3,6 milhões para erguer seis albergues emergenciais em quatro cidades, Porto Alegre (uma no Miguel Dario e outra no albergue feminino), Novo Hamburgo (duas unidades) Charqueadas e Viamão. Para agilizar a geração de 900 vagas, foi contratado serviço de montagem de pavilhões com material semelhante a fibra plástica e grades fixadas com rebites.
Com exceção do Miguel Dario, todas as unidades entraram em operação. Mas, no ano seguinte, 2011, uma tormenta derrubou um prédio de Novo Hamburgo, e o segundo os presos depredaram, assim como fizeram em Charqueadas. O pavilhão de Viamão virou cinzas, incendiado durante rebelião, e um prédio de Porto Alegre, no albergue feminino, foi interditado pela Justiça por causa de infiltrações, alagamentos e rede de luz clandestina.
Restou em pé apenas a unidade do Miguel Dario. Para colocar em operação, faltava somente esticar redes de água e de luz. Enquanto isso não acontecia, era discutida a sua utilidade. Previsto como semiaberto normal para 150 presos, foi reduzido para 80, pois funcionaria como unidade para recuperação de apenados dependentes de drogas. Por algum tempo, agentes penitenciários trabalharam no local. Em outra época, apenados ocuparam a área a fim de cuidar do prédio, mas, aos poucos, o zelo foi deixado de lado. Nunca instalaram redes de água e luz e o pavilhão virou ruínas. O Miguel Dario tem, ainda, um prédio em escombros, incendiado em 2010, que jamais foi reformado. Somente ali, desapareceram 200 vagas.
Outro ícone do descontrole do semiaberto é o Instituto Penal Padre Pio Buck, também na Capital. O Pio Buck já teve 700 apenados e foi interditado mais de uma vez por depredações, falta de segurança, problemas estruturais e até por corrupção de agentes. Em 2016, com R$ 25,5 mil doados pela Vara de Execuções de Penas e Medidas Alternativas, foram recuperadas 120 vagas no prédio D do albergue. A obra ficou pronta, mas não abriga apenados. A Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) estuda instalar no local uma cadeia modelo Apac, na qual os próprios apenados são responsáveis pelo controle do cumprimento das penas.

693 presos cumprem pena em cadeia virtual 

Com condenados por crimes cometidos na Grande Porto Alegre, maior unidade do regime semiaberto do Estado só existe no computador


Nos corredores de órgãos de segurança tornou-se comum ouvir a expressão "o preso está na nuvem". Aos mais desavisados, pode soar como brincadeira. Mas, na prática, a frase significa que o condenado está recolhido virtualmente.
Enquanto 551 apenados estão em albergues na Região Metropolitana, 693 estão na "nuvem", sem tornozeleira eletrônica. Ou seja, cumprem pena em casa, livres, sem controle. Oficialmente, seus nomes constam no "Estabelecimento Susepe de Vagas", a maior cadeia do semiaberto no Estado, que só existe nos computadores da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe). O fenômeno é um novo estágio do caótico sistema prisional gaúcho.
Somado aos 792 presos monitorados com tornozeleiras, o número de criminosos em casa é quase o triplo dos recolhidos em albergues na Região Metropolitana. O "Estabelecimento" é, na prática, uma lista eletrônica de apenados à espera de uma tornozeleira ou vaga em albergues do semiaberto. Como não existem equipamentos em quantidade suficiente nem espaços nas cadeias, a Susepe não sabe qual destino dar aos condenados no momento em que eles devem começar a cumprir a pena no semiaberto.
A ordem é, uma vez por semana, apresentarem-se em busca de vaga ao Instituto Padre Pio Buck, unidade ao lado do Presídio Central de Porto Alegre, que na década passada já foi um semiaberto e cujo setor administrativo é usado hoje para instalar tornozeleiras. Todos os dias, filas se formam na frente do Pio Buck, onde apenados "batem o ponto". A maioria volta para casa com a recomendação de retornar nas semanas seguintes, o que se repete sucessivamente meses afora. Estão nesse grupo traficantes, homicidas, sequestradores, estupradores, assaltantes de banco e de carros e estelionatários.
Chamado por policiais de "sempre aberto" pela facilidade com que os detentos chegam às ruas, os albergues entraram em colapso há uma década. Em parte por causa da flexibilização da lei penal que abrandou as normas de progressão do regime fechado. Iniciativas para endurecer as regras não faltam. Há cinco anos, o Tribunal de Justiça do Estado (TJ) encaminhou a uma comissão de juristas, em Brasília, proposta de extinção do semiaberto. E, ao menos, quatro projetos de lei sobre o tema tramitam no Congresso sem avanços, sufocados por discussões de maior interesse do governo federal, como a reforma previdenciária.

Estão jogando dinheiro público pela janela

Outro motivo para a falência do semiaberto é a escassez de investimentos em albergues. As últimas obras ocorreram em 2010, quando foram erguidas seis unidades emergenciais. Apenas uma segue de pé, mas em ruínas, jamais ocupada (leia ao lado). Três anos depois, o governo do Estado desistiu de construir albergues, optando pelo monitoramento eletrônico. Prometeu 5 mil tornozeleiras, mas o número máximo chegou à metade. O promotor Alexander Thomé, da Promotoria de Execução Criminal, lembra que, no final do ano passado, um ofício da Susepe informou que o órgão chegou ao seu limite operacional de controle das tornozeleiras - atualmente são 2,4 mil apenados monitorados.
Segundo o promotor, a Susepe não pode aumentar o número de servidores nem de equipamentos por questões financeiras. Rodrigo Kist, diretor jurídico do Sindicato dos Servidores Penitenciários do Estado (Amapergs-Sindicato), lembra que, entre 2016 e 2017, o número de presos monitorados subiu de 1,6 mil para 2,4 mil, enquanto o quadro de agentes para o trabalho caiu de 90 para 60.
"Soubemos que vai aumentar o volume de tornozeleiras. Isso, necessariamente, vai exigir contratação imediata de mais servidores. Temos 2 mil candidatos aprovados em concurso que não foram chamados para curso" - afirma.
Segundo Thomé, o Estado não fez nova licitação para tornozeleiras e está prorrogando o atual contrato. Isso o motivou a solicitar audiência para obter explicações.
"Acendeu a luz vermelha. São muitas pessoas na rua a deus-dará. A crise na segurança é enorme, precisa de, ao menos, algum controle. Do contrário, desmoraliza o sistema" - observa o promotor.
Para o juiz da Vara de Execuções Criminais da Capital Sidinei Brzuska, a situação é fruto de deficiências de gestão. Ainda segundo o magistrado, os albergues estão sem segurança, têm fugas frequentes e viraram bocas de fumo, pontos de prostituição, esconderijo de assaltantes e até cemitério de presos, executados por desafetos.
"O Estado abandonou as casas, e foi perdendo o controle do semiaberto. Isso levou ao fechamento de unidades por iniciativa de governo e outras por interdições judiciais" - observa o magistrado.
JOSÉ LUÍS COSTA/GAUCHAZH

Assaltante de carro-forte fugiu da "nuvem" em julho


Rafael Oliveira de Azambuja, 30 anos, foi preso em 2014. Desde então, tem três condenações por assalto que somam 23 anos de cadeia, até 2036. Em junho de 2017, após cumprir um sexto da pena, ganhou direito ao regime semiaberto.
A progressão foi registrada em processo de execução, mas a transferência da Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ) para um albergue não se efetivou. A partir daí, a Vara de Execuções Criminais de Novo Hamburgo determinou que ele fosse liberado da PEJ e procurasse a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe). O órgão deveria remover Azambuja para um estabelecimento prisional compatível com o semiaberto.
Em 3 de julho de 2017, Azambuja foi até o Instituto Penal Padre Pio Buck, e acabou incluído na nuvem, ou seja, no "Estabelecimento Susepe". Ficaria dois dias na nuvem para depois se apresentar na Colônia Penal Agrícola, em Charqueadas, para seguir cumprindo pena. Jamais apareceu. Em 11 de janeiro, segundo a polícia, Azambuja estava no comando da quadrilha que atacou um carro-forte, roubou valores e amarrou falsas bombas-relógio na cintura de vigilantes, no bairro Anchieta, zona norte de Porto Alegre.
As condenações impostas a Azambuja são por conta de roubo de R$ 300 mil do Banco do Brasil, em Içara (SC), em 2011. A segunda, pelo assalto, em junho de 2013, a uma agência do Itaú, em Porto Alegre. Levou R$ 353 mil e dois revólveres de vigilantes. O terceiro crime, em julho de 2013, foi o roubo de R$ 184 mil de uma agência do Santander, no bairro Petrópolis.
Segundo o delegado Joel Wagner, da Delegacia de Repressão a Roubos e Extorsões, Azambuja é suspeito de participar de assalto a uma agência do Banrisul, na zona norte de Porto Alegre, em novembro de 2017, e, 10 dias depois, de roubo a malote de lotérica, em um hipermercado.
"É um risco para a sociedade esse tipo de pessoa solta. Precisa maior rigor na lei e reformulação do semiaberto" - avalia Wagner.

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