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segunda-feira, 8 de julho de 2019

Há 25 anos, um motim com reféns parou Porto Alegre

ÚLTIMA REBELIÃO foi em 7 de julho de 1994, no Presídio Central. Episódio teve seu desfecho dois dias depois, no Hotel Plaza São Rafael, em área central da Capital

Era 8 de julho de 1994, o Brasil vivia a expectativa do jogo com a Holanda, pelas quartas de final da Copa do Mundo dos Estados Unidos, que seria realizado no dia seguinte. Poderia ser a vingança da derrota sofrida pela Seleção para a Laranja Mecânica, 20 anos antes, no Mundial da Alemanha. Na área monetária, o real, até hoje a moeda oficial brasileira, chegava ao seu oitavo dia de circulação, como a grande esperança de estabilização da economia do país. Na política, as eleições à Presidência e ao governo do Estado, que seriam realizadas três meses depois, dominavam o noticiário.

Alheios aos cenários esportivo, econômico e político, 10 dos mais perigosos criminosos do Estado, integrantes da Falange Gaúcha (primeira facção do RS) davam sequência a um motim iniciado na véspera, no Hospital Penitenciário, em prédio anexo ao Presídio Central. Tinham em seu poder, sob ameaça de armas, 24 reféns. Dois dos amotinados, por exigência dos demais, haviam sido buscados na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) e levados para lá durante a rebelião: Dilonei Francisco Melara, então maior líder dentro do sistema penitenciário, e Celestino Linn, considerado seu "braço direito".

À noite, o clima de tensão foi transferido às ruas da Capital. Após 24 horas de negociação, os 10 presos foram liberados a deixar a prisão em três automóveis Gol, com nove reféns. Uma perseguição policial, que contrariou tratativas, resultou em tiroteios, acidentes e na morte de quatro criminosos e um policial civil.

Melara liderava grupo que trocou de carros na fuga e promoveu rebelião

O auge da ofensiva criminosa foi a invasão do Plaza São Rafael, então principal hotel da cidade, por um táxi no qual estavam Melara, Linn e Fernando Rodolfo Dias, o Fernandinho, com três reféns - os outros seis reféns e os sete criminosos escaparam para outros locais da Capital. O veículo - que foi o quarto a ser ocupado por Melara e comparsas após sucessivas trocas na fuga -, acabou derrubando a porta de vidro do estabelecimento e ficou estacionado no saguão. A cena provocou pânico e correria entre psiquiatras que participavam de um congresso no local.

Ferido com impacto da colisão, Linn acabou dominado por policiais e, com isso, um dos reféns foi liberado. As outras duas foram mantidas por Melara e Fernandinho, que ainda dominaram uma funcionária do estabelecimento e a obrigaram a seguir com eles até uma sala na qual se refugiaram. Foram necessárias mais 15 horas de tensas negociações até que a dupla decidisse se entregar.

Passaram-se 25 anos do maior motim já ocorrido na história do sistema penitenciário e, desde então, não ocorreram mais, em prisões gaúchas, rebeliões com tomada de reféns. Curiosamente, foram criadas novas facções, que atingiram nível de organização superior ao da extinta Falange Gaúcha. Para explicar essa aparente contradição, a reportagem ouviu representantes do Judiciário, do Ministério Público, um pesquisador, um oficial da Brigada Militar (corporação que desde 1995 administra as duas maiores prisões do Estado) e um apenado, apontado como líder de um grupo criminoso.

Novas relações e lucro

"Logo após esse motim, a Brigada assumiu o controle das principais casas prisionais, o que acabou por modificar substancialmente as relações entre massa carcerária e administração. Na sequência, surge um personagem: o preso que consegue ler o sistema, compreendendo que as cadeias poderiam ser local para ganho de dinheiro, de modo que atos violentos prejudicariam o mercado então descoberto. Essa nova "visão" perdura até hoje. Para finalizar, temos o tráfico, que passa a ser atividade rentável, comandada das prisões."
Sidinei Brzuska
Juiz da 2ª Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre
Atua desde 1º de outubro de 2008 em VECs da Capital e fiscaliza prisões da Região Metropolitana

Efetivo maior e "negociação"

"Há dois elementos importantes. Nos maiores presídios, foi suprida a carência de pessoal. No Central, houve época em que cinco agentes eram responsáveis por 2 mil presos. Com a ocupação das principais prisões pela Brigada, esse problema foi resolvido, pois o efetivo é maior e há mais segurança interna. O segundo e mais importante fator é que a superlotação foi fortalecendo as facções, que foram percebendo que tinham mais a ganhar tendo boa relação com a BM. Houve negociação informal pela qual as facções receberam maior autonomia nas galerias, não se rebelando, ao mesmo tempo em que perceberam que os presídios poderiam ser lucrativa fonte de renda."
Marcos Rolim
Sociólogo
Participou das negociações do motim como deputado e presidente da Comissão de Direitos da Assembleia 

Outra cultura e antecipação

"Entrei no circuito do sistema no início de 1998. Ia a 23 presídios e estabeleci o seguinte procedimento: ouvia determinado número de presos em cada galeria e percebia que havia problemas de incompatibilidades, doenças e mortes. Fomos estabelecendo uma cultura: ?Não se pode resolver os problemas com as próprias mãos?. As famílias começaram a procurar a Promotoria e a fazer relatos. Então, conseguimos nos antecipar e evitar motins conversando com presos para resolver problemas, antes que acontecessem."
Gilmar Bortolotto
Procurador de Justiça
Integrante da força-tarefa do MP nas prisões

Uso de tecnologia

"O motim fez com que medidas de segurança fossem priorizadas. Não que antes não houvesse, mas se dobrou a segurança, e os riscos passaram a ser minimizados. Numa casa prisional, há risco permanente, pela natureza do trabalho. Mas são adotadas medidas para minimizá-lo. Principalmente com o uso de tecnologia. Por exemplo: foram ampliadas as revistas, inclusive com o uso de escaner, o sistema de câmeras foi ampliado e foram restringidos acessos a determinadas áreas da cadeia."
Carlos Magno Vieira
Tenente-coronel
Atual diretor do Presídio Central

Mais diálogo e colegiado

"Em 1995, entrei no presídio. Era diferente.Tinha muito tumulto com a Brigada, não tinha acerto como a gente tem hoje. Hoje, tem diálogo tranquilo com a Brigada, consegue manter relação com presos. Aí, não tem mais aquela coisa de morte na cadeia, tortura. Antes, tinha uma pessoa (preso) que dava as cartas, mandava. Hoje, são várias: bota um assunto em mesa e vê a melhor forma de resolver. A última hipótese é a morte."
Líder de facção no Vale do Sinos
Concedeu entrevista sobre a relação entre detentos e a guarda no Presídio Central


RENATO DORNELLES

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