Uma portaria publicada pelo governo do Rio Grande do Sul determina sigilo a documentos e dados ligados à Secretaria da Segurança Pública (SSP). A lista divulgada tem 18 categorias de informações que agora são secretas, e só poderão ser divulgadas em prazos que vão de cinco a cem anos.
A decisão foi publicada no dia 5 de agosto. No texto, o vice-governador e secretário da Segurança Pública, Ranolfo Vieira Júnior, argumenta que a portaria tem como finalidade “dispor sobre procedimentos a serem adotados na secretaria” e “garantir a efetividade do direito fundamental de acesso à informação dos órgãos públicos, ressalvadas as informações pessoais e sigilosas”.
O primeiro item da lista trata sobre presídios. O governo declara que “assuntos prisionais, guarda e escolta de presos, armas e entorpecentes” são sigilosos e têm prazo de 15 anos para serem divulgados, podendo ser prorrogados. O documento não deixa claro quais são esses “assuntos prisionais” que agora são restritos.
Outro tópico que chama a atenção é o que fala sobre “controle, distribuição e utilização de efetivo existente, bem como o respectivo regime de trabalho e escala de serviço, férias e licenças”. A redação não especifica qual informação sobre efetivo será pública ou não. Houve oportunidades em que o número de agentes da Brigada Militar (BM) e da Polícia Civil — que em janeiro tinham apenas metade do número de servidores previsto — foi divulgada pelos responsáveis pelas corporações à imprensa ou obtidas por jornalistas via Lei de
Acesso à Informação (LAI). Com a nova orientação, os
órgãos passam a ter 15 anos de respaldo antes de divulgar.
Na lista do governo, também constam como sigilosos
documentos e dados sobre “distribuições, alocações e registros cadastrais de
veículos oficiais”, tendo cinco anos de confidência. O texto não detalha se são
viaturas ou todos os carros ligados à pasta.Há, também, reserva de 15 anos para qualquer dado, informação ou documento sobre “fixação de distribuição estratégica de armamentos, coletes balísticos, equipamentos de proteção, frota, combustíveis, munição e explosivos”.
Antes mesmo de ser publicada, a orientação sobre o último item foi usada como argumento para negar um pedido de Lei de Acesso à Informação (LAI) feito pela reportagem. GaúchaZH questionava a porcentagem de coletes vencidos nas forças de segurança, após reclamações de policiais civis e militares. Agentes da Polícia Civil conquistaram no início de agosto liminar impedindo punição para os que se negarem a participar de operações com o equipamento fora da validade.
O Sindicato dos Servidores da corporação estima
que 50% dos equipamentos estejam vencidos.
Até mesmo os boletins e históricos de ocorrência são
classificados como reservados. O Estado impôs sigilo de cem anos para os
documentos. A alegação da SSP é de que há dados pessoais nos registros. Um
delegado que participou da decisão e que não quis se identificar diz que há uma
lei federal que determina esse sigilo e que as medidas não valem para todas as
informações ou ocorrências policiais, mas para algumas, cujo teor será decidido
pela SSP.
A portaria também impede por 15 anos a divulgação de
“normas, instruções, manuais e documentos sobre atuação logística, operacional
policial e procedimentos administrativo padrão”.
Até agora, o Estado não dispunha de uma tabela pública
declarando o que poderia ou não ser divulgado. Consultado pela reportagem, um
ex-servidor da secretaria no governo José Ivo Sartori (MDB) diz que antes havia
uma lista informal e interna de documentos classificados, com menos rigor que a
atual.A reportagem fez buscas pelo termo “sigiloso” no Diário Oficial do Estado desde 2012 — ano em que a LAI entrou em vigor no Brasil. Foram analisadas 82 edições da publicação. Não há qualquer portaria com tabela que restrinja os dados de maneira semelhante.
Organizações fazem críticas
O Ministério Público de Contas (MPC) afirma que a portaria está sob análise e prefere não comentar o tema.
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) considera importante a portaria, mas excessiva. A gerente-executiva da entidade, Marina Atoji, entende que o texto “submete ao segredo informações que são importantes para o controle social da atividade policial, das políticas públicas de segurança e do gasto público”.
A associação critica três itens que agora são sigilosos: a distribuição do efetivo existente e de veículos oficiais, características e informações não estratégicas sobre equipamentos de proteção e manuais de procedimentos padrão.
"Sem acesso a elas, a sociedade não tem como avaliar objetivamente se conta com policiamento suficiente, ou se a polícia está bem equipada para suas funções, nem se age de acordo com as orientações oficiais. É o contrário do que a LAI determina: que o sigilo tem de ser exceção, palavra que, embora parecida, não deve ser confundida com excesso" — diz a gerente da Abraji.
"Por que a quantidade de coletes balísticos seria uma informação sigilosa? Saber se o número de coletes é suficiente para o efetivo policial, e ainda, se estão em condições de serem utilizados, são informações importantíssimas para a avaliação das políticas de segurança, e isso está impedido pela negativa de acesso" — questiona.
O analista também diz que a classificação de informações pessoais do secretário e ou demais funcionários da pasta, com a sugestão de prazo de cem anos de restrição, “é um exemplo de restrição imprecisa e inadmissível”.
Situação lembra ocorrido em SP
A portaria publicada pelo governo Eduardo Leite (PSDB) lembra outra editada por um governo tucano, o de Geraldo Alckmin, em São Paulo. Em 2015, o então secretário da segurança Alexandre de Moraes, hoje ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), decretou sigilo a documentos ligados ao sistema prisional. Após críticas e análise do Tribunal de Contas, o governo paulista recuou.
Secretaria da Segurança diz que texto “evita subjetividades”
Em nota, a Secretaria da Segurança defendeu a portaria e declarou que ela impede “subjetividades individuais na avaliação de quais informações necessitam ser classificadas como imprescindíveis à segurança da sociedade”. O governo também explicou que os assuntos foram estudados “por uma comissão de sete servidores especialistas de todas as instituições vinculadas à Segurança Pública” e aprovada pela Comissão Mista de Reavaliação de Informações, vinculada à Casa Civil.
A assessoria de imprensa da pasta declarou que o secretário não se manifestaria em entrevista. No entanto, Ranolfo Vieira Júnior aceitou conversar com a reportagem após uma entrevista na Rádio Gaúcha sobre os indicadores criminais do Estado, divulgados na quinta-feira (12). Ele declarou que entende que a sociedade não precisa saber o número de policiais em uma cidade ou o número de superlotação de casas prisionais de forma especificada, apenas o número como um todo.
Sobre as críticas quanto ao segredo de informações de forma genérica, a SSP defendeu que “os assuntos prisionais e de efetivo estão incluídos de forma abrangente na classificação de documentos, dados e informações com restrição de acesso para evitar brechas à devida proteção, prevista na legislação federal vigente sobre o tema”.
Na noite de sexta-feira (13), a assessoria de Ranolfo informou que dados sobre presos continuarão disponíveis no site da Susepe.
Perguntas e respostas sobre o sigilo de documentos
1 - Qual a necessidade de uma portaria sobre classificação das informações?
SSP – A Portaria SSP nº 127, de 5 de agosto de 2019, é necessária para garantir o direito fundamental, previsto na Constituição Federal, de todo cidadão de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. Dessa forma, a portaria foi criada para que seja possível operacionalizar a classificação de informações de forma clara, objetiva e específica aos assuntos sigilosos, conforme as regras estabelecidas na Lei de Acesso à Informação (LAI). Além disso, a portaria atende ao princípio de proteger as informações pessoais, relacionadas à intimidade e à vida privada e aquelas que puserem em risco as liberdades e garantias individuais.
Os assuntos incluídos na portaria foram estudados por uma comissão de sete servidores especialistas de todas as instituições vinculadas à Segurança Pública. Com o texto, evitam-se subjetividades individuais na avaliação de quais informações necessitam ser classificadas como imprescindíveis à segurança da sociedade.
Além disso, a criação da portaria foi aprovada pela Comissão Mista de Reavaliação de Informações, vinculada à Casa Civil e composta por representantes de diversos setores da administração pública e da sociedade civil. Essa aprovação cumpre o requisito legal previsto no artigo 26 do Decreto Estadual nº 53.164, de 10 de agosto 2016, que determina os procedimentos para a classificação de informações, conforme a Lei Federal nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, e o Decreto Estadual nº 49.111, de 16 de maio de 2012, que regulamenta a LAI no âmbito do RS.
Cabe destacar que, embora os assuntos contidos na portaria sejam tratados em grau de sigilo em razão de sua natureza e da exigência legal de proteção, toda e qualquer informação que não interfere nas estratégias de Segurança Pública é disponibilizada tanto mediante demanda como por iniciativa da própria SSP, com o princípio de ampliar o acesso a dados de interesse geral dos cidadãos. Um exemplo é a divulgação dos indicadores criminais, que eram divulgados trimestralmente e, a partir do início do atual governo, passaram a ser publicizados mensalmente.
2 - O que a secretaria pretende com a portaria?
SSP — Como mencionado acima, a SSP pretende com a portaria estabelecer os procedimentos a serem observados para garantir o direito fundamental de acesso a informação dos órgãos públicos, ressalvados os dados pessoais e sigilosos, bem como garantir mais eficiência e transparência à gestão. A redação mais detalhada em aspectos relacionados à função da segurança pública tem o objetivo de dirimir possíveis dúvidas quando do atendimento a solicitações de informação via LAI. Assim, nos termos da legislação, é a orientação ao gestor quanto à necessidade de proteger dados pessoais e/ou sigilosos imprescindíveis para a Segurança Pública no momento de fornecer informações sob sua responsabilidade.
3 - ONGs ouvidas pela reportagem criticam o texto e dizem que ele é genérico em diversos pontos, como na parte em que fala de assuntos prisionais e de efetivo. O que a SSP tem a dizer sobre isso?
Em que pese o preceito geral da LAI ser de publicidade máxima, há informações que demandam cuidados adicionais para serem disponibilizada para acesso público, e é dever do Estado protegê-las. Nesse sentido, os assuntos prisionais e de efetivo estão incluídos de forma abrangente na classificação de documentos, dados e informações com restrição de acesso para evitar brechas à devida proteção, prevista na lei.
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