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domingo, 19 de maio de 2024

Tragédia histórica expõe o quanto governo Leite ignora alertas e atropela política ambiental

Governo desfigurou Código Estadual do Meio Ambiente e sancionou construção de barragens em áreas de preservação, entre outras medidas

Por Luciano Valleda

Poucos dias antes do início das chuvas que infligem ao Rio Grande do Sul a sua maior tragédia climática, a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) enviou ao governador Eduardo Leite (PSDB) um ofício com o incomum título de “Alerta ao Estado do Rio Grande do Sul e ao Governador do Estado”, seguido pelo subtítulo que dizia: “Registro para fins de tomada de conhecimento sobre alertas emitidos há várias décadas”. O documento foi entregue no último dia 26 de abril.

Logo no início, o ofício deixa claro o objetivo de avisar o governador de que o mundo “está enfrentando uma crise climática”. Antes de parecer estranho que a entidade ambientalista mais antiga do RS e do Brasil se disponha a produzir um documento para informar Leite de algo amplamente discutido no planeta, o ofício revela a péssima relação do governador gaúcho com os ambientalistas do estado.

No documento, a Agapan enfatiza que a crise climática é divulgada pela ciência e imprensa há várias décadas e explica que o problema “tem o fator antropogênico como um de seus principais ingredientes de intensificação, sem desconsiderar outros de caráter cíclico e universal que possam somar”. Antropogênico, no caso, significa a ação do ser humano no meio ambiente.

O parágrafo seguinte do documento expõe a distância que separa o governador, apesar do figurino de colete da Defesa Civil quando a tragédia acontece, e os ambientalistas que há anos criticam as medidas adotadas pelo governo Leite.

Neste sentido, alertamos que a falta de atitudes para estancar e reverter processos que contribuem para o avanço da crise – a exemplo da liberação de mais venenos agrícolas, da autorização para destruir Áreas de Preservação Permanente, da falta de uma política permanente de recuperação de matas ciliares, do incentivo anacrônico à construção de polos carboquímicos e de instalações de infraestrutura que não reconheçam os direitos das comunidades tradicionais, da falta de cuidados e ingerência dos recursos hídricos, entre outros – será motivo de proposta de Ação Civil Pública de nossa parte. É apenas um alerta com o objetivo claro de contar com a parceria para encontrar ‘soluções coletivas’ para estancar e fazer a nossa parte, enquanto povo gaúcho, para ajudar a reverter as mudanças climáticas.”

No ofício, a Agapan afirma não poder mais, por princípio de precaução diante da crise climática alertada há décadas, “ser complacentes com governos que têm demonstrado pouca ou nenhuma sensibilidade para a situação, em especial, da população mais vulnerável, que primeiro sofre e sofrerá com a ampliação do ritmo de avanço das mudanças climáticas”.

Presidente da Agapan, Heverton Lacerda pondera que a crise climática vivida no planeta pode levar séculos para ser revertida – ou nunca ser. A única chance é se, nos próximos anos e décadas, as sociedades conseguirem, de forma muito drástica, primeiro estancar tudo o que está causando e ampliando a crise climática, e depois realizar ações para a reversão.

Não adianta apenas resiliência ou mitigação de danos. O que precisa ser combatido é a causa da mudança climática. O que os governos estão fazendo é ligado à questão da resiliência e da mitigação de danos, tirando a população de locais atingidos, mas vão continuar fazendo aquilo que causa a crise climática”, afirma, sem esconder na voz a insatisfação com os rumos da política ambiental.

A calamidade que assola o RS, com 78 mortos e mais de cem desaparecidos até o momento, número que tende a crescer nos próximos dias, é uma “tragédia anunciada” na visão de Lacerda. “Não existe nada que possa ser feito para evitar o próximo evento climático extremo que vai acontecer porque estamos dentro da crise climática.”

Se no curto prazo há pouco a fazer, no médio e longo prazo a perspectiva pode ser outra. O presidente da Agapan cita como prioridades a recomposição das Áreas de Preservação Permanente (APP), a recomposição das matas ciliares e o aumento do calado dos rios. A última medida com resultado mais rápido.

Desassorear rios seria uma solução de forma imediata, cara e trabalhosa, mas o melhor seria a gente recompor as florestas”, defende. “Um dos grandes problemas é o assoreamento dos rios por causa de um modelo agrícola de desenvolvimento que desmata as bordas dos rios, tanto para construir casas quanto lavouras. Nossos rios estão assoreados, nossas cidades estão sendo construídas na beira dos rios, as encostas dos morros estão sendo impactadas, mesmo quando têm vegetação já tiraram as árvores grandes com raízes profundas, não é mais a mata natural.”

Ao citar os rumos para estancar a devastação ambiental que influencia diretamente na mudança climática e abre caminho para a força das águas dos rios, as divergências entre a Agapan (e outras entidades ambientalistas gaúchas) e o governo Leite se tornam evidentes. Mais que isso, explicam o ofício enviado poucos dias antes da atual tragédia causada pelas enchentes.

O governo do Rio Grande do Sul vai na contramão da ecologia. Estamos regredindo na legislação ambiental enquanto estado que foi precursor na criação de leis ambientalistas. Outros estados que criaram a sua legislação ambiental, inclusive a nacional, se basearam no que foi criado aqui no Rio Grande do Sul”, destaca Lacerda.

A revolta remonta ao começo do primeiro mandato de Leite, em 2020, quando o governador aprovou na Assembleia Legislativa a Lei 15.434. Chamada de Novo Código Estadual do Meio Ambiente, a lei suprimiu ou flexibilizou mais de 500 artigos e incisos do Código Estadual de Meio Ambiente criado no ano 2000, afrouxando regras de proteção ambiental dos biomas Pampa e Mata Atlântica.

Em outubro de 2023, já depois da trágica enchente que devastou o Vale do Taquari, durante evento de lançamento do Plano de Governança e Conformidade Climática, a secretária estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), Marjorie Kauffmann, chegou a dizer que o novo Código Estadual do Meio Ambiente “trouxe mais elementos para analisar” o tema das mudanças climáticas.

Quando entra um governo com essa visão mais neoliberal e anti-ecológica, ele se baseia nas legislações de fora que estão mais permissivas do que as nossas para fragilizar e enfraquecer a nossa legislação. As que se basearam nas nossas foram criadas de uma forma mais flexível”, explica o presidente da Agapan.

No mesmo evento em outubro do ano passado, ao apresentar as ações de enfrentamento às mudanças do clima que o governo estadual entende já teriam sido realizadas, outros episódios que tiveram ampla repercussão negativa junto as entidades ambientalistas do RS chamaram a atenção. Foi o caso do Licenciamento por Adesão e Compromisso (LAC), conhecido como autolicenciamento privado, criado em dezembro de 2021 e muito criticado por afrouxar a fiscalização ambiental. A medida permite que 49 atividades econômicas, sendo 31 com alto e médio potenciais poluidores, sejam autorizadas independente do seu porte.

Quando a LAC foi aprovada pelo Consema, o Centro de Estudos Ambientais (CAE), sediado em Pelotas, declarou que o caso representou o “maior retrocesso ambiental promovido por um governo nesse colegiado”. A ONG diz que o órgão atualmente está dominado por uma aliança anti-sociedade e anti-natureza, reunindo o governo estadual e o agronegócio, a indústria e a construção civil.

Ainda no evento de lançamento do Plano de Governança e Conformidade Climática, entre as medidas listadas pelo governo estadual como ações para enfrentar a crise climática no RS esteve a participação na Conferência do Clima (COP 26), em Glasgow, e na COP 27, no Egito; a adesão ao programa Race to Zero e Race to Resilience; a criação do Fórum Gaúcho de Mudanças Climáticas; o incentivo a criação de Comissões Municipais sobre Mudanças Climáticas; assim como a assinatura do protocolo de intenções para a descarbonização das cadeias produtivas do RS e o Programa de Desenvolvimento da Cadeia de Hidrogênio Verde no RS, entre outras ações consideradas inócuas ou insuficientes pelas entidades ambientalistas do estado.

Discurso x prática

No dia 14 de setembro de 2023, enquanto as famílias no Vale do Taquari ainda choravam seu parentes mortos, procuravam desaparecidos e contabilizam os prejuízos econômicos causados pela enchente, o Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) aprovou a atualização do Zoneamento Ambiental para a Atividade da Silvicultura (ZAS) no estado. Pela decisão, a alteração será aplicada aos novos plantios ou na renovação dos plantios florestais já existentes.

As áreas de plantios da silvicultura passarão dos atuais 900 mil ou 1 milhão de hectares para 4 milhões de hectares em cada Unidade de Paisagem Natural (UPN) x Bacia Hidrográfica (BH). A silvicultura é o cultivo de florestas por meio do manejo agrícola, com o objetivo de suprir o mercado de madeira e aproveitar o uso racional das florestas. No RS, o eucalipto é um dos principais cultivos da silvicultura.

A mudança foi comemorada pela secretária estadual do Meio Ambiente, Marjorie Kauffmann. A aprovação se concretizou mesmo com os alertas de perda de biodiversidade feitos por técnicos da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). Membro do Consema, o Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá) também emitiu parecer contrário a mudança. No documento, a entidade afirmou que a aprovação poderá representar uma “irreversível e extraordinária perda adicional ao Pampa e aos Campos Sulinos”. O InGá ainda considerou que a proposta aprovada teve vício de origem por ter sido elaborada por empresas contratadas pelo próprio setor a ser regulado pelo governo estadual.

A empresa que construiu a proposta foi a Codex, sob financiamento da multinacional chilena CMPC, e protocolada no Consema pela Fiergs. No último dia 29 de abril, cerca de seis meses após a mudança na regra e quando já chovia no RS, o governo estadual e justamente a CMPC firmaram um protocolo de intenções para a instalação de uma nova planta industrial de produção de celulose em Barra do Ribeiro. Com aporte de R$ 24 bilhões da empresa, o negócio foi festejado pelo governo como “um dos maiores investimentos privados da história do Rio Grande do Sul”.

Recentemente, outro projeto com alto potencial de impacto ambiental colocou Leite e entidades ambientalistas em lados opostos. Trata-se da lei que flexibiliza ainda mais o Código Estadual de Meio Ambiente para permitir a construção de barragens e açudes em Áreas de Preservação Permanente (APP). O objetivo é proporcionar alternativas de armazenamento de água para agricultura e pecuária, de modo a enfrentar períodos de estiagem. Leite sancionou no dia 9 de abril o projeto aprovado em março na Assembleia Legislativa.

Na ocasião da aprovação do projeto, Rodrigo Dutra, mestre em Ecologia e integrante da Coalisão pelo Pampa, avaliou que a medida é resultado da vulgarização dos conceitos de utilidade pública e interesse social. “Em geral, são exceções para obras e empreendimentos de interesse coletivo, e nos PLs entram várias atividades particulares como a irrigação e até a mineração”, disse.

Para Dutra, o pano de fundo para a discussão sobre o tema é a omissão estadual em implementar o Programa de Regularização Ambiental (PRA), previsto desde 2012 para recuperar passivos de APPs e reserva legal nos biomas Pampa e a Mata Atlântica – a Reserva Legal determina a preservação de no mínimo 20% de todo imóvel rural. Ele pontuou ainda que, segundo o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (PLANAVEG), apenas no bioma Pampa deveriam estar sendo recuperados 300 mil hectares de APPs e Reserva Legal. “Nada disso está acontecendo, e o PL prevê destruir mais APPs para barragens”, lamentou.

Também após a aprovação pela Assembleia do projeto que flexibiliza o Código Estadual de Meio Ambiente, a Agapan emitiu nota denunciando o que definiu como a “destruição ambiental” que está sendo incentivada e legalizada no estado. A entidade destacou haver muitas provas científicas sobre o impacto das atividades humanas no planeta, com enormes danos ao meio ambiente. E neste contexto de crise ambiental intensificada pelas mudanças climáticas, disse que a nova lei aprovada no RS é “antiecológica” e “irresponsável”.

Outro lado

Questionado pela reportagem do Sul21 sobre as ações de enfrentamento a crise climática implementadas desde a enchente de setembro do ano passado, o governo estadual informou apenas que, neste momento, “trabalha 24 horas por dia com prioridade total no resgate e atendimento às vítimas das chuvas históricas”, com toda sua estrutura agindo de forma descentralizada e em conjunto com as forças nacionais de segurança.

Pensando na adaptação e resiliência climática, em novembro de 2023 foi instituído o Gabinete de Crise Climática, que tem como principal função conectar as secretarias de Estado, instituições e pesquisadores no monitoramento e implementação de ações práticas de resposta à crise do clima”, respondeu, em nota.

Entre as medidas em andamento citadas pelo governo Leite para enfrentar a crise climática, estão a contratação de serviço de radar meteorológico pela Defesa Civil, que será instalado na Região Metropolitana de Porto Alegre e está em fase final de implementação; melhorias na Sala de Situação, responsável pelo monitoramento das chuvas e dos níveis dos rios; e a implementação do roadmap climático dos municípios, que mapeará as ações relacionadas ao clima em esfera municipal.

O governo reforça o seu compromisso, neste momento, em garantir a vida e a segurança da população gaúcha neste momento de emergência”, afirma, sem citar nenhuma das ações defendidas pelos ambientalistas para mudar a trajetória dos futuros eventos climáticos extremos.

Em novembro do ano passado, um dia depois da Assembleia Legislativa aprovar o orçamento do governo estadual para 2024, com receitas totais de R$ 80,3 bilhões e despesas totais de R$ 83 bilhões (um déficit de R$ 2,7 bilhões), o governo Leite celebrou a fatia do orçamento de R$ 115 milhões para enfrentar os eventos climáticos no RS no ano de 2024. O governo definiu o valor previsto como um “orçamento robusto”, embora a cifra represente menos de 0,2% do orçamento total aprovado.


segunda-feira, 13 de maio de 2024

Governo Eduardo Leite não colocou em prática estudos contra desastres pagos pelo estado

Servidores, técnicos e cientistas propuseram medidas que poderiam diminuir impacto do desastre

No final de outubro do ano passado, o governo de Eduardo Leite (PSDB) anunciou a criação do Programa de Estratégias para as Ações Climáticas, o ProClima 2050, descrito como um roteiro para ações e medidas de mitigação dos efeitos e de adaptação Rio Grande do Sul diante da emergência climática. Naquele momento, os desastres climáticos já se sucediam desde março, fechando 2023 com um total de 81 mortes em diversas regiões do estado, conforme a Defesa Civil gaúcha. Um plano anterior, a Política Estadual de Gestão de Riscos de Desastres, de 2017, já havia sido engavetado, como mostrou reportagem da Agência Pública do ano passado.

O ProClima, porém, até agora não resultou em medidas concretas do governo, segundo fontes ouvidas pela reportagem. “O governador Eduardo Leite ignora qualquer alerta ambientalista e do corpo técnico da Sema [Secretaria de Meio Ambiente e Infraestrutura] e da Fepam [Fundação Estadual de Proteção Ambiental]. Suas ações afrouxam os regramentos ambientais, sucateiam a estrutura pública, contribuindo para agravar as vulnerabilidades diante desse evento climático extremo”, resume o ambientalista e biólogo Rafael Altenhofen, presidente do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Caí, uma das mais afetadas pelas águas tanto no ano passado como neste ano.

Altenhofen, que também é coordenador da União Protetora do Ambiente Natural (Upan), mora em Montenegro, um município obrigado em Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) a contratar estudos de áreas de risco há mais de 20 anos. Segundo ele, já foram feitos nove estudos semelhantes pagos com dinheiro público, além de outros feitos por universidades e outras instituições, que não foram traduzidos em ações pelo governo.

De tempos em tempos contratam novos, ignorando os anteriores, talvez por seus resultados contrariarem interesses de certos empresários. Eles desejam que a ciência valide certas vontades prévias. Como isso não acontece, nada foi feito para reduzir as vulnerabilidades”, diz o biólogo.

Entre os estudos pagos pelo governo está, por exemplo, o Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) – previsto na Política Nacional do Meio Ambiente e definido como instrumento da Política Estadual do Meio Ambiente (Lei 15.434/2020). O trabalho, que trata da organização do território, estabelece medidas e padrões de proteção ambiental, levou mais de quatro anos para ser elaborado, contou com intenso envolvimento de servidores, instituições e da sociedade civil e foi pago com dinheiro público. Mas também acabou em alguma gaveta da Sema.

Foi com surpresa, portanto, que ele e outros especialistas ambientais  do Rio Grande do Sul tomaram conhecimento pela imprensa de que agora, com a catástrofe em curso, um grupo de empresários sugeriu ao governo do estado contratar empresa ou especialista em evitar catástrofes. “Inacreditável! Então tudo que se aprendeu, ensinou, se fez e divulgou no Rio Grande do Sul, em ciência e tecnologia, não é suficiente?”, pergunta, lembrando que o estado dispõe de gente capacitada para evitar e prevenir catástrofes, mas que nunca são ouvidas pelos tomadores de decisão do Executivo.

O professor Francisco Aquino, do Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)., em novembro do ano passado, já havia chamado atenção para a probabilidade de ocorrerem novos eventos extremos em 2024, como tempestades extremas e inundações, por influência do El Niño, o que, infelizmente, se confirmou.

Suas declarações foram feitas no seminário “Realidade das mudanças climáticas: os desafios da governança e da reconstrução”, promovido pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul para anunciar o GabClima, um gabinete para dar subsídios para “estimular, induzir ou até cobrar do Poder Público algumas medidas emergenciais ou a médio e a longo prazos de forma contínua”, nas palavras do promotor Regional Ambiental da Bacia dos Rios Taquari-Antas, Sérgio Diefenbach.

Aquino é chefe do Departamento de Geografia da UFRGS, onde os docentes lançaram na sexta-feira, 10 de maio, um manifesto em que explicitam: “Nosso curso é atual e pode oferecer inúmeras soluções para a crise que enfrentamos face aos desastres naturais que assolaram as regiões mais populosas do Estado”.

Questionada pela Agência Pública sobre o ProClima, a assessoria de imprensa da Sema enviou nota informando que uma das iniciativas no âmbito do programa foi a criação de um grupo de trabalho para conectar secretarias de estado, instituições e pesquisadores no monitoramento e implementação de ações práticas de resposta à crise do clima. Afirma também que, entre as medidas em andamento, estão a contratação de serviço de radar meteorológico pela Defesa Civil na região metropolitana de Porto Alegre que está em fase final de implementação; melhorias na Sala de Situação – responsável pelo monitoramento das chuvas e dos níveis dos rios –; e a implementação do roadmap climático dos municípios, que mapeará as ações relacionadas ao clima em esfera municipal.

Recomendações de técnicos dos órgãos ambientais do estado são ignoradas

Técnicos concursados dos órgãos ambientais também vêm denunciando desde o primeiro mandato de Leite a insuficiência de pessoal para lidar com os impactos da crise climática, incluindo a pouca atenção dada à prevenção e ao atendimento aos desastres. Segundo os servidores, há também a necessidade de concurso público para suprir a falta de pessoal em divisões como a de Meteorologia, Mudanças Climáticas e Eventos Críticos do estado.

Em setembro de 2023, depois das tragédias do Vale do Taquari, a Associação dos Servidores da Sema (Assema) enviou um ofício à secretária de Meio Ambiente, Marjorie Kauffmann, destacando que os servidores estavam dispostos a “a reforçar à sociedade e ao Governo do Estado o compromisso e a competência de seus servidores para auxiliar na construção de alternativas para superar aquele cenário de destruição” e sugerindo ações e medidas imediatas.

Entre elas a de iniciar imediatamente a análise da inscrição de imóveis no Cadastro Ambiental Rural (CAR), pelo menos em áreas especialmente protegidas, prioritárias para conservação ou em maior risco de desastres naturais. “Infelizmente não tivemos retorno”, comenta o presidente da Assema, Pablo Pereira, lembrando que o Rio Grande do Sul é um dos estados mais atrasados do país nas análises do CAR.

Os servidores propuseram também o melhor aproveitamento do quadro técnico da secretaria para implementar a regulamentação do Programa de Regularização Ambiental (PRA), pois há um expressivo passivo de adequação à legislação para áreas de preservação permanente (APP), de uso restrito e reserva legal. “O atraso em sua implementação fez com que se tenha deixado de exigir até o momento a recuperação de milhares de hectares, principalmente em áreas de maior risco, frente aos eventos climáticos que exercem importante papel na minimização de seus efeitos, como estiagens e enchentes”, aponta o documento.

Outro item identificado como prioridade pelos servidores foi a retomada do debate sobre a Política Estadual de Gestão de Riscos de Desastres, que já poderia ter sido encaminhada para apreciação da Assembleia Legislativa. Um dos argumentos é que o Brasil é signatário do Marco de Ação de Sendai para Redução do Risco de Desastres e existe uma proposta, que poderia ser aproveitada, construída com ampla participação popular e financiamento do Banco Mundial, que destinou R$ 670 mil em 2017 para a formulação do projeto, que poderia ter reduzido a gravidade dos estragos na situação que vivem os gaúchos agora.

A Assema ainda manifestou a necessidade de fortalecer a atuação dos Comitês de Bacia Hidrográfica, instrumentos da Política Estadual de Recursos Hídricos, que não recebem recursos para suas ações essenciais. Seus membros atuam totalmente de forma voluntária, o que distorce a representatividade dos comitês, com a presença desproporcional de pessoas que defendem interesses de empresas, por exemplo.

“Dinheiro do próprio bolso” dos trabalhadores na Defesa Civil

No início das chuvas deste ano, quando a água ainda não tinha atingido a região metropolitana de Porto Alegre, o Sindicato dos Técnicos Ambientais e Fundações (Semapi) publicou uma nota criticando o governo por priorizar o discurso – e não as ações – em relação à prevenção e adaptação à crise climática. De acordo com o sindicato, a falta de recursos muitas vezes obriga os trabalhadores das defesas civis a colocar “dinheiro do próprio bolso para resolver questões, o que é inconcebível”.

Ainda em 2023, o governo do Estado anunciou um orçamento de R$115 milhões para o enfrentamento de eventos climáticos. No entanto, o que não especificou foi que o valor é a soma total de recursos de três secretarias, do Corpo de Bombeiros e, por fim, a Defesa Civil, misturando esta última com toda política para eventos climáticos extremos. Já no Orçamento 2024 aprovado, o recurso relevante previsto é de R$ 2,5 milhões para qualificar o Centro de Operações da Defesa Civil – um valor que não chega nem perto do necessário para resolver as deficiências estruturais” , afirma o sindicato.

Outra solicitação que também não teve resposta da Sema, feita em novembro de 2023, veio da Rede Sul de Restauração Ecológica, uma iniciativa lançada em 2021 que conta com representantes da própria secretaria, entre mais de uma centena de integrantes de instituições públicas e privadas que trabalham na cadeia da restauração de ecossistemas florestais e campestres nos biomas Pampa e Mata Atlântica.

Em ofício enviado duas vezes para a Sema e uma para o governador Eduardo Leite, a Rede Sul se ofereceu para colaborar para a recuperação de áreas degradadas nos dois biomas, mas foi sumariamente ignorada. “Nos colocamos à disposição para contribuir com nossa expertise no processo de implementação do Tratado da Mata Atlântica no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul; tratado este recentemente noticiado e firmado entre os representantes de sete Estados Brasileiros que compõem o Consórcio de Integração Sul e Sudeste (COSUD), com a perspectiva de plantio de mais de 100 milhões de árvores de espécies nativas”, dizia o ofício.

Essa inatividade da gestão estadual acaba por comprometer inclusive o cumprimento da já fragilizada legislação ambiental, como explica o promotor de justiça Sérgio Diefenbach, que acompanhou de perto as tragédias no Vale do Taquari. “Muitas vezes nós temos a expectativa de que a lei, por si só, resolva as situações. Precisa vontade política de implementação da lei e muitas vezes o Ministério Público é o propulsor da implementação desta lei”, diz.

Para Diefenbach, embora tenhamos uma das maiores estruturas de legislação ambiental do mundo, é difícil a implementação de algumas leis. “Nós ainda convivemos com uma legislação oscilante. Ou seja, conforme linhas de governo vão, alguns regramentos são amaciados e afrouxados. Em outros momentos, são criadas estruturas de maior rigor e fiscalização”, diz, usando como exemplo a legislação de recursos hídricos. “Isso não se resolve por ação judicial. É preciso criar uma consciência coletiva e de gestão da necessidade da existência deles.

O promotor destaca que o mesmo acontece com relação ao desmatamento, à disposição de resíduos sólidos e líquidos, na concessão de licenças e na fiscalização pelo estado, entre outras ações de controle. “Sem a presença forte de Estado fiscalizador por todos os seus entes, não há legislação que sobreviva”, conclui.

Para ele, as mudanças climáticas impõem um novo pensamento sobre a ordem das cidades. E isso é uma tarefa que envolve uma construção coletiva. Exigirá compreensão dos poderes legislativos, do Executivo, das forças econômicas. “Precisamos dar uma guinada de posicionamento nas nossas condutas. E a postura do Ministério Público é de contribuir para que isto aconteça.” 

domingo, 24 de março de 2024

Privatizações no RS: 'O discurso de que haverá ampla concorrência é uma falácia'

Sul21

No final de fevereiro desdte ano, o governador Eduardo Leite (PSDB) enalteceu o papel do Rio Grande do Sul como um dos principais estados do Brasil na realização de privatizações, concessões e Parcerias Público Privada (PPP). 

A cena ocorreu na conferência P3C, na sede da B3, em São Paulo. Na ocasião, Leite destacou que o governo gaúcho alcançou a posição de líder em privatizações no País com a vendas de CEEE-G, CEEE-T, CEEE-D, Sulgás e Corsan. O RS também foi considerado "top três" em concessões de serviços públicos à iniciativa privada, com as operações da RSC-287, O Bloco 3 Rodovias do Vale do Caí e da Serra Gaúcha, os parques Tainhas, Caracol e do Turvo, além do Presídio de Erechim.

Apesar da exaltação com a agenda de privatizações, algumas dessas vendas de patrimônio público chamam a atenção pela ausência de concorrência, com vencedores tendo feito uma oferta única, situação bem diferente da propalada disputa do livre mercado.

Das cinco privatizações celebradas por Leite na Bolsa de Valores de São Paulo, três foram vencidas sem concorrência. A questão se repetiu em concessões e parcerias público privadas.

Nesta entrevista ao Sul21, Aragon Erico Dasso Junior, professor da Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e especialista administração pública, analisa a agenda de privatizações do governo Leite e o que pode estar acontecendo para que apenas uma única empresa se interesse pelo patrimônio público posto à venda pelo Estado do RS.

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

As promessas de campanha que Leite quebrou

Governador prometeu não aumentar impostos, mas estreou mantendo alíquotas elevadas do ICMS

Rosane de Oliveira

Antes mesmo de tomar posse, o recém-eleito governador Eduardo Leite quebrou a primeira promessa de campanha. No final de 2018, pediu e Sartori encaminhou à Assembleia projeto que mantinha as alíquotas de ICMS majoradas (a básica de 17% para 18%, e a de energia, combustíveis e telecomunicações de 25% para 30%). O aumento foi renovado por dois anos (2019 e 2020).

Ao final de 2020, com a receita em queda por causa da pandemia, Leite pediu nova prorrogação. A ideia era manter as alíquotas no patamar que vinha desde 2016 por três anos, mas a Assembleia aceitou estender por apenas mais um e, em 2022, o ICMS voltou ao patamar de 17% na alíquota básica.

Embora os adversários digam que Leite descumpriu uma promessa de campanha quando privatizou a CEEE, isso não é verdade. Vender a CEEE, a Sulgás e a CRM estava nos planos do candidato em 2018, como atesta uma entrevista dada por ele a ZH duas semanas antes do primeiro turno. O que ele prometeu não privatizar foi a Corsan. Quando anunciou o primeiro plano de desestatização, que previa a transferência do controle acionário, justificou que o cenário havia mudado e que o novo marco regulatório do saneamento só poderia ser cumprido com a entrada de recursos privados. 

Com o fracasso da primeira tentativa, o governo mudou a modelagem e acabou vendendo a Corsan para a Aegea, único consórcio a participar do leilão, por pouco mais de R$ 4 bilhões. Das estatais importantes, restou apenas o Banrisul, que Leite se comprometeu na campanha de 2022 a não vender.  

Na primeira campanha, o governador disse que o Estado precisaria de reformas administrativa e previdenciária, mas não detalhou como seriam. No fim, conseguiu aprovar propostas que alteraram profundamente as carreiras dos servidores e aumentaram a contribuição para a previdência. 

Ao longo da campanha de 2022, Leite reconheceu que o IPE Saúde precisava de uma reforma para se tornar viável, mas sempre desconversou quando a pergunta era sobre aumento de alíquota. Com maioria na Assembleia, aprovou neste ano uma reforma radical, com a cobrança de contribuição de dependentes e aumento do desconto para os servidores mais velhos. 

Também na campanha de 2018 Leite negou incontáveis vezes que pretendesse aumentar impostos. Disse que, pelo contrário, sua ideia era reduzir tributos, mas agora, para que o Estado não perca R$ 4 bilhões por ano na transição da reforma tributária está sugerindo aumentar a o ICMS de 17% para 19,5%.

quinta-feira, 31 de março de 2022

Os servidores estaduais revolta de diferentes categorias o índice de 6% é uma esmola, deboche e desrespeito do Estado RS

Projeto que reajusta salário de servidores em 6% vai para a Assembleia na quinta-feira

de Rosane de Oliveira

A proposta do governo do Estado de reajustar os salários dos servidores estaduais em 6%, sendo 1% retroativo a janeiro e o restante a contar de 1º de abril, foi referendada pelo Conselho de Estado, integrado pelos chefes dos três poderes, do Ministério Público, do Tribunal de Contas e da Defensoria Pública. O índice, concedido a título de revisão anual dos salários, é o mesmo para os servidores de todos os poderes e órgãos com autonomia financeira e equivale a pouco mais da metade da inflação de 2021.  

A maioria dos servidores públicos está sem qualquer reajuste há sete anos, período em que a inflação acumulada passa de 50%. Por isso, o índice de 6% foi recebido com revolta por dirigentes de sindicatos de diferentes categorias, que chamam de “esmola”, “deboche” e “desrespeito” a correção.  

O Piratini alega que esse é o reajuste possível para as condições financeiras do Estado, já que não pode contar com o dinheiro das privatizações, que é recurso extraordinário, para pagar despesas permanentes. Na Secretaria da Fazenda, a avaliação é de que um reajuste equivalente à inflação de 2021 já colocaria em risco o equilíbrio das contas e a manutenção do pagamento em dia dos salários.  

Na reunião do Conselho de Estado, os chefes de poder e órgãos com autonomia administrativa sustentaram que o ideal seria conceder pelo menos os 10,06% da inflação de 2021, mas reconheceram que a prerrogativa é do governador do Estado. 

O presidente da Assembleia, Valdeci Oliveira, ponderou que o governo deveria, no mínimo, aumentar o vale-alimentação, já que milhares de servidores ganham completivo para não ficar abaixo do piso regional e, assim, não terão qualquer reajuste real.

Havia dúvidas em relação a quem tem direito à revisão anual. Todos concordaram que vale para os servidores de Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público, Tribunal de Contas e Defensoria.  A controvérsia dizia respeito aos magistrados, promotores e procuradores do Ministério Público e conselheiros do Tribunal de Contas, já que tiveram correção dos subsídios em janeiro de 2019, quando os ministros do Supremo Tribunal Federal ganharam aumento de 16,38% e o teto nacional subiu para R$ 39,2 mil.  

A presidente do Tribunal de Justiça, desembargadora Iris Helena Ribeiro Nogueira, pediu para os magistrados ficarem fora do reajuste, já que têm os subsídios vinculados aos de ministro do Supremo.

Pela escala adotada à época da aprovação do subsídio, um desembargador deveria ganhar, no máximo, 90,25% do que ganha um ministro do Supremo, o que equivale a R$ 35,5 mil. A correção de 6% sobre o subsídio acabaria com essa relação.  Ao final, o Conselho de Estado entendeu que o reajuste vale apenas para os servidores. 

O projeto, provavelmente o último com a assinatura do governador Eduardo Leite, será protocolado na Assembleia Legislativa na manhã desta quinta-feira. Leite protocolou o ofício de renúncia no início da tarde desta quarta e entrega o cargo ao sucessor, Ranolfo Vieira Júnior, na quinta, às 18h30min.

Aliás

Magistrados de todo o Brasil pressionam o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, a reajustar os subsídios neste ano. O pedido é de 40%, o que elevaria o salário de ministro para R$ 54,8 mil, mas Fux deve propor um percentual menor.

terça-feira, 29 de março de 2022

TJ-RS suspende PPPs no sistema prisional do RS

Iniciativa começaria no Complexo Prisional de Erechim

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) deferiu liminar, nesta sexta-feira, suspendendo parcerias públicos-privadas (PPPs) no sistema prisional do Estado do Rio Grande do Sul. A decisão do Órgão Especial do TJ-RS foi assinada pelo desembargador Rui Portanova.

A decisão deve suspender o programa de PPPs do governo Eduardo Leite que, segundo a Amapergs Sindicato, começaria com o Complexo Prisional de Erechim. A ação direta de inconstitucionalidade foi protocolada pela Amapergs em 21 de março. O sindicato representa 7,5 mil servidores penitenciários que atuam em 153 casas prisionais no RS.

“Sustentamos e o Judiciário gaúcho entendeu que a área de segurança pública é atividade exclusiva do Estado e, por isso, as leis ferem a Constituição Federal (artigos 6º e 144, caput e §5º-A). Os trabalhadores privados contratados não terão o mesmo preparo dos servidores públicos", relatou o presidente da Amapergs, Saulo Felipe Basso dos Santos. 

"A adoção do modelo privado não representa economia para o Estado, tampouco solução para os problemas de inoperância, corrupção. Há riscos sérios e reais de danos ao Erário Público", relatou.

Em setembro de 2020, o Governador Eduardo Leite assinou contrato com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), responsável pela modelagem do projeto de PPP e preparação do processo licitatório, com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), para construção, equipagem, operação e manutenção do presídio de Erechim. 

quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Deputados aprovam PPP para Presídio de Erechim

Os deputados estaduais aprovaram, nesta terça-feira (7), com 27 votos favoráveis e 18 contrários, o projeto do governo Eduardo Leite (PSDB) que institui garantias para o pagamento das obrigações pecuniárias assumidas pelo Estado na Parceria Público Privada (PPP) do Presídio de Erechim. 

Essa era uma das sete matérias que estava trancando a pauta do Parlamento, por ter vencido o prazo de tramitação em regime de urgência. As sete propostas em urgência foram votadas ao longo da tarde, liberando os parlamentares a apreciar outras 27 proposições - inclusive o projeto da Lei Orçamentária Anual de 2022, que, até o fechamento desta edição, ainda não tinha sido aprovado.

A PPP do Presídio de Erechim foi a primeira matéria a ser apreciada. A parceria busca construir uma casa prisional com capacidade máxima de 1.125 apenados, no município da região norte do Estado. O projeto envolve uma parceria entre o governo estadual, governo federal e empresas privadas - que deverão atuar tanto na construção quanto na administração do presídio.
O governo assegura que as empresas privadas vão atuar na limpeza, alimentação e manutenção da casa, enquanto a segurança será feita pela Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe). Entretanto, o texto do projeto não deixa isso claro.
O Sindicato dos Servidores Penitenciários do Estado do RS (Amapergs Sindicato) teme que a segurança do presídio seja terceirizada. Além disso, a entidade sustenta que a administração do novo presídio será maior do que os presídios públicos. Hoje são os próprios apenados que fazem a limpeza, lavagem de roupas e comida nas casas prisionais.
Embora tenha dito ser favorável a algumas PPPs, o deputado estadual Tenente-coronel Zucco (PSL) justificou o seu voto contrário com o mesmo argumento do sindicato: 
"A operação do complexo prisional é um termo vago e pode invadir as atribuições que são exclusivas da Susepe."
Jeferson Fernandes (PT) já havia afirmado, na sessão da semana passada, que o objetivo do governo é privatizar a operação da penitenciária, um serviço que deveria ser prestado pelo próprio Estado. Além disso, disse que faltavam informações na justificativa do projeto para que os parlamentares pudessem deliberar sobre essa proposta.
Juliana Brizola (PDT) disse que é consenso que a construção e reforma de presídios pode ser feita através de permutas ou parcerias. 
"Mas é na operação do complexo prisional que reside toda a nossa contrariedade", afirmou.

terça-feira, 23 de novembro de 2021

Avançar nos Sistemas Penal e Socioeducativo: governo do Estado anuncia R$ 465,6 milhões para investimentos

Um dos principais anúncios é a demolição e reconstrução da Cadeia Pública de Porto Alegre

O governo do Estado anunciou, nesta sexta-feira (19/11), no Palácio Piratini, o maior valor já destinado de uma vez só aos sistemas penal e socioeducativo. O investimento de R$ 465,6 milhões será aplicado até 2022 para implementar novas tecnologias para qualificação do sistema prisional, fortalecer serviços de inteligência, qualificar a assistência aos apenados nas áreas de saúde, educação e trabalho, modernizar o monitoramento eletrônico, além de ampliar e construir unidades prisionais e centros de atendimento socioeducativo. É o maior investimento da história nos sistemas penal e socioeducativo gaúcho, superando o investimento total feito nos últimos 10 anos.

O anúncio foi feito pelo governador Eduardo Leite e pelo secretário de Justiça e Sistemas Penal e Socioeducativo, Mauro Hauschild, com participação do vice-governador e secretário da Segurança Pública, delegado Ranolfo Vieira Júnior.

"Estamos conseguindo planejar investimentos depois de termos feito profundas reformas que nos permitiram equilibrar as contas do Estado. Assumimos um governo, em 2019, com salários atrasados há três anos, com atrasos de três meses nos repasses a hospitais e municípios na área da saúde. O pagamento dos salários em dia já foi retomado e parte dessas dívidas já foram quitadas e, neste ano, após seis anos, também pagaremos em dia o 13º salário dos nossos servidores. Depois desse processo de ajuste fiscal, que não resolveu todos os problemas, mas fez com que avançássemos muito, foi possível parar e planejar investimentos essenciais em diversas áreas do Estado. E é isso que estamos fazendo, anunciando investimentos históricos em todas as frentes do nosso Estado”, destacou o governador.

Assim como os demais projetos já anunciados do programa Avançar, o Avançar nos Sistemas Penal e Socioeducativo conta com valores exclusivamente de origem no Tesouro Estadual, fruto das reformas estruturantes realizadas pela atual gestão e de recursos extraordinários das privatizações. No total, com o investimento anunciado nesta sexta (19), o Estado já anunciou R$ 3,91 bilhões em investimentos do programa Avançar, a serem aplicados até 2022 em iniciativas com as quais o governo pretende acelerar o crescimento econômico e melhorar a qualidade da prestação de serviços à população.

Um dos principais anúncios é a demolição da atual Cadeia Pública de Porto Alegre, que será substituída por um prédio novo, com 1.856 vagas. O governo do Estado, a partir dessa construção, conseguirá solucionar um problema histórico de superlotação e de problemas estruturais – atualmente, o déficit é de 1.632 vagas. A construção do novo presídio passa também pela construção da Penitenciária de Charqueadas, nova unidade localizada no complexo penitenciário da cidade.

As duas coisas andam juntas porque a construção da nova Penitenciária de Charqueadas vai permitir a absorção de detentos que estão hoje no Presídio Central (antigo nome da Cadeia Pública) e também o processo de transição, porque todas as galerias do Central serão demolidas para a construção de um prédio totalmente novo, com condições adequadas, atendendo e cumprindo a decisão da Organização dos Estados Americanos (OEA). Nosso Presídio Central está em uma situação absolutamente incorreta do ponto de vista de direitos humanos, o que certamente não é motivo de orgulho para o RS, e faremos a devida intervenção, com investimento de R$ 260 milhões para essas 3,5 mil vagas. É algo necessário e o Estado não se furtará de cumprir seu papel, fazer as intervenções para que o Presídio Central (antigo nome da Cadeia Pública) deixe de ser o mau exemplo que lamentavelmente se constituiu ao longo das décadas passadas”, reforçou Leite.

A expectativa do governo é de que as obras comecem no início de 2022 e sejam concluídas ao final do mesmo ano, em um prazo de 12 meses. A demolição e a construção serão feitas em seis etapas, que não foram detalhadas por motivos de segurança.

A situação atual do antigo Presídio Central, com capacidade de engenharia de 1.824 vagas e população de 3.456 apenados, é de superpopulação. Com a nova estruturação, além de cumprirmos a decisão da OEA, conseguiremos que a unidade prisional seja comandada integralmente pela Susepe, que é a competente legal para a custódia e o tratamento penal dos indivíduos privados de liberdade. Por isso essa decisão é histórica”, destacou o secretário Mauro Hauschild.

Os recursos do Avançar nos Sistemas Penal e Socioeducativo estão assegurados no orçamento do Estado e já foram compatibilizados com a Secretaria da Fazenda (Sefaz).

Sem dúvida, iniciamos o coroamento do nosso quarto eixo do RS Seguro, o eixo do sistema prisional. É um momento histórico. Só aqueles que têm experiência na área da segurança pública, como eu tenho, de quase três décadas, podem testemunhar o que representa essa reconstrução do antigo presídio, nessas denúncias que já temos na OEA, e outras decisões da Justiça brasileira. É uma virada de chave. Os apenados precisam retornar ao convívio social melhor do que ingressaram no sistema, e é isso que vamos proporcionar", lembrou o vice Ranolfo.

No começo de outubro, ao lado do vice-governador Ranolfo, o governador anunciou o investimento de R$ 280,3 milhões para viaturas, equipamentos, tecnologia e obras na Segurança Pública. Somados aos investimentos anunciados nesta sexta (19), são R$ 745,9 milhões destinados à segurança pública e penitenciária.

Confira abaixo como R$ 465,6 milhões serão investidos nos sistemas penal e socioeducativo:

• SISTEMA PENAL
Serão investidos R$ 443,4 milhões no sistema penal, em segurança e tecnologia, gestão e tratamento penal e obras.

É histórico o anúncio da construção da nova Cadeia Pública de Porto Alegre (CPPA), com 1.856 vagas. Com a nova obra, o governo do Estado conseguirá solucionar os problemas estruturais e a superlotação, com déficit de 1.632 vagas. Além disso, possibilitará o cumprimento da decisão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), que pede, entre outros pontos, a redução do número de presos no local, a garantia de higiene e tratamento médico aos apenados, além da recuperação do controle da segurança em todas as áreas do presídio.

A obra contará com um plano em seis fases que inclui desocupação dos pavilhões, realocação de presos, construção dos novos módulos e plano de reocupação. Paralelamente à construção da nova CPPA, será construída outra unidade prisional no complexo de Charqueadas.

Além disso, com R$ 109,3 milhões para segurança e tecnologia, o programa Avançar vai custear, com R$ 39,3 milhões, a aquisição de veículos para a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe):
• 100 viaturas-cela para quatro presos.
• 20 viaturas de transporte de grupamento especial e duas viaturas para transporte de cães de trabalho, todas semiblindados.

Outros R$ 3,96 milhões serão usados para a locação de 110 viaturas administrativas de dezembro de 2021 a dezembro de 2022.

Um destaque é o investimento de R$ 29,7 milhões para reaparelhamento bélico de todas as unidades prisionais do RS.

Confira quais equipamentos serão adquiridos:
• armas
• munições
• coletes balísticos
• escudos
• capacetes
• joelheiras
• algemas
• radiocomunicadores

A compra permitirá o aparelhamento dos Grupos Táticos da Susepe, além de fornecer pistolas e coletes balísticos individuais para todos os agentes penitenciários.

Também serão comprados três drones para o sistema penal (R$ 117 mil), 25 scanners corporais, equipamentos usados para revista nas unidades prisionais para barrar entrada de materiais ilícitos (R$ 7 milhões), e sistemas de bloqueador de celular e antidrones para 15 unidades prisionais, com tecnologia nova capaz de identificar, bloquear e rastrear aparelhos eletrônicos (R$ 29,2 milhões).

Para o tratamento penal, R$ 21,54 milhões serão investidos. Isso possibilitará a aquisição de equipamentos eletrônicos, mobiliários e de segurança para Penitenciária de Canoas I, Penitenciária de Guaíba e outras novas unidades (R$ 16,4 milhões). Além disso, será destinado para a aquisição de computadores, eletrônicos e outros itens no aparelhamento do Núcleo de Gestão Estratégica do Sistema Prisional – Nugesp (no total de R$ 3 milhões), que irá qualificar o sistema prisional gaúcho e solucionar o cenário de presos em viaturas.

Com espaço para 708 pessoas detidas na Região Metropolitana, o Nugesp será um centro de triagem, contemplando, em um mesmo local, todos os procedimentos básicos, como identificação, documentação, registro policial, classificação, triagem e audiência de custódia, até o encaminhamento final compatível ao perfil do preso.

O valor destinado ao tratamento penal também possibilitará a estruturação das Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac) de Pelotas, Santa Cruz e Porto Alegre (R$ 2,15 milhões), locais onde os condenados a penas privativas de liberdade são recuperados e reintegrados ao convívio social, de forma humanizada e com autodisciplina. As Apac são referência na inclusão social de apenados, sendo atualmente utilizadas em 18 países e em pelo menos 10 Estados.

No âmbito de obras e engenharia, R$ 312,5 milhões serão destinados para a construção e ampliação de oito unidades prisionais.

Novas unidades prisionais que serão construídas:
• Cadeia Pública de Porto Alegre, com 1.856 vagas (R$ 115 milhões)
• Cadeia Pública de Caxias do Sul, com 388 vagas (R$ 4,8 milhões)
• Cadeia Pública Masculina de Rio Grande, com 388 vagas (R$ 4,38 milhões)
• Cadeia Pública Feminina de Passo Fundo, com 286 vagas (R$ 6,1 milhões)
• Cadeia Pública de Alegrete, com 286 vagas (R$ 6,17 milhões)
• Penitenciária de Charqueadas, com 1.656 vagas (R$ 145 milhões)

O investimento permitirá também a conclusão da Penitenciária de Guaíba I, com 672 vagas (R$ 17,5 milhões) e a ampliação da Penitenciária Estadual de Canoas I, com 188 vagas (R$ 13,5 milhões).

• JUSTIÇA
Do valor total, R$ 6 milhões serão aplicados na área da Justiça. O investimento de R$ 1,7 milhão possibilitará a estruturação e modernização do ProconRS, por meio de uma plataforma digital que irá aprimorar o serviço em 409 municípios gaúchos atendidos pelo programa.

Além disso, o projeto possibilitará a implementação do Mapa Social, permitindo a realização de um diagnóstico sobre as políticas públicas disponíveis nas 497 cidades gaúchas e, posteriormente, a criação de um portal eletrônico de informações no qual o cidadão possa consultar, com agilidade e transparência, quais políticas estão disponíveis e em quais municípios. O investimento no Mapa Social será de R$ 500 mil.

Também serão destinados R$ 500 mil para a implementação do Observatório da Socioeducação, que visa processar o vasto conjunto de informações relevantes para o mapeamento da trajetória percorrida pelos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas.

Outros R$ 3,3 milhões serão destinados para qualificação, infraestrutura e inteligência:
• R$ 1,1 milhão para a estruturação da Secretaria de Justiça e Sistemas Penal e Socioeducativo (SJSPS)
• R$ 2,28 milhões para a implantação do Centro Integrado de Inteligência e Sistemas de Monitoramento Eletrônico do Rio Grande do Sul (Ciisme-RS)

O Ciisme irá ajudar a promover a integração entre a inteligência e o monitoramento eletrônico, fortalecer a política estadual de segurança pública, desarticular as organizações criminosas, promover o desenvolvimento de técnicas de aprimoramento no enfrentamento ao crime e otimizar ferramentas de inteligência e monitoramento.

A qualificação dos recursos humanos e os investimentos em equipamentos, tecnologias e estrutura permitirão o aprimoramento da busca e da coleta de dados para produção de conhecimento, a fim de subsidiar políticas públicas voltadas à desarticulação de organizações criminosas, bem como assessorar operações de repressão ao tráfico de drogas.

• SISTEMA SOCIOEDUCATIVO
Para o sistema socioeducativo, R$ 16,2 milhões serão utilizados para obras e engenharia:
• R$ 15,45 milhões para a construção do Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) Osório
• R$ 750 mil para a construção do abrigo de visitas de Porto Alegre, Caxias do Sul e Uruguaiana.