O tão aguardado live-action da Barbie, dirigido por Greta Gerwig (Lady Bird) finalmente chega aos cinemas depois de se tornar um fenômeno cultural antes mesmo de sua estreia. E a espera valeu a pena. Com quase duas horas de duração, a obra mostra logo de cara por que vale o preço dos bilhetes. Primeiro, o que mais chama a atenção são os cenários e figurinos, já que eles foram explorados ao máximo nos trailers e nas peças publicitárias.
Como já era de se esperar, somos
bombardeados pela cor rosa. O tom pink está presente na casa, no carro, nas
ruas, nos móveis, nos postes, no chuveiro e em tudo mais que é possível e, como
não poderia deixar de ser, a Barbie Típica (Margot
Robbie) também desfila os
figurinos mais marcantes da boneca. Esse cuidado com a produção e o cenário
mostra o quanto Gerwig caprichou, não deixando o filme ficar com cara de
produção barata.
Aliás,
barato é o que o longa não foi, mas certamente fez valer cada centavo dos US$
145 milhões investidos — isso sem falar do caminhão de dinheiro dedicado ao
marketing. Tudo parece muito bem encaixado e a grande sacada foi não transformar
os brinquedos em algo tão real assim. Do chuveiro não sai água ao carro não tem
motor, tudo remete às brincadeiras de boneca que a gente fazia quando criança.
A Barbielândia é essa reprodução da infância e isso salta aos olhos e é somente
quando Barbie vai parar no Mundo Real é que as coisas começam a mudar.
Por
falar nisso, essa transição se dá quando a boneca de plástico começa a ter
pensamentos de morte. Isso faz com que sua realidade perfeita se altere e ela
tenha que lidar com problemas humanos, como celulite nas pernas e pés retos ao
invés daqueles arqueados.
Desesperada
para entender o que está acontecendo e mudar essa situação, ela procura a
Barbie Estranha/Ginasta (Kate McKinnon), uma versão rabiscada e flexível que
funciona como espécie de guru da Barbielândia. Após consultar seus livros, a
tal Estranha orienta a loirinha a encarar uma viagem para o mundo dos humanos a
fim de encontrar a menina que está brincando com ela e fechar o portal que foi
aberto entre as duas realidades.
Quem também embarca nessa aventura é Ken (Ryan Gosling), um boneco um tanto quanto carente que
tenta encontrar seu lugar na Terra. Ao chegar no mundo dos seres humanos, no
entanto, os dois se deparam com muito mais problemas e questões sociais do que
poderiam imaginar existir em seu mundinho cor de rosa.
Críticas
sociais marcam o tom do filme
Desde o início do filme, Barbie provoca
no público reflexões sobre as questões sociais abordadas, mas é justamente
quando os dois bonecos vão parar no Mundo Real que as críticas ficam ainda mais
fortes. Encantado com o patriarcado, Ken se deslumbra ao perceber que quem
manda aqui são os homens, não importa o que eles façam. Mesmo sendo menos
qualificado, menos inteligente ou menos educado que uma mulher, um homem tem
mais chance de conseguir tudo na vida.
Sendo
assim, Ken logo se adapta a essa realidade e consegue, em pouco tempo, destilar
todo tipo de machismo possível. Um bom momento do longa acontece quando ele
pergunta se pode falar com o médico responsável, sendo que a médica (uma
mulher) está bem na sua frente.
Para
Barbie, no entanto, esse choque não é nada agradável e ela fica totalmente
perdida com a nova realidade, já que vivia em um local dominado pelas mulheres.
E não demora muito para que a boneca sofra assédio nas mãos de um homem
qualquer, provando que nem corpos plásticos estão livres do abuso físico.
Outra
crítica importante é justamente sobre esse padrão de beleza inatingível, que
foi por muitos anos estimulado pela própria Mattel, empresa fabricante da
boneca. Quando cruza com uma idosa, Barbie passa um tempo observando suas rugas
e marcas de expressão — algo que ela nunca tinha visto, já que não existe uma
Barbie senhora. É então que ela solta; “você é linda”, no que a mulher
responde: “eu sei”. Essa quebra de expectativa arranca risadas no público, mas
também faz pensar o que a sociedade entende como beleza.
O que
fica claro, então, é que Greta Gerwig soube escolher bem o que criticar, mas
também acertou em como fazê-lo. A diretora dissolveu as alfinetadas durante o
filme para que ele não ficasse cansativo, mas ainda assim tivesse um forte caráter
questionador.
Até
críticas de cor e raça entraram na trama, quando a humana Gloria, vivida pela
descendente de hondurenhos America Ferrera, passa horas explicando uma
determinada solução e Barbie depois a resume, num claro exemplo do branco
salvador.
A
Mattel também entrou no jogo e, embora seja a patrocinadora do filme, também se
deixou ser criticada, já que aparece como uma empresa que pensa bonecas para os
desejos femininos, mas cuja alta cúpula é formada única e exclusivamente por
homens.
Barbies e Kens agradam, mas Glória
rouba a cena
Falando
agora um pouco em personagens, como já era esperado, tanto Margot Robbie quanto
Ryan Gosling agradam como Barbie e Ken. Apesar de interpretar apenas "mais
um Ken", Gosling entrega tanto carisma e humor que acaba se sobressaindo e
dando ao público o melhor da Ken-energia. Sua experiência em musicais, vide La
La Land, também contribuiu para que ele tivesse as
melhores performances nas cenas em que canta e dança.
Simu
Liu (Shang-Chi
e a Lenda dos Dez Anéis) é outro Ken que não faz feio,
assim como Ncuti Gatwa (astro de Sex
Education e Doctor
Who), embora este tenha menos destaque do que merecido.
Já na
parte das Barbies, com carisma, talento e dedicação, Robbie mostra por que é a
melhor boneca que o filme poderia ganhar e nos faz até esquecer que esse papel
um dia foi pensado para Amy Schumer. A loirinha consegue, ao mesmo tempo, se
mostrar rígida como uma boneca e flexível como um ser humano, chamando atenção
especialmente nas cenas mais emotivas.
Issa
Rae (Insecure) e Emma Mackey (Sex
Education) também agradam, mas aparecem pouco, assim como
Dua Lipa e sua Barbie Sereia, cuja participação seresume a dar apenas um
tchauzinho para a câmera. Quem rouba a cena mesmo é Gloria, vivida por Ferrera.
A atriz já tinha mostrado seu talento na famosa série Betty, A Feia, e aqui não deixa a desejar.
Ela
vive uma humana que trabalha na Mattel e ajuda Barbie a voltar para a
Barbielândia. Ao lado da atriz juvenil Ariana Greenblatt (Amor
e Monstros), que vive sua filha Sasha, ela se torna uma das
coadjuvantes mais importantes do longa e não deixa a peteca cair mesmo quando
tem que entregar falas complexas em meio a um universo cômico.
Bobo, engraçado e profundo
Voltando
ao texto, Barbie tem,
sim, muitas críticas importantes, mas não deixa de ser bobo na medida certa e
engraçado ao ponto de arrancar gostosas risadas. O enredo escrito pela própria
Greta Gerwig em parceria com seu marido Noah Baumbach (História
de Um Casamento) soube dosar comédia e drama para
conquistar os espectadores, quebrando o estigma de que histórias da boneca
serviriam apenas para crianças. Na verdade, até faz sentido a trama não ser
destinada aos pequenos.
Outros
grandes acertos da dupla, no entanto, foram não ter esquecido a origem de tudo
e ter colocado boas cenas com Rhea Perlman como Ruth Handler, a criadora da
boneca, e escolhido a vencedora do Oscar Helen Mirren como narradora, uma
"personagem" carismática que quebra a quarta parede e conversa com o público em
alguns momentos e só reforça a proximidade do público com esse mundo cor de
rosa.
Por fim, o que não faltam são elogios para provar que Barbie é sim um forte candidato a filme do ano e
até mesmo ao Oscar
de 2024. Embora tenha
algumas falhas, como os números musicais mais extensos do que deveriam ser e
alguns bons coadjuvantes deixados muito de lado, o filme consegue conquistar
pelo texto bem escrito e pela execução primorosa. Valeu a pena ter esgotado
quase toda a tinta rosa do mundo e também vale a pena gastar alguns trocados no
ingresso do cinema.
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