Homem de confiança de Flávio Dino e atual ministro da Justiça adjunto analisa a tentativa de golpe em 2023 e as prisões dos manifestantes radicais
Ricardo Cappelli nem tinha desfeito as malas quando foi tragado pelo turbilhão de manifestações
enfurecidas que tentavam derrubar o governo Luiz Inácio Lula da Silva, em 8 de janeiro
de 2023. Ele tinha recém chegado a Brasília para ocupar um cargo de segundo
escalão no governo federal (secretário-executivo no Ministério da Justiça) e
matava o tempo para pegar a mulher no aeroporto. Ambos estavam de mudança desde
o Maranhão, onde Cappelli atuava com Flávio Dino, que o convidou para ser
adjunto no Ministério da Justiça quando foi nomeado ministro.
Experiência política não faltava a Cappelli. Jornalista,
pós-graduado em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), esse
carioca de 51 anos presidiu a União Nacional dos Estudantes (UNE) entre 1997 e
1999, época em que militava no PCdoB. Nos governos Lula e Dilma, atuou no
Ministério do Esporte. Depois foi trabalhar na comunicação do governo estadual
de Flávio Dino no Maranhão. Só que nada o tinha preparado para o tumulto de 8
de janeiro.
Cappelli entrou direto no olho do furacão. Assistiu à turba cercar
o ministério e, ainda tentando impedir o ingresso no prédio, foi intimado a se tornar
interventor federal na Secretaria da Segurança Pública do
Distrito Federal. É que o titular daquele cargo, o bolsonarista Anderson
Torres, estava no Exterior e as tropas da PM não pareciam dispostas a enfrentar
a massa ensandecida de manifestantes que depredavam as sedes dos Três
Poderes.
Desde aqueles dias de tumulto, Cappelli atua como braço direito do
ministro da Justiça e da Segurança Pública, Flávio Dino. Nessa entrevista
exclusiva, ele recorda os momentos de tensão e analisa o episódio que colocou
em xeque a democracia no Brasil:
O que o senhor fazia na hora em que a multidão invadiu a Praça dos
Três Poderes?
Veja, eu estava almoçando com uns amigos. Fazendo hora para buscar
minha esposa no aeroporto. Ela estava chegando com meu filho e a mudança, vinda
do Maranhão. É que até 31 de dezembro eu era secretário de Comunicação do
governo estadual maranhense. Quando veio a tentativa de golpe, eu estava há uma
semana em Brasília, auxiliando o futuro ministro Flávio Dino. Fiquei primeiro
num hotel e depois num apartamento alugado pelo AirBnB. Quando começou o
tumulto, fui para o ministério, onde encontrei o ministro e de onde assistimos
às invasões, pela janela.
O senhor chegou a dizer que havia um vácuo de comando no DF.
Explique melhor o cenário...
O secretário
de Segurança, Anderson Torres, não estava aqui, estava no Exterior. E o
comandante da Polícia Militar, coronel Fábio Augusto, tinha claramente perdido
o comando da tropa. A gente via isso no semblante dele. Tinha um cenário de
vácuo. O governador foi logo em seguida afastado. E a primeira missão no 8 de
janeiro foi recobrar a autoridade sobre as tropas.
Em que momento o senhor foi convidado para ser interventor no
Distrito Federal e qual foi sua reação?
Eu não fui
convidado, fui comunicado (risos). Primeiro pela chefe de
gabinete do ministro Flávio Dino, depois por ele. O interventor seria ele, mas
ele consultou a Constituição e, como ele já tinha sido diplomado senador, se
fosse para o governo poderia perder o mandato eletivo. O presidente Lula falou:
"Tem de arrumar alguém aí, urgente, pra assumir a missão". Eu estava
aqui na janela lateral do prédio (do ministério da Justiça),
olhando, e tinha uns manifestantes tentando entrar. Tinha uns ministros aqui na
sala e eu falei: "Olha, se esses caras resolvem invadir, vai dar
problema". Na entrada do edifício tinha uns policiais da Força Nacional de
Segurança, numa atitude passiva, apenas contemplando a passagem dos
manifestantes. Aí eu desci, me apresentei, dei uma voz de comando, botei eles (os
policiais) em linha, determinei que a partir daquele momento
ninguém mais passasse daquela linha. Aí olhei pra cima e vi que o ministro
Flávio Dino e o ministro Alexandre Padillha apontavam pra mim, pela vidraça. Aí
subi e a chefe de gabinete do ministro virou para mim e falou:
"secretário, o seu nome é Ricardo Cappelli mas tem outro nome no meio, né"...Eu
perguntei: para que? Ela respondeu: "É que o ministro falou que o senhor
vai ser o interventor federal na Segurança."
O senhor chegou a ser militar? É que falou “dei voz de comando aos
policiais”...
Não, não
cheguei a ser militar, não (risos)...mas isso aí são anos
de experiência em manifestação (Cappelli foi militante político estudantil).
Que falhas o senhor identifica na prevenção dos atos
antidemocráticos?
Está na
Constituição Federal que a segurança ostensiva da Capital Federal e dos poderes
aqui constituídos é do governo do Distrito Federal. O governo estadual daqui
recebeu mais de R$ 22 bilhões, no ano passado, para investir em segurança. Para
isso recebem esse bilhões, todo ano. Então houve uma falha, claro,
do comando da Secretaria de Segurança Pública no planejamento e na execução do
plano de segurança. Sem dúvida alguma.