Cinco mandados de prisão preventiva e 11 ordens de busca e apreensão são cumpridos pela Polícia Civil na Região Metropolitana
GZH
Por meio de uma chamada de vídeo, de dentro da Penitenciária de Alta
Segurança de Charqueadas (Pasc), o líder de um grupo
criminoso deu ordens de como dois assaltantes deveriam torturar, aterrorizar e
extorquir uma família de Viamão durante
assalto. É isso que aponta a investigação da Polícia Civil, que desencadeou uma
operação na Região Metropolitana,
na manhã desta terça-feira (6), para cumprir cinco mandados de prisão
preventiva e 11 ordens de busca e apreensão.
Torturas,
inclusive com choque, espancamentos, extorsão de valores em dinheiro e até o
estupro de uma adolescente estão entre os crimes cometidos contra a família.
Para a polícia, a ação — além de contar com informações privilegiadas, de quem
conhecia a rotina das vítimas — foi uma forma de demonstração de poder por
parte do grupo criminoso, que tenta dominar o tráfico na região e, para isso,
intimida moradores.
"Esse caso já seria especial pela gravidade dos crimes: tortura, estupro de vulnerável, extorsão, sequestro, só crimes gravíssimos. Mas se torna mais grave quando se percebe que foi comandado por uma organização criminosa" — afirma o delegado Júlio Fernandes Neto, da 2ª Delegacia de Polícia de Viamão.
Dois criminosos invadiram a casa da família, torturaram um casal e
estupraram a adolescente, que ainda foi obrigada a seguir com eles. Os bandidos
também extorquiram as vítimas, obrigando-as a transferir dinheiro, e fugiram
levando pertences.
Após a
madrugada de terror, os pais e a garota passam por tratamento psicológico,
abandonaram a casa e deixaram o município, traumatizados.
O líder
Um dos
objetivos da ofensiva é responsabilizar o mandante do crime e conseguir
elementos para embasar um pedido ao Judiciário, para que ele seja encaminhado
ao sistema penitenciário federal. O envio de chefes de facções para
penitenciárias fora do Estado tem sido uma das estratégias usadas no RS como
forma de tentar reduzir o impacto das lideranças no crime organizado.
"O prejuízo do uso do celular na cadeia é imensurável. As maiores lideranças das facções estão atrás das grades, mas não se consegue fazer com que pare a prática criminosa devido ao celular. Esse caso é a prova concreta disso. Um crime bárbaro, de extrema violência" — afirma o delegado Juliano Ferreira, da 1ª Delegacia Regional Metropolitana.
Segundo a
polícia, a facção que atua na área onde aconteceu o crime não domina todo o
tráfico em Viamão, mas vem tentando expandir pontos e, para isso, tem como alvo
especialmente as comunidades mais carentes, limítrofes com Porto Alegre. A
organização criminosa, com berço no bairro Bom Jesus, na Capital, tem como
marca a violência.
"Essa facção está em expansão em todo Rio Grande do Sul, e aqui não é diferente. Eles têm essa característica de ir tomando territórios. Vão entrando, daqui a pouco começam a obrigar moradores a esconder drogas, armas, a serem coniventes com o tráfico. Cada bairro que eles conseguem se estabelecer, implantar o tráfico de drogas e de armas, isso significa dinheiro que entra mensalmente. Inclusive esses valores que são extorquidos dos moradores. Esse caso é um bom exemplo do que eles são capazes de fazer" — detalha o delegado Fernandes Neto.
Ainda que a violência do grupo seja conhecida, a exacerbação nesse
caso chamou a atenção dos policiais desde o início. Assim que foram informados
sobre o crime, os agentes seguiram até a casa para entender o que poderia ter
levado aquele tipo de ação.
A
investigação apontou que os criminosos contavam com informações privilegiadas,
que teriam sido repassadas por um familiar das vítimas — por isso, a operação
ganhou o nome de Iscariotes. Um dos alvos da operação foi o irmão do
proprietário da residência. A suspeita é de que ele tenha sido um dos responsáveis
por repassar informações ao grupo criminoso.
"O irmão dele foi a pessoa que fez a ponte entre os criminosos do sistema prisional e esses do lado de fora que praticaram o crime. Eles tinham informação privilegiada, conheciam a rotina da vítima, sabiam que era empresário, da capacidade econômica, o funcionamento da casa, os horários. Esse irmão é um líder comunitário no bairro" — afirma o delegado Fernandes Neto.
O motivo
que teria levado o familiar a repassar as informações, segundo a polícia, teria
sido a cobrança de uma dívida.
Para o
delegado Fernandes Neto, a forma como os bandidos agiram é também um meio de
causar temor entre os outros moradores. A própria vítima diz que outros
vizinhos já foram extorquidos ou tiveram casas dominadas pelo tráfico.
O nome do alvo da investigação, que possui pelo menos 12
indiciamentos por homicídios, segundo a polícia, não foi divulgado para não dar
notoriedade à ação entre os criminosos e aumentar o temor na comunidade.
"Nesses 20 anos de polícia, não lembro de ter visto um caso como esse. Depois que isso aconteceu, se não tiver uma resposta muito forte do Estado, quem é que vai pagar para ver dentro daquela comunidade? Esse tipo de fato bárbaro não acontece ao acaso. Não aconteceu aleatoriamente. Não foi um crime de oportunidade, tem uma razão. Esse tipo de crime, quando é comandado de dentro do sistema prisional, é como se fosse uma afirmação de poder. A crueldade desse fato está vinculada a isso" — afirma Neto.
Os outros alvos
Além do
detento, há outros quatro alvos na ação: um sobrinho das vítimas, que está
detido no Presídio Central; o pai dele, preso em Viamão; uma mulher que teria
recebido os valores da extorsão, presa em Porto Alegre; e um homem identificado
como um dos criminosos que invadiram a residência da família, que ainda é
procurado. Todos tiveram prisão preventiva decretada pela Justiça. A
investigação ainda tenta descobrir quem foi o outro autor do roubo.
Também
são cumpridos 11 mandados de busca e apreensão em diferentes locais da Região
Metropolitana. A polícia suspeita inclusive que os mesmos criminosos possam
estar envolvidos em uma série de roubos a estabelecimentos comerciais em Viamão.
"São crimes gravíssimos, que por mais que a gente viva numa realidade de barbárie, hoje, que estejamos acostumados com crimes violentíssimos, extrapola qualquer situação. Não tenho dúvidas, que pela prática e pela violência perpetrada, o mandante tem que ser imediatamente incluído no rol dos presos a serem encaminhados às penitenciárias federais. Esse crime não pode ficar impune de maneira alguma" — conclui o delegado Ferreira.
A Pasc
Em
janeiro de 2015, a Justiça rebaixou a classificação da casa prisional para de
média segurança, em razão da apreensão de materiais ilícitos, fugas e do acesso
a celulares pelos presos dentro da cadeia. Naquele mesmo ano, um apenado foi
assassinado em plena luz do dia na prisão que deveria ser modelo no Estado.
O uso de drones, segundo a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), é uma das formas empregadas pelos criminosos para levar materiais, como celulares e drogas, para dentro da unidade prisional. O abate desse tipo de equipamento, sobrevoando a penitenciária, é recorrente.