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terça-feira, 6 de julho de 2021

Operação mira líder de facção por comandar, de dentro da Pasc, assaltos e torturas a família em Viamão

Cinco mandados de prisão preventiva e 11 ordens de busca e apreensão são cumpridos pela Polícia Civil na Região Metropolitana

GZH

PASC

Por meio de uma chamada de vídeo, de dentro da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc), o líder de um grupo criminoso deu ordens de como dois assaltantes deveriam torturar, aterrorizar e extorquir uma família de Viamão durante assalto. É isso que aponta a investigação da Polícia Civil, que desencadeou uma operação na Região Metropolitana, na manhã desta terça-feira (6), para cumprir cinco mandados de prisão preventiva e 11 ordens de busca e apreensão.

Torturas, inclusive com choque, espancamentos, extorsão de valores em dinheiro e até o estupro de uma adolescente estão entre os crimes cometidos contra a família. Para a polícia, a ação — além de contar com informações privilegiadas, de quem conhecia a rotina das vítimas — foi uma forma de demonstração de poder por parte do grupo criminoso, que tenta dominar o tráfico na região e, para isso, intimida moradores. 

"Esse caso já seria especial pela gravidade dos crimes: tortura, estupro de vulnerável, extorsão, sequestro, só crimes gravíssimos. Mas se torna mais grave quando se percebe que foi comandado por uma organização criminosa" — afirma o delegado Júlio Fernandes Neto, da 2ª Delegacia de Polícia de Viamão

Dois criminosos invadiram a casa da família, torturaram um casal e estupraram a adolescente, que ainda foi obrigada a seguir com eles. Os bandidos também extorquiram as vítimas, obrigando-as a transferir dinheiro, e fugiram levando pertences.

Após a madrugada de terror, os pais e a garota passam por tratamento psicológico, abandonaram a casa e deixaram o município, traumatizados. 

O líder 

Um dos objetivos da ofensiva é responsabilizar o mandante do crime e conseguir elementos para embasar um pedido ao Judiciário, para que ele seja encaminhado ao sistema penitenciário federal. O envio de chefes de facções para penitenciárias fora do Estado tem sido uma das estratégias usadas no RS como forma de tentar reduzir o impacto das lideranças no crime organizado. 

"O prejuízo do uso do celular na cadeia é imensurável. As maiores lideranças das facções estão atrás das grades, mas não se consegue fazer com que pare a prática criminosa devido ao celular. Esse caso é a prova concreta disso. Um crime bárbaro, de extrema violência" — afirma o delegado Juliano Ferreira, da 1ª Delegacia Regional Metropolitana

Segundo a polícia, a facção que atua na área onde aconteceu o crime não domina todo o tráfico em Viamão, mas vem tentando expandir pontos e, para isso, tem como alvo especialmente as comunidades mais carentes, limítrofes com Porto Alegre. A organização criminosa, com berço no bairro Bom Jesus, na Capital, tem como marca a violência. 

"Essa facção está em expansão em todo Rio Grande do Sul, e aqui não é diferente. Eles têm essa característica de ir tomando territórios. Vão entrando, daqui a pouco começam a obrigar moradores a esconder drogas, armas, a serem coniventes com o tráfico. Cada bairro que eles conseguem se estabelecer, implantar o tráfico de drogas e de armas, isso significa dinheiro que entra mensalmente. Inclusive esses valores que são extorquidos dos moradores. Esse caso é um bom exemplo do que eles são capazes de fazer" — detalha o delegado Fernandes Neto.  

Ainda que a violência do grupo seja conhecida, a exacerbação nesse caso chamou a atenção dos policiais desde o início. Assim que foram informados sobre o crime, os agentes seguiram até a casa para entender o que poderia ter levado aquele tipo de ação.

A investigação apontou que os criminosos contavam com informações privilegiadas, que teriam sido repassadas por um familiar das vítimas — por isso, a operação ganhou o nome de Iscariotes. Um dos alvos da operação foi o irmão do proprietário da residência. A suspeita é de que ele tenha sido um dos responsáveis por repassar informações ao grupo criminoso. 

"O irmão dele foi a pessoa que fez a ponte entre os criminosos do sistema prisional e esses do lado de fora que praticaram o crime. Eles tinham informação privilegiada, conheciam a rotina da vítima, sabiam que era empresário, da capacidade econômica, o funcionamento da casa, os horários. Esse irmão é um líder comunitário no bairro" — afirma o delegado Fernandes Neto. 

O motivo que teria levado o familiar a repassar as informações, segundo a polícia, teria sido a cobrança de uma dívida. 

Para o delegado Fernandes Neto, a forma como os bandidos agiram é também um meio de causar temor entre os outros moradores. A própria vítima diz que outros vizinhos já foram extorquidos ou tiveram casas dominadas pelo tráfico.

O nome do alvo da investigação, que possui pelo menos 12 indiciamentos por homicídios, segundo a polícia, não foi divulgado para não dar notoriedade à ação entre os criminosos e aumentar o temor na comunidade.   

"Nesses 20 anos de polícia, não lembro de ter visto um caso como esse. Depois que isso aconteceu, se não tiver uma resposta muito forte do Estado, quem é que vai pagar para ver dentro daquela comunidade? Esse tipo de fato bárbaro não acontece ao acaso. Não aconteceu aleatoriamente. Não foi um crime de oportunidade, tem uma razão. Esse tipo de crime, quando é comandado de dentro do sistema prisional, é como se fosse uma afirmação de poder. A crueldade desse fato está vinculada a isso" — afirma Neto.  

Os outros alvos  

Além do detento, há outros quatro alvos na ação: um sobrinho das vítimas, que está detido no Presídio Central; o pai dele, preso em Viamão; uma mulher que teria recebido os valores da extorsão, presa em Porto Alegre; e um homem identificado como um dos criminosos que invadiram a residência da família, que ainda é procurado. Todos tiveram prisão preventiva decretada pela Justiça. A investigação ainda tenta descobrir quem foi o outro autor do roubo.  

Também são cumpridos 11 mandados de busca e apreensão em diferentes locais da Região Metropolitana. A polícia suspeita inclusive que os mesmos criminosos possam estar envolvidos em uma série de roubos a estabelecimentos comerciais em Viamão.  

"São crimes gravíssimos, que por mais que a gente viva numa realidade de barbárie, hoje, que estejamos acostumados com crimes violentíssimos, extrapola qualquer situação. Não tenho dúvidas, que pela prática e pela violência perpetrada, o mandante tem que ser imediatamente incluído no rol dos presos a serem encaminhados às penitenciárias federais. Esse crime não pode ficar impune de maneira alguma" — conclui o delegado Ferreira. 

A Pasc

Em janeiro de 2015, a Justiça rebaixou a classificação da casa prisional para de média segurança, em razão da apreensão de materiais ilícitos, fugas e do acesso a celulares pelos presos dentro da cadeia. Naquele mesmo ano, um apenado foi assassinado em plena luz do dia na prisão que deveria ser modelo no Estado.

O uso de drones, segundo a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), é uma das formas empregadas pelos criminosos para levar materiais, como celulares e drogas, para dentro da unidade prisional. O abate desse tipo de equipamento, sobrevoando a penitenciária, é recorrente.

sábado, 3 de abril de 2021

Como MP e Polícia Civil agem para conter influência de líderes de facção que retornam ao RS

Estratégia, informações de inteligência e trabalho integrado entre instituições da segurança pública tentam conter avanço dos assassinatos

Em julho de 2017, 27 líderes do crime organizado foram transferidos para prisões federais

A análise da necessidade de transferência de presos para penitenciária federal passa pela compilação de informações de agências de inteligência de Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), Brigada Militar (BM), Polícia Civil e Ministério Público. Quando um nome começa a ser mencionado em mais de uma delas, é o sinal de alerta para sua importância e periculosidade. Conter o avanço de assassinatos em Porto Alegre mesmo com o retorno de líderes de grupos criminosos violentos para o sistema prisional gaúcho — ou mesmo reforçar pedidos para permaneçam fora do Rio Grande do Sul — requer estratégia, informações inteligência e trabalho integrado entre instituições da segurança pública. Na terça-feira (30), GZH mostrou como a volta paras as cadeias do Estado de três presos transferidos para penitenciárias federais entre 2017 e 2018 tem impactado no aumento da violência em regiões da Capital. Com a comunicação com o mundo externo restabelecida, passam a focar na expansão de territórios para venda de drogas, o que gera disputa entre facções rivais.

Os pedidos, que também contêm informações de ocorrências e inquéritos, são elaborados por Secretaria da Segurança Pública (SSP), Polícia Civil e BM e referendados pelo MP, com o objetivo de demonstrar que um conjunto de instituições defende determinadas remoções. A análise das transferências passa pelo crivo de um colegiado juízes do Estado e depois é encaminhada para o magistrado federal. Quando um preso vai para o sistema federal e retorna, esse trabalho volta para a estaca zero.

Com atuação na 1ª Vara do Júri da Capital desde 2004, a promotora Lucia Helena Callegari tem convicção que a remoção de presos diminui a criminalidade do dia a dia e impacta na estrutura de políticas de segurança pública com reflexos na rua:

"A remessa para o presídio federal desestrutura a facção, não tenho dúvida disso. Não só tira o acesso a celular, mas o contato com todos os subordinados e mesmo aquele contato direto com quem entra e sai do sistema, o que permite entrega de recados. Nada acontece sem que o líder tenha conhecimento. Se não deu a ordem para matar, dá o aval, o que também é ruim."

Em 2017, começaram as transferências de primeiro escalão dos grupos, seguidas por operações nos anos posteriores que também miraram segundo e terceiro níveis hierárquicos das organizações criminosas. 

O MP também recorre dos pedidos de transferências que não são aceitos pelo Judiciário e reúne elementos para manter a remoção dos que ainda seguem no sistema federal. Dentro desse contexto, são determinantes a colaboração de integrantes da própria facção, por meio de delação premiada, e a apreensão e análise celulares.

"Mostramos o quanto foi positiva a permanência e como o retorno é difícil em termos de sociedade. As remessas e as escolhas são muito estudadas, não são aleatórias, passam pelo crivo de diversas instituições. A nossa missão é desorganizar o crime e o Estado estar à frente das ações deles. Essa disputa não é só sobre quem mata, mas também a forma como se mata e como se exibe isso"  — argumenta a promotora.

A diretora do Departamento de Homicídios da Polícia Civil, delegada Vanessa Pitrez, reconhece que manter A queda indicadores de homicídios com líderes dentro da cadeias do RS é mais desafiador. Requer trabalho de inteligência mais apurado que possibilite a polícia se antecipar a ocorrência dessas mortes.

"Quando se tem qualquer sinal que está para acontecer uma disputa pelo domínio do tráfico em certa localidade, usamos estratégias para frustrar essas ações, como o trabalho focado em prender alguns executores mesmo que seja por outros homicídios."

Um dos principais focos da polícia para conter o acirramento das disputas sangrentas é fazer com que os inquéritos responsabilizem a última instância de comando do grupo. Outro são as operações contenção, para saturação de áreas toda vez que se identifica a iminência de um novo conflito, reforçando a presença da polícia para prender foragidos e aumentar sensação de segurança da comunidade local. Uma dessas ações foi feita logo depois atentado, em outubro do ano passado, quando criminosos passaram de carro disparando contra um veículo estacionado em frente à emergência do Hospital Cristo Redentor. Na época, o foco da saturação foram áreas do bairro Sarandi, na Zona Norte.

Também cabe à polícia reunir informações para reafirmar a necessidade de retorno dessas pessoas ao sistema federal, como forma de minimizar seu comando e a ordem de novos assassinatos. Nisso reside a importância de formar prova que responsabilize os líderes pelo mando de mortes nas ruas, dando argumentos contundentes para embasar os pedidos de remoção.

"80% dos presos que vão para o federal, vão pelos homicídios, não vão por causa de tráfico e porte de arma. Uma pequena parcela vai por envolvimento em roubo a banco ou por integrar organização criminosa de roubo de veículo. O que manda eles para o sistema federal são inúmeros homicídios, que são os crimes mais graves e que mantêm o preso provisório mais tempo na cadeia até que ele seja julgado. Quando o preso vai para penitenciária federal, ele fica adormecido lá, inviabilizado. Mas não sai daquela posição de comando. Não perde a posição e status e, quando retorna, quer mostrar força" — explica a delegada.

sábado, 10 de agosto de 2019

Da rua à cadeia: o sistema para encontrar uma vaga em presídios dominados por facções

Três servidores monitoram as prisões gaúchas 24 horas por dia e definem para onde cada detento deve ser encaminhado

A prisão de Fernando* chegou ao conhecimento do Departamento de Segurança e Execução Penal (Dsep) às 7h18min de 30 de julho.
Enviado pela 3ª Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA), o e-mail era sucinto: "Segue a lista de presos. Att". Em anexo, um documento continha o nome do detento.
Cristiano Fortes, diretor do Dsep.Mateus Bruxel / Agencia RBS
Responsável pelo encaminhamento de presos, o Dsep monitora o sistema penitenciário gaúcho 24 horas por dia. É uma espécie de "Big Brother" das prisões, mas que funciona de modo quase artesanal. Instalado em uma sala compacta no quarto andar do prédio da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), opera com três servidores e seus computadores.
"Não existe, no país, outro departamento fazendo esse trabalho 24 horas por dia. É uma referência" — contou Cristiano Fortes, diretor do Dsep.
É um serviço manual. Por e-mail, os agentes recebem todas as manhãs a lista de presos aguardando a entrada em uma casa prisional e o número de detentos recolhidos em cada unidade. A partir daí, buscam solução para uma conta que nunca fecha.
Até 1º de agosto, as polícias gaúchas haviam prendido 9,3 mil pessoas em 2019. São 2,2 mil a mais do que no mesmo período do ano passado, quando 7,1 mil foram recolhidas. Nesse intervalo, apenas 624 vagas foram abertas. No dia em que Fernando foi pego, o tempo médio de espera de alguém preso para entrar no sistema penitenciário era de 5,29 dias.
Para os servidores, além do nome do preso, uma importante informação que vem da Polícia Civil é a sua facção. No Estado, cada galeria do sistema carcerário está sob o controle de um grupo criminoso. Institucionalizado nos presídios gaúchos desde a década de 1990, esse mapa do crime é consultado numa folha de ofício pelos agentes antes de cada transferência. Os servidores chamam os módulos de "moradias", e o preso só irá entrar no mesmo "lar" dos seus companheiros.
"Assim, evitamos, casos como Altamira" — resumiu um funcionário da Susepe, referindo-se ao massacre que matou 62 pessoas em uma cadeia no Pará no fim de julho.
Depois de declarar na delegacia a qual grupo criminoso pertence, o detento tem o dado confrontado no Dsep pelo Infopen, sistema nacional de informações penitenciárias.
"Às vezes, o preso mente para sobreviver. Por isso, sempre confrontamos a informação da delegacia. Esse trabalho demora, precisa ser feito com toda a delicadeza. Uma triagem errada pode colocar em risco todo o sistema" — completou uma agente.
Na manhã do último dia 30, essa servidora consultou o RG de Fernando. Pelo Infopen, viu que era antigo conhecido do sistema. Com 27 anos, tem 20 passagens pela polícia — a primeira, ainda adolescente infrator, aos 16, por porte ilegal de arma —, além de uma condenação a oito anos por tráfico de drogas e três prisões em regime fechado.
Na mais recente, cumpriu quatro meses na Penitenciária Estadual de Arroio dos Ratos em razão de um flagrante, também por tráfico. Progrediu para o semiaberto em 12 de janeiro de 2019, mas, sem tornozeleiras à disposição, ficou durante quatro meses se apresentando semanalmente no Instituto Penal Pio Buck, em Porto Alegre. No dia 10 de maio, a Susepe instalou o equipamento para monitorá-lo.
Pelas “moradias” nas quais Fernando passou, a servidora confirmou que ele pertence à facção da qual dizia fazer parte. O grupo é responsável pelo tráfico no Morro Santa Tereza e tem presos em três prisões da Região Metropolitana.
Na ausência de uma vaga, foi parar em uma planilha de Excel, o último nome dos 118 à espera do cárcere naquele momento. Da sua quadrilha, quatro estavam à frente na fila – o mais antigo, estava havia 11 dias, desde 19 de julho, em viatura.

sábado, 27 de julho de 2019

Regime Disciplinar Diferenciado é alternativa para isolar líderes de facções no RS

Neste modelo, semelhante ao adotado nas penitenciárias federais, o isolamento e as revistas frequentes dificultariam a ocultação de aparelhos pelos presos
No Rio Grande do Sul, em uma década, 72 mil celulares foram apreendidos nas cadeias (dados de 2008 a 2017). É o retrato de que a proibição do uso de telefones pelos detentos, na maioria das prisões, é realidade somente no papel. É justamente para evitar que líderes de facções mantenham contato com o crime no lado externo que especialistas da área de segurança defendem a implementação de um regime diferenciado no Estado.
Neste modelo, semelhante ao adotado nas penitenciárias federais, o isolamento e as revistas frequentes dificultariam a ocultação de aparelhos pelos presos. Entre as alternativas discutidas está a construção de uma prisão com esse perfil ou a adaptação da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas, a Pasc.
Em julho de 2017, o RS adotou como medida de combate ao crime organizado o isolamento de 27 chefes de facções fora do Estado. A medida é apontada como um dos fatores na redução dos indicadores de homicídios. No primeiro semestre deste ano, foram registradas 303 mortes a menos do que no mesmo período do ano passado no Estado. Dos apenados, oito regressaram ao território gaúcho e 17 estão prestes a ter o período de confinamento encerrado. O grupo soma 387 anos de pena a cumprir por crimes como homicídio, tráfico de drogas e ataques a bancos. 
A cada 360 dias, é preciso pedir autorização ao Judiciário para que os presos permaneçam segregados. A Polícia Civil e o Ministério Público solicitaram no mês passado que o prazo seja prorrogado. Todos  os presos tiveram o pedido de manutenção do isolamento negado.

Neste cenário, a implementação de um regime próprio, que permitiria manter líderes confinados, sem acesso a celulares, mas sem necessitar do encaminhamento para fora do RS, surge como alternativa para enfrentamento ao crime. A Promotoria defende que o regime seja instalado em uma nova penitenciária estadual, com cem a 200 vagas, em celas individuais, com controle de visitas e investimento em tecnologias, como bloqueador de celular e scanner. 
A proposta foi levada ao secretário da Administração Penitenciária, César Faccioli. Isso impediria ainda o contato com detentos de outras organizações criminosas.
"Nas prisões federais estão os presos mais perigosos de cada Estado. Em Mossoró, por exemplo, está o Fernandinho Beira-Mar. Embora não entre celular, não evita 100% da comunicação. Eles acabam tendo contato. E isso pode ser perigoso ali na frente. Seria muito melhor termos estrutura diferenciada para isolá-los aqui" — analisa o coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal e de Segurança Pública do MP, promotor Luciano Vaccaro.
22 horas por dia na cela
Dentro dessas penitenciárias federais, parte do espaço é destinada ao mais rígido sistema permitido no Brasil: o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), onde o detento permanece 22 horas por dia na cela. Desde fevereiro, as visitas nas unidades federais só são permitidas em parlatório, onde o preso e o familiar ficam separados por um vidro e se comunicam por interfone. Com celas individuais, uniformes, apenas duas horas por dia de banho de sol, sob vigilância de câmeras e sem acesso aos meios de comunicação, segundo o Ministério da Justiça, as prisões federais nunca registraram fugas, rebeliões ou superlotação. Nenhum celular entrou nas unidades, que contam com quatro etapas de revista.
Juiz da 1ª Vara de Execução Criminal de Porto Alegre, Paulo Augusto Oliveira Irion também acredita que a construção de uma prisão com aplicação do RDD é a saída para conseguir manter criminosos sem contato com o mundo externo, sem impedir a convivência com familiares.
"Está na hora de o RS ter uma prisão estadual com condição de aplicação de RDD. Com presos sendo mantidos no Estado, não ficando afastado dos familiares, o que vai a favor da reintegração na sociedade. Pode ser uma casa pequena, com agentes penitenciários especializados nesse regime."
Não precisa ter o tamanho de uma penitenciária federal. Assim se conseguiria fazer com custo menor – argumenta.
Como funciona a penitenciária federal

·  Perfil do detento: o regime diferenciado é voltado para detentos de alta periculosidade, como líderes de organizações criminosas que seguem comandando crimes de dentro das cadeias. O espaço poderia abrigar, por exemplo, criminosos no retorno de penitenciárias federais. 

·  Visitas: em fevereiro, uma portaria do Ministério da Justiça recrudesceu as regras para visitas em prisões federais. Até então, a maioria dos presos recebia visitas no pátio, embora de forma controlada. A partir da publicação, visitas em penitenciárias federais de segurança máxima só podem ser feitas por parlatório ou videoconferência. No parlatório familiares, separados por vidro, podem conversar com o preso por um interfone. 

·  O preso poderá ser atendido uma vez por semana, apenas por um advogado, em dia e horário de expediente administrativo, unicamente em parlatório, às segundas, terças ou sextas-feiras, mediante prévio agendamento e terá duração máxima de uma hora.

·  Visita íntima: nas penitenciárias federais, a visita íntima pode ser concedida com periodicidade mínima de uma vez por mês por uma hora. No entanto, é vedado a visita íntima a líderes de organização criminosa e membros de quadrilha ou bando envolvido na prática reiterada de crimes com violência, entre outros.
Prisão federal de Charqueadas nunca saiu do papel
Chefe do Departamento de Inteligência Estratégica da Secretaria da Segurança Pública (SSP) do RS, e ex-chefe da Polícia Civil, Emerson Wendt explica que, apesar de impedir a comunicação externa com integrantes do mesmo grupo, o contato com criminosos de outros Estados pode ser um risco à segurança.
"Essa seria a melhor saída: ter um RDD. Teria o mesmo efeito que tem enviando para o sistema prisional federal, mas mais positivo em relação a não possibilitar contato com presos de outras facções" — afirma o delegado.
Para o delegado, uma possibilidade de isolar criminosos do Estado aqui seria construir uma prisão federal para abrigar só presos gaúchos.
"Creio que o melhor seria cada Estado ter sua prisão federal, para isolar os principais presos, que têm influência na rua. Também é fundamental descapitalizar as organizações criminosas. Algo que já vem sendo feito. Não adianta isolar, se ele continua com capital."
“Importação” 
O RS aguarda há mais de dois anos pela construção da Penitenciária Federal de Charqueadas, na Região Carbonífera. Anunciada em 2017, a obra tem orçamento de R$ 50 milhões. O Departamento Penitenciário Nacional (Depen) terá de lançar outra licitação para a obra caso decida levar o projeto adiante — procurado sobre prazos, o Depen não se manifestou.
Já o magistrado da 1ª Vara de Execução Criminal, Paulo Irion, é contrário à construção de uma unidade federal aqui.
"Sou totalmente contra. A capacidade de um federal é 208 presos. Nós não temos essa demanda aqui. Íamos acabar importando presos de outros Estados. Fazendo com que outras facções criminosas passem a atuar aqui" — afirma.
Custo de unidade modelo é de R$ 45 milhões
A mais nova penitenciária federal é a de Brasília, inaugurada há nove meses, que custou R$ 45 milhões. O valor serve de base para analisar o investimento necessário para construção de uma prisão em modelo semelhante no Estado. Diante do cenário de escassez de recursos, uma das possibilidades debatidas para isolar presos é adequar a Penitenciária de Alta Segurança (Pasc). A unidade, inaugurada em 1992, tem celas individuais. Mas com o histórico de fugas, perdeu ao longo dos anos o status de segurança máxima.Após a Operação Pulso Firme, em 2017, o Departamento de Inteligência da Secretaria da Segurança Pública produziu relatório, no qual defendia a adequação da penitenciária para receber celas em RDD.
O documento foi debatido com a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe). A sugestão era reformar uma galeria da Pasc ou construir uma nova ala, com 60 a 70 vagas, junto aos muros da prisão. Sem bloqueador de celular, a unidade contaria com revistas frequentes. Seria uma forma de isolar os principais chefes, com mais agilidade, impedindo que comandem delitos cometidos do lado de fora.
"Um criminoso que precisa entrar em contato com um líder dentro da cadeia simplesmente pega o telefone e fala diretamente. Muitos vídeos de execuções eram feitos com objetivo de mostrar ao mandante, que estava na prisão. Tem pessoas que necessitam estar segregadas. Um ambiente aqui vai te dar um resultado mais efetivo do que construir uma ou duas cadeias maiores. Porque isola quem com uma ligação pode comandar execuções, incêndios em ônibus, roubos a bancos" – avalia o delegado Rodrigo Pohlmann, que na época chefiava Departamento de Inteligência Estratégica da SSP.
Em contrapartida, o juiz Paulo Irion, responsável pelos presídios da Região Carbonífera, entende que a penitenciária não possui condições de abrigar uma prisão com essa finalidade:
"A Pasc está defasada. Não tem condições."
Planos
Conforme o secretário Cesar Faccioli, a proposta de implantação de um RDD no Estado está nos planos do governo. Entretanto, há outras prioridades, como a falta de vagas no presídios, o que tem gerado acúmulo de presos em viaturas.
"O plano ideal é a construção de uma nova casa, pequena. Outra hipótese é adaptação da estrutura da Pasc. Qualquer casa permite intervenção de engenharia adaptada para RDD."
O Rio de Janeiro, há cerca de oito anos, apostou nessa fórmula de transformar uma prisão existente em penitenciária de segurança máxima com regime diferenciado, em Bangu 1. Com capacidade para 48 presos, a cadeia opera sem superlotação. Mas as principais lideranças ainda seguem encaminhadas para unidades federais fora do Estado. O local é usado por períodos mais curtos, por exemplo, para receber os detentos que retornam ou estão prestes a serem encaminhados ao sistema federal. O promotor Luciano Vaccaro alerta que reformar uma prisão traz riscos:
"Quando tem uma estrutura que os presos já conhecem é difícil de ter isolamento 100%. E os presos conhecem cada centímetro da Pasc. Uma estrutura nova seria diferente. Mas claro se houver uma decisão de fazer um RDD na Pasc amanhã nós concordamos. Melhor do que não ter. Então teríamos que normatizar, regrar o RDD no Estado, por meio de uma portaria."

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Controle de presídios por facções é resultado da ausência do Estado, admite Jungmann

Lotação carcerária e facções que comandam o crime organizado de dentro das cadeias são alguns dos problemas do sistema prisional brasileiro e que precisam ser combatidos. Para isso, existem, pelo menos, quatro medidas para tentar solucionar esta crise.

Em entrevista exclusiva ao Jornal da Manhã, o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, afirmou que “a ausência do Estado leva a esse tipo de problema” com facções “recrutando” novos apenados, por exemplo.
Segundo ele, o sistema prisional deveria atuar como um “subsistema” de Justiça e servir para ressocialização, mas, em nível federal, “é o home office” do crime organizado.
 “A primeira coisa [a fazer] é o Estado recuperar o controle. Como o Estado não consegue garantir a vida do preso, quem vai garantir são as facções. Quem foi para lá por furto, por exemplo, tem que fazer juramento a facções, e isso vale dentro e fora do presídio. Então a ausência do Estado é que leva a esse tipo de problema”, disse.
Essa é minha nêmesis, o que me tira o sono”, completou o ministro.
Você tem dois sistemas penitenciários, um é federal. Neste não tem celular, não tem nenhum tipo de problema, mas nas 1,3 mil unidades prisionais dos Estados a situação não é a mesma. Temos situação muitíssimo grave. Brasil tem 70 facções de base prisional, elas surgem, crescem e controlam o sistema prisional”, explicou.
Para controlar a situação, Jungmann apresentou quatro pontos, entre eles está a criação do Sistema Único de Segurança, que permite que integre as operações no plano federal e estadual.
É preciso que se entenda que o Governo federal não tem poderes para interferir no sistema prisional dos Estados. O sistema vai nos possibilitar trabalhar em conjunto com Estados”, completou.
O segundo ponto é o projeto de lei que está no Congresso, de autoria de Alexandre de Moraes, que institui o parlatório dentro do sistema prisional. 
Brasil tem a jabuticaba que é a visita íntima e social. Extinguir isso e colocar um parlatório gravando tudo”, explicou.
O terceiro ponto para solucionar a crise seria colocar, pelo período de um ano, os chefes de facções criminosas em presídios de segurança máxima.
Ampliar as atividades laborais dentro e fora dos presídios é o último ponto apresentado pelo ministro.
Se presidiário chega lá dentro, não tem segurança e precisa de facção, se ele não gera renda e não tem trabalho, mais ainda fica na mão de facções. Acabamos de criar, por decreto, a política de trabalho para presos e egressos”.

terça-feira, 10 de julho de 2018

Prestes a voltar ao RS, 17 líderes de facções têm 884 anos de pena para cumprir

Criminosos são responsáveis por pelo menos 16 assassinatos, três latrocínios, roubos, extorsões e ocultações de cadáver

Os 17 líderes de facções criminosas que estão em prisões federais e podem voltar a presídios gaúchos por ordem judicial têm total de 884 anos de condenações por crimes como homicídios (muitos executados com requintes de crueldade), tráfico de drogas, latrocínio, roubos, extorsão, ocultação de cadáver, formação de quadrilha, falsificação de documentos e porte ilegal de armas. Desse total de pena, o grupo ainda precisa cumprir 660 anos. 
Os criminosos são responsáveis por, pelo menos, 19 assassinatos, (16 homicídios e três latrocínios), além de nove tentativas. Esses são casos que já foram julgados. Os 17 apenados respondem, ainda, a uma série de processos referentes a outras mortes, organização criminosa, tráfico, roubo e lavagem de dinheiro. 
Juízes da Vara de Execuções Criminais (VEC) de Porto Alegre não acataram pedido para que os apenados continuassem fora do Estado. Desde sexta-feira, quando a informação se tornou pública, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) e o Ministério Público (MP) têm reagido com indignação e preparam recurso contra a decisão. 
Na tarde desta segunda-feira (9), o procurador-geral de Justiça, Fabiano Dallazen, o secretário da Segurança, Cezar Schirmer, e representantes de Susepe, Polícia Civil e Brigada Militar estiveram reunidos discutindo estratégias para recorrer. 
Há um ano, 27 condenados por delitos graves no Estado foram transferidos para prisões de segurança máxima em Mato Grosso do Sul, Rondônia e Rio Grande do Norte. Os pedidos de renovação da permanência dos apenados em unidades federais partiu da SSP. Ao negar 17 deles, os juízes da VEC Patrícia Fraga Martins, Paulo Augusto Oliveira Irion, Sidinei Brzuska e Sonáli da Cruz Zluhan fizeram críticas pesadas ao governo. 

Magistrados mencionam deficiências do governo

Nos bastidores do Judiciário, há quem trate a transferência de presos como marketing eleitoral do governo José Ivo Sartori. Além disso, há entendimento entre juízes de que o resultado buscado com a retirada dos líderes de facções do Estado – que é a redução da violência, especialmente estancar homicídios – já foi alcançado e não vai avançar. Pelo contrário, há temor de que o longo afastamento dos líderes dê espaço para mais chacinas com mortes, uma vez que subordinados na organização estão em disputa e agem com nova estratégia atirando em qualquer pessoa nas proximidades do alvo do ataque. 
Nas decisões, os juízes da VEC afirmam que o Estado tem obrigação de propiciar segurança pública, não podendo se eximir de suas responsabilidades, e que até causa “certa estranheza” o pedido mencionar a “caótica situação do sistema prisional, tais como superlotação das cadeias e o comando de certas unidades por facções”. Situação essa, conforme os magistrados, decorrente “de problemas de gestão prisional”. Ou seja, deficiências do próprio governo. 

"Estado é desrespeitador da lei", dizem juízes da VEC da Capital 

O texto assinado pelos quatro juízes da Vara de Execuções Criminais da Capital diz que a solicitação de prorrogação teria de conter algo novo, “com capacidade de evidenciar a imperiosa necessidade”, não bastando repetir os mesmos argumentos do pedido inicial de remoção, feito em 2017. 

Os magistrados criticam a inércia do Estado, mencionando o fato de a única cadeia que seria capaz de conter presos de grande periculosidade, a Penitenciária de Alta Segurança (Pasc), de Charqueadas, já ter perdido este status por causa de precariedades estruturais – a partir de 2015 passou a ser considerada de média segurança pela Justiça, e é alvo de incontáveis pedidos de providências e melhorias por parte da VEC desde 2011. 
Na mesma linha, lembraram a situação do Presídio Central, que ganhou nome de Cadeia Pública e onde foram construídos dois centros de triagem sem direito de visita aos detentos. A troca da nomenclatura é citada como estratégia insuficiente para  alterar o quadro de calamidade, com superlotação. 

Três detentos serão transferidos do RS 

Nesta esteira, este mesmo Estado não pode querer transferir todos esses problemas à existência de facções criminosas que, diga-se de passagem, somente se criam em decorrências das omissões e lacunas deixadas pelo próprio Estado, que, em sede de execução penal, é constante desrespeitador da lei”, diz trecho de decisão. 
O despacho expressa que os criminosos estão privados de visitas – previstas na Lei de Execução Penal –, em razão das grandes distâncias: “Ora, não é retirando-se a possibilidade de contatos de apenados com seus familiares e amigos, quando das visitações, que se alcançará reintegração social”. 
Embora tenha negado as renovações, a VEC da Capital aceitou três novos pedidos de transferências feitos pela SSP. São apenados que estão coordenando crimes de dentro das cadeias, entre elas, a Pasc. O critério para acatar a solicitação foi o mesmo adotado quando das remoções autorizadas ano passado.

domingo, 8 de julho de 2018

Juízes criticam governo do RS ao negarem pedido para manter líderes de facções em outros Estados

Dos 27 presos transferidos ano passado, 17 poderão voltar para cadeias gaúchas por ordem judicial

A decisão de juízes da Vara de Execuções Criminais (VEC) de Porto Alegre contrária à permanência de 17 líderes de facções criminosas em cadeias federais de segurança máxima fora do Estado, contém pesadas críticas ao governo gaúcho.
A ordem judicial é alvo de indignação por parte da Secretaria da Segurança Pública (SSP), que  considerou a medida absurda, e o Ministério Público prometeu recorrer ao Tribunal de Justiça do Estado. Há um ano, 27 condenados por delitos graves no Estado foram transferidos para prisões em Mato Grosso do Sul, Rondônia e Rio Grande do Norte.
Os pedidos de renovação das transferências dos apenados para presídios federais partiu da SSP. Ao negar 17 deles, os juízes da VEC, Patrícia Fraga Martins, Paulo Augusto Oliveira Irion, Sidinei Brzuska e Sonáli da Cruz Zluhan discorrem uma série de anomalias protagonizada pelo governo.
As críticas se reproduzem quase que simultaneamente nos 17 despachos referentes aos apenados sob a jurisdição da VEC da Capital. Os demais presos deverão seguir longe do Estado, pois juízes de outras comarcas se manifestaram favoráveis aos pedidos.
Os juízes da VEC da Capital afirmam que o Estado tem obrigação de propiciar segurança pública, não podendo se eximir de suas responsabilidades, e que até causa "certa estranheza" o pedido mencionar a "caótica situação do sistema prisional, tais como superlotação das cadeias e o comando de certas unidades por facções". Situação essa, conforme os magistrados, decorrente "de problemas de gestão prisional". Ou seja, deficiências do próprio governo. 
O texto diz que a solicitação de prorrogação teria de conter algo novo, "com capacidade de evidenciar a imperiosa necessidade", não bastando repetir os mesmos argumentos do pedido inicial de remoção. Os magistrados afirmam que a medida anterior não contribuiu de modo significativo para melhores condições de segurança pública e lembram da recente chacina com sete mortes em Viamão, ocorrida em 18 de junho.  

"Constante desrespeitador da lei"

Os juízes criticam a inércia do Estado, mencionando o fato de a única cadeia, que seria capaz de conter presos de grande periculosidade, a Penitenciária de Alta Segurança (Pasc), de Charqueadas, já ter perdido este status por causa de precariedades estruturais – desde 2015 é considerada de média segurança pela Justiça, e alvo de incontáveis pedidos de providências e melhorias por parte da VEC.
Os magistrados também lembram a situação do Presídio Central de Porto Alegre, que ganhou nome de Cadeia Pública e onde foram construídos dois centros de triagem sem direito de visita aos presos. A troca da nomenclatura é citada como estratégia insuficiente para alterar o quadro de calamidade com superlotação e abrigando presos condenados, "desrespeitando uma decisão judicial de mais de duas décadas, assim como decisão cautelar da Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos e recomendação do Conselho Nacional de Justiça no sentido da gradativa desocupação"
"Nesta esteira, este mesmo Estado não pode querer transferir todos esses problemas à existência de facções criminosas que, diga-se de passagem, somente se criam em decorrências das omissões e lacunas deixadas pelo próprio estado, que, em sede de execução penal, é um constante desrespeitador da lei."
Os magistrados argumentam que as transferências caracterizam uma excepcionalidade, e a permanência deles fora do Rio Grande do Sul por mais um ano — foram levados em 28 de julho de 2017 — é "mais excepcional ainda".
Ao se referirem a um determinado detento, os magistrados reconheceram que ele exerceu liderança e teve envolvimento com crimes violentos. Entretanto, afirmam:
"Entendemos que o fato de já estar afastado do Estado, pelo período de um ano, já faz com que se acredite na perda da sua função de liderança na facção, já que neste terreno, como é sabido de todos, os espaços não ficam vagos".
O despacho expressa que os apenados em cadeias federais estão privados de visitas – previstas na Lei de Execução Penal –, em razão das grandes distâncias. 
"Ora, não é retirando-se a possibilidade de contatos com apenados com seus familiares e amigos, quando das visitações, que se alcançará a reintegração social do condenado".
Embora tenha negado as renovações, a VEC da Capital deferiu três novos pedidos de transferências feitos pela SSP. São apenados que estão coordenando crimes de dentro das cadeias, entre elas, a Pasc. O critério para deferir o pedido foi o mesmo  adotado quando das remoções autorizadas ano passado. 
Nos bastidores do Judiciário, a transferência de presos é encarada como marketing eleitoral do governo Sartori, e os Juízes da VEC não estariam dispostos a envolvimento com política. Quando da transferência já havia ocorrido um estremecimento, pois o pedido inicial do governo era de remover 46 apenados. 
GaúchaZH procurou os juízes da VEC neste sábado (7), mas eles não foram localizados.

O outro lado

Desde a tarde de sábado, a reportagem aguarda posicionamento da SSP sobre as críticas dos magistrados. Na sexta-feira (6), o secretário da Segurança Pública, Cezar Schirmer, recebeu com indignação a decisão judicial. Schirmer disse que ainda não se sabe quantos serão beneficiados pela decisão, nem a data para o retorno.
"Já conversei com o procurador-geral de Justiça e vamos nos encontrar segunda-feira para buscar alternativas para revisão dessa decisão junto ao Tribunal de Justiça" — declarou.
De acordo com o secretário, a decisão da Justiça compromete o planejamento estratégico de enfrentamento do crime.
"Não foi uma decisão impensada. Nós lastimamos profundamente essa decisão absurda, totalmente contrária ao interesse da segurança pública dos cidadãos" — completou na ocasião. 
*Colaborou Anderson Aires

segunda-feira, 18 de junho de 2018

Venda de informações privilegiadas, extorsões e até homicídios: como agia a quadrilha de farda-BM

Armas foram apreendidas com um dos policiais militares

Grupo de policiais de Porto Alegre era investigado há quase um ano e foi alvo de operação na última segunda-feira

Palhaços, paspalhos”. Risos.
A forma debochada com que se referiam a colegas policiais militares (PMs) que insistiam em fazer o que é dever por lei, como coibir o crime, prender criminosos e apreender drogas e armas, é uma das marcas do grupo suspeito de ser braço de uma facção criminosa do Estado, com base no bairro Bom Jesus, em Porto Alegre.
Presos ou alvos de buscas e apreensões na manhã da última segunda-feira (11), na Operação Cherrin, PMs que riam de colegas em conversas telefônicas foram investigados por quase um ano. Embalados por certa sensação de impunidade, esqueceram de disfarçar crimes e ostentações. Acabaram símbolo de uma das maiores ações contra a corrupção policial no Rio Grande do Sul. Dez PMs foram presos e, até o momento, são pelo menos 25 sob suspeita de prestarem serviços à facção Bala na Cara em detrimento dos interesses da sociedade.
A maior parte dos investigados é lotada ou passou pelo 11º Batalhão da Polícia Militar (BPM) e representa quase 10% do efetivo total da unidade situada na zona norte de Porto Alegre. Somente um dos presos não teve passagem pelo batalhão. Sete estavam atualmente na guarnição, um atuava em Guaíba e outros dois no 20º BPM, também na mesma região da Capital. Sete são soldados, dois são sargentos e um é tenente da reserva. Os salários deles variam entre R$ 5,1 mil e R$ 13 mil. Juntos, custam mais de R$ 1 milhão por ano ao Estado em remunerações.
Apropriação de armas e de drogas durante ocorrências, comércio de armamento, tráfico de entorpecentes, venda de informações privilegiadas e extorsões estão entre os delitos investigados. Até a possibilidade de envolvimento em homicídios por encomenda é verificada pelas autoridades. Aliás, foi por meio dos criminosos da facção que foram obtidos os principais indícios da atuação suspeita por parte dos policiais militares.
A partir de horas de gravações telefônicas com diálogos dos traficantes, autorizadas pela Justiça, foi possível decifrar o que os militares faziam.
Ao abordar criminosos – de um grupo diverso daquele que recebia proteção oficial – com armas e drogas, os PMs suspeitos se apropriavam de armas e drogas que poderiam ser revendidas à facção amiga ou até em outros negócios.

Proteção à facção da capital

Alguns policiais foram presos durante as buscas porque tinham em casa armas apreendidas em ocorrências policiais. Os militares eram beneficiados com os valores da revenda dos materiais. 
O grupo de PMs suspeito se dividia no que a investigação passou a chamar de “células autônomas”. A atuação era compartimentada, cada um tinha tarefas diferentes e atuava por territórios.
O grande mote da atuação, conforme autoridades, era dar proteção aos negócios da facção e fornecer armas. Proteger significava ações omissivas em determinados momentos, como deixar de agir da maneira que deveria, ou até mesmo atuar de forma mais ostensiva em relação a adversários do grupo. Não é descartada a possibilidade de mortes por interesse da facção protegida. Outra situação flagrante era o repasse de informações privilegiadas sobre operações policiais planejadas contra o grupo criminoso ou investigações em andamento.
Em contrapartida pelos serviços prestados, os PMs passaram a ter acréscimo patrimonial, bens incompatíveis com a renda. Algumas vezes, ao receber dinheiro dos traficantes, contavam as notas dentro de viaturas, parados na rua, sem disfarçar. 

Aquisições de carros luxuosos entraram na mira da Corregedoria

Informações relatando esse tipo de situação chegaram à Corregedoria. A investigação monitorou aquisições, principalmente, de carros luxuosos, já que negociações e comentários foram flagrados nas escutas. Alguns chegavam a exibir as conquistas, como boas viagens, nas redes sociais.
"A comunidade não distingue quais os PMs estiveram envolvidos. A imensa maioria dos brigadianos é correta. É honesta. Mas esse punhado de gente faz um estrago grande" – lamenta um oficial, que atuou no 11ª BPM.
Após as prisões, a preocupação agora é a de recuperar a confiança dos moradores com o batalhão. No ano passado, o 11º BPM recebeu R$ 4 milhões entre veículos e armas por meio de doação de empresários.

Não é prática disseminada”, diz MP

Trabalho conjunto da Corregedoria da Brigada Militar e do Ministério Público resultou na ação da última segunda-feira, que prendeu 10 PMs e oito pessoas relacionadas à facção e apreendeu R$ 240 mil, 126 celulares, 10 armas e 1,4 mil munições de diversos calibres. 
O desnudamento do que ocorria nas vielas do bairro Bom Jesus, berço da facção, começou a ser feito ano passado, a partir de maio, depois de um caso de peculato. Durante abordagem, um PM teria pego R$ 4 mil que estavam em posse de uma pessoa ligada a jogos de azar. 
Revoltada, a vítima denunciou o caso a autoridades. O policial foi preso e, a partir do conteúdo do celular dele, as ligações com criminosos passaram a ser rastreadas. Apesar de afastado do trabalho e respondendo a processo na Justiça Militar, o PM foi novamente preso na Cherrin. Ele é um dos cinco principais investigados.
Um detalhe importante da investigação: não se trata de mais uma apuração sobre os inúmeros crimes perpetrados pela facção. O trabalho nasceu na Justiça Militar e sempre teve como foco a atuação dos militares, a interação com a facção, a troca de favores, a venda de trabalhos, o fornecimento de armas e a proteção prestada pelos servidores públicos ao grupo criminoso que trafica drogas, rouba e mata, espalhando o terror na Capital, na Região Metropolitana e no Interior.
O grupo criminoso é ligado ao traficante Luís Fernando da Silva Soares Júnior, o Júnior Perneta ou Museo, que em maio foi capturado no Paraguai.
"Esses policiais são exceção. Não é prática disseminada dentro da Brigada Militar. O Ministério Público confia na instituição Brigada Militar" – diz o promotor que coordenou a investigação, Nilson de Oliveira Rodrigues Filho, da 2ª Vara Criminal.

Contrapontos

Procurado pela reportagem, o comandante do 11º BPM, tenente-coronel Douglas da Rosa Soares, salientou que procurou a Corregedoria da Brigada Militar logo após ter conhecido do envolvimento de policiais com criminosos, há mais de um ano. A partir daí, o comando passou a apoiar as investigações, que culminaram nas prisões dos 10 PMs.
"Nosso objetivo foi ser transparente. Porque é inadmissível ter policial corrupto no serviço."

Os investigados

Soldados do 11° BPM que ingressaram na corporação em 10/8/2009 Vitor Ronaldo Pereira Hernandez
Tinha mandado de prisão por associação com organização criminosa
O que diz a defesa: o advogado Marcio Rosano Dias de Souza informou que só deve se manifestar sobre o caso após ter acesso aos autos do processo.
Romário Soares Corrêa
Tinha mandado de prisão por associação com organização criminosa (encontrado com armas e drogas)
O que diz a defesa: não foi localizada.
Italo Vitcoscki Bevilaqua
Tinha mandado de prisão por associação com organização criminosa e comércio de armas 
O que diz a defesa: os advogados Carlos Eduardo Galant Lopes e Gabriela John dos Santos Lopes afirmaram que ainda não tiveram acesso à íntegra do processo.

"Estamos aguardando para tomar ciência de toda a situação e começar a estudar o que pode ser feito" — afirmou Gabriela.
Alisson Fernando Frizon
Tinha mandado de busca e apreensão (foi encontrado com drogas)
O que diz a defesa: não foi localizada.
Tiago Aquino de Souza
Tinha mandado de busca (associação com organização criminosa e armas)
Gabriel Luis Corrêa da Costa
Tinha mandado de busca e apreensão e foi encontrado com drogas
O que diz a defesa de Tiago e Gabriel: o advogado Fabio Cesar Rodrigues Silveira observa que ainda não teve acesso aos autos, o que foi negado pela Justiça. Entretanto, deve pedir a liberdade do seu cliente.

"Vamos seguir tentando a liberdade dos nossos clientes, apesar da excepcionalidade de estarem negando o direito básico de saberem do que são acusados" — observou o advogado.
3º sargento André Ricardo Simplício Soares
Tinha mandado de busca e apreensão e foi encontrado com drogas
Data de ingresso: 02/10/1993
O que diz a defesa: a advogada Andrea Ferrari salienta que o seu cliente nega “veementemente” envolvimento com o grupo criminoso. Ela observou que vai pedir a liberdade do sargento, mas está tendo dificuldades para obter acesso aos autos.
Soldado Roger Lopes da Silva, do 31° BPM
Não há informações sobre o tipo de mandado
Estava lotado: 31ºBPM. Foi do 11º BPM entre 2010 e 2015
Data de ingresso: 10/8/2009
O que diz a defesa:  O advogado David Leal da Silva observa que ainda não teve acesso aos autos e, por isso, desconhece o motivo de Roger estar preso. Ele ainda defende um dos cinco civis presos.

"Se analisarmos a legislação pertinente e a própria súmula vinculante número 14 do STF, é fácil de perceber que é totalmente inadequada toda situação em que nos encontramos. Meus clientes foram presos na segunda-feira, estão dispostos a contribuir com a justiça, tanto é que prestaram depoimento na delegacia, mas até agora não se sabe do que realmente se trata."
Ainda segundo o advogado, as armas encontradas com Roger estão "devidamente registradas" Roger também é defendido pela advogada Raiza Hoffmeister.
3º sargento Daniel dos Santos Fagundes
Não há informações sobre o tipo de mandado
Data de ingresso: 12/07/1994
Estava lotado: 20º BPM. Não pertenceu ao 11º BPM
O que diz a defesa: o advogado Fabio Cesar Rodrigues Silveira observa que ainda não teve acesso aos autos:

"Vamos seguir tentando a liberdade dos nossos clientes, apesar da excepcionalidade de estarem negando o direito básico de saberem do que são acusados."
1º tenente da reserva Rogério Oliveira Cardoso
Não há informações sobre o tipo de mandado
Data de ingresso: 12/06/1989
Estava lotado: 20º BPM. Atuou no 11º BPM até 1998
O que diz a defesa: não foi localizada.