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terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Desorganizada a Susepe IV - sem planejamento

5.116 presos nas ruas por falta de vaga no RS

Estado vivencia efeito dominó de interdições nas cadeias. Uma em cada cinco prisões está interditada, seja parcial ou totalmente. Das 101 unidades prisionais em funcionamento, 23 operam com alguma restrição da Justiça

Incapaz de assegurar condições mínimas de encarceramento, o Estado enfrenta efeito dominó de interdições nas cadeias e de liberação constante de apenados para cumprimento de prisão domiciliar especial por falta de vaga. São 5.116 presos condenados que não estão recolhidos por inexistência de espaço físico, segundo levantamento da Corregedoria-Geral da Justiça. Destes, 2.878 usam tornozeleira eletrônica. Os demais nem sequer são monitorados.
"As tornozeleira apenas nos informam a localização do apenado, mas não evitam a criminalidade. Sobre os outros 2.238, não há controle algum. Estão livres nas ruas" – critica o juiz-corregedor Alexandre Pacheco.
Dados da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) mostram que uma em cada cinco prisões está interditada no Rio Grande do Sul, seja parcial ou totalmente. Isto é, das 101 unidades prisionais em funcionamento, 23 operam com alguma ressalva da Justiça, como, por exemplo, impossibilidade de receber novos detentos.

As decisões das Varas de Execuções Criminais (VECs) são embasadas, de forma geral, em problemas como deficiência estrutural, número insuficiente de servidores, escassez de recursos para aquisição de produtos básicos de higiene e, principalmente, superlotação. Inflado, o sistema prisional gaúcho abriga 11 mil detentos acima da sua capacidade de engenharia, que é de 23.826 vagas. Além disso, há os 5.116 presos condenados que estão livres por inexistência de espaço físico em prisões.

E foi justamente o excesso de detentos que levou à interdição de 16 (15,84%) das 101 unidades, como aconteceu recentemente com o Presídio Regional de Bagé, parcialmente interditado no dia 10 por superlotação e falta de segurança. Com 329 detentos, 69 acima do limite, sustenta ambiente propício a rebeliões, mortes e fugas, como explicam a professora do curso de Políticas Públicas da Universidade Federal do ABC (UFABC) Camila Nunes Dias e o doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo Guaracy Mingardi, ambos associados ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública.


Detento sai pior da cadeia, afirma especialista

Os especialistas alertam, ainda, para a parcela de contribuição do Judiciário no colapso do sistema prisional. Também falam como isso reflete na sociedade, que cruza com criminosos à solta nas ruas, além de apontarem motivos para o Rio Grande do Sul ter atingido o volume de 23 interdições diante de déficit de 11 mil vagas. Para a socióloga, esse conjunto de problemas sinaliza o descontrole do sistema.
"Se a Justiça interditou é porque percebeu que o Estado não tem condições de encarcerar. E essas interdições mostram que o modelo de encarceramento faliu, fracassou" – analisa Camila, autora do livro PCC – Hegemonia nas Prisões e Monopólio da Violência.
Mingardi lembra do efeito cascata que as interdições provocam, obrigando a transferência de presos para outras unidades e as levando, por consequência, também à superlotação. Com isso, oferecem aos presos condições sub-humanas, que afastam a possibilidade de reinserção social.
"Se interdita, tem de transferir presos. Aí, superlota outros presídios, aumenta probabilidade de rebelião, fuga e mortes. O detento sai de lá ainda pior, e o resultado é o aumento da criminalidade" – diagnostica o cientista político.
MARCELO KERVALT | ZH

Lotar cadeias não resolve, opina especialista

Guaracy Mingardi, que também é investigador criminal, sugere que a Justiça faça mea-culpa e chame para si parte da responsabilidade do caos penitenciário pelo qual passa não apenas o RS, mas todos os Estados brasileiros. O especialista em segurança pública critica o Judiciário ao dizer que magistrados não têm acompanhado a degradação das casas prisionais, ou agem tardiamente.
"É preciso culpar os dois lados: o Executivo por deixar chegar a um ponto insustentável, e a Justiça por não ter tomado providências antes. O Judiciário não pressiona no tempo adequado, quando o problema ainda tem solução, e, depois, se obriga a interditar. Essa é a realidade em todo o país" – avalia.
Mas Mingardi ressalva que não se pode colocar o problema unicamente no Executivo, pois, na verdade, o problema “é de toda a sociedade”, já que há pessoas que deveriam estar presas agindo livremente nas ruas sem qualquer controle do Estado.
"O juiz tem de cobrar do Executivo um lugar adequado e não apenas interditar quando não tem mais condições."
As interdições, alerta Camila, devem servir de sinal para que juízes e governo repensem políticas de segurança pública e passem a valorizar outros mecanismos de controle além do cárcere. Ela cita a intensificação das audiências de custódia, revisão da lei de drogas, adoção de mais tornozeleiras eletrônicas e de penas alternativas. Concordando com Mingardi, Camila alega que as interdições transferem parte do problema para outros presídios, que passam a receber mais detentos.
"Não há outra solução que não seja o processo de desencarceramento. A longo prazo, é necessário que os Estados adotem medidas de prevenção e abandonem o policiamento ostensivo sem investigação. As políticas de segurança hoje são centradas em prender quem está vulnerável à atuação do policiamento. Isso lota presídios e não resolve criminalidade" – diz.

“Cobranças são diárias”, diz juiz-corregedor

Em uma das pontas das interdições estão os juízes das VECs, responsáveis por fiscalizar as prisões e exigir providências do Estado para que a ordem e o bom funcionamento sejam mantidos. E, para o juiz-corregedor Alexandre Pacheco, o Judiciário não tem faltado com as suas obrigações.
"As nossas cobranças são praticamente diárias para a Susepe e para a Secretaria da Segurança Pública, mas nada é feito. Há uma deterioração constante dos presídios e, por consequência, vagas sendo perdidas" – esclareceu Pacheco, dizendo que a interdição só acontece quando todas as alternativas são esgotadas.
Ao citar a falta de autonomia da Susepe por falta de recursos para deixar os presídios habitáveis, Pacheco comenta que muitos dos ofícios com pedido de providências enviados ao governo sequer são respondidos. Outro problema levantado pelo magistrado são prisões desordenadas feitas pela Brigada, sem investigação prévia.
"Existe uma cultura de encarceramento em massa. A Brigada Militar faz um arrastão na boca de fumo e prende todo mundo. Tem de prender é o grande traficante" – comenta.
Uma alternativa para diminuir o número de encarceramentos é a audiência de custódia, que consiste na garantia da rápida apresentação do preso a um juiz nos casos de prisões em flagrante. A ideia é de que o suspeito seja apresentado e entrevistado pelo magistrado. A execução deste trabalho esbarra, conforme Pacheco, na falta de viaturas da Susepe para deslocar os presos até as comarcas. No entendimento do corregedor, a solução passa por construir presídios, mas, mais do que isso, na mudança da concepção que aposta em prisões em massa.
"Diante da falta de recursos, o governo precisa elencar prioridades. Duas delas deveriam ser o sistema prisional e a política de segurança pública" – conclui.
O secretário da Segurança Pública, Cezar Schirmer, responde que procura “tratar todas as questões formuladas pelo TJ e pelo MP com respeito” e que “as correspondências são respondidas sempre, mas muitas questões dependem de recursos financeiros e a solução é dada segundo esta realidade”.
"Minha primeira audiência externa no comando da SSP foi com juízes e promotores, visitando presídios. Desde o começo de minha gestão, tenho como prioridade a reestruturação do sistema penitenciário" – afirma Schirmer.
Em relação ao encarceramento em massa, a SSP afirma que suas principais ações são o policiamento ostensivo, as investigações, a perícia e o sistema prisional. Mas soluções de médio e longo prazo exigem ações de prevenção, não só do Estado, mas também das prefeituras, da sociedade civil, das famílias e da imprensa. Ainda informa que existem programas à prevenção e à conscientização sobre consumo de álcool e drogas.

16 presídios superlotados abrigam quase 15 mil presos

Das 23 unidades prisionais interditadas, 16 estão superlotadas. Somente nestas 16 casas com capacidade para 8.681 estão abrigados 14.809 dos 34.882 detentos do Estado. Este excesso de presos que é rechaçado por especialistas em segurança pública com a alegação de que as facções se alimentam do descontrole para se fortalecerem e arregimentarem integrantes por meio do acolhimento dentro da unidade. A tática é quase sempre a mesma: oferecer proteção em troca de favores futuros.
"A Lei de Execução Penal é violada por completo" – avalia a socióloga Camila, ironizando o caos na Cadeia Pública de Porto Alegre, o Presídio Central.
"A gente sabe que os problemas do Presídio Central de Porto Alegre vêm de muito tempo. Há mais de 10 anos é visto como um dos piores presídios do Brasil. E olha que a concorrência é forte" – complementa.
Com capacidade para 1.824, a maior cadeia do RS acolhe atualmente 4.555, 149% de superlotação.
"Ainda é preferível deixar um apenado na rua, solto, do que detido nessas condições, tamanho é o efeito nefasto que esse tipo de encarceramento causa no cidadão" – acrescenta o juiz-corregedor Alexandre Pacheco, que se mostra favorável à construção de presídios, desde que feita em conjunto com a remodelação de estratégia da Secretaria da Segurança Pública.
Já a socióloga Camila discorda.
"Construir presídios não vai ser a solução, pois o Brasil faz isso há décadas. Se constrói presídios para que se tenha condições de prender mais e, assim, fortalecer as facções" – diz.
CONTRAPONTOS
Diz Ângelo Larger Carneiro, Diretor do Departamento de Segurança de Segurança e Execução Penal da Susepe
“O embaraço do sistema prisional é herança de pelo menos duas décadas, mas que vem sendo superado pelo governo do Estado com investimento e estratégia. Estamos tendo voz dentro da Secretaria da Segurança Pública. E, mais do que isso, o secretário (Cezar Schirmer) entendeu que o sistema prisional é uma das prioridades.”
O que diz Cezar Schirmer, secretário da Segurança Pública
“Para reverter este quadro, estamos agilizando a execução das últimas medidas para a abertura do Complexo Penitenciário de Canoas, que proporcionará 2.415 vagas, e a retomada da obra da Penitenciária de Guaíba, com 672 vagas. Recentemente, foi aberto o Presídio Feminino de Lajeado, erguido pela comunidade, com 84 vagas. Teremos, também, construção de novos presídios, que serão anunciados brevemente. Por último, há o presídio federal anunciado recentemente pelo presidente Michel Temer, atendendo a um pedido do governo estadual.”

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