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quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Erika Hilton e PSOL pedem prisão preventiva de Bolsonaro e Braga Netto ao STF

O partido alega graves suspeitas envolvendo os dois em um suposto plano de assassinato de autoridades e tentativa de golpe de Estado

©Foto: Facebook

A deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) anunciou na última terça-feira (19) que o PSOL protocolou um pedido no Supremo Tribunal Federal (STF) pela prisão preventiva do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e do ex-ministro da Defesa Walter Braga Netto. O partido alega graves suspeitas envolvendo os dois em um suposto plano de assassinato de autoridades e tentativa de golpe de Estado.

Não há argumentos plausíveis para que eles estejam em liberdade. Segundo a PF , eles podem estar envolvidos em um plano de assassinato de autoridades públicas e de golpe de Estado”, declarou Erika Hilton em suas redes sociais.

A Polícia Federal revelou detalhes do esquema, que teria sido discutido em 12 de novembro de 2022 na casa de Braga Netto. Conforme depoimento do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, em delação premiada, o plano incluía o assassinato do presidente Lula (PT), do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro do STF Alexandre de Moraes. O objetivo seria impedir a posse da chapa eleita e desestabilizar o STF.

Erika Hilton destacou que a saída de Bolsonaro e Braga Netto do poder não elimina os riscos que eles representariam. “Não dá pra fingir normalidade. São dois assassinos em potencial nas ruas”, afirmou a deputada.

O Correio tentou contato com os representantes de Bolsonaro e Braga Netto, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição. O espaço segue aberto para manifestações.

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Justiça

Na primeira cena do documentário Justiça, de Maria Augusta Ramos, todo ele com cenas reais de audiências judiciais, vemos um homem negro que deve responder a perguntas de um juiz em um processo criminal no Rio de Janeiro. O magistrado pergunta se a denúncia é verdadeira, ao que o réu, prontamente, responde “não, não é verdadeira não, senhor.”

Presídio Central: enfim, a decisão corajosa de uma juíza enfrenta a lotação desumana da pior cadeia da América Latina

Então, o juiz quer saber como se deu a prisão, ao que o acusado responde que estava na rua, no carnaval, que “saiu uma correria”, que alguns policiais estavam atirando, que procurou uma rua lateral para se proteger quando três homens, que fugiam da polícia, passaram por ele. Na sequência, foi preso; o único preso.

O primeiro detalhe: os fugitivos eram suspeitos de terem praticado um arrombamento após a escalada de um muro. O segundo detalhe: o homem negro preso é cadeirante, não tem uma perna e a outra é tão fina que parece só osso.

O réu começa a relatar ao juiz que os policiais o derrubaram da cadeira de rodas e bateram nele, produzindo lesões. Nisso, é interrompido pelo magistrado que, impávido, dita o depoimento, omitindo todo o relato e fazendo constar apenas a negativa de autoria e a afirmação de que o réu não conhecia os três “elementos”.

O homem negro solicita que seja determinada sua remoção para um hospital, porque, na 25ª delegacia, onde ele está preso preventivamente, há 79 pessoas na cela e ele precisa se arrastar para defecar.

O magistrado, então, diz: “Só posso fazer isso se houver uma solicitação médica, porque esse é um assunto médico, não um assunto de juiz”. Depois disso, o juiz pergunta há quanto tempo o réu está na cadeira de rodas. O homem responde que é cadeirante desde 1996.

O magistrado, então, aparentando surpresa, pergunta: “Mas o senhor estava na cadeira de rodas quando foi preso?”  “Claro, doutor, estava na cadeira.”

Possivelmente, o tema também não constituía “assunto de juiz”, afinal, o que a situação kafkiana de um cadeirante estar sendo acusado de um arrombamento com escalada tem a ver com a noção de Justiça?

O que a condição de 79 pessoas empilhadas em uma carceragem de uma delegacia de polícia constitui “assunto de juiz”?

E o que uma denúncia de uma pessoa com deficiência que afirma ter sido espancada por agentes encarregados de fazer cumprir a lei tem a ver com o ofício do burocrata que imagina “aplicar a lei”?

Alguém poderia pensar que essa seja uma situação anômala, um ponto fora da curva. O trabalho de Maria Augusta Ramos, não apenas esse Justiça, mas também Juízo, seu documentário mais recente, ambos disponíveis na Netflix, sugere que não. O que vemos na tela, em audiências reais com câmera fixa nos operadores do Direito, é um padrão no tratamento com os pobres e os negros.

Os efeitos de uma postura correta e respeitosa de uma autoridade pública sobre as pessoas são surpreendentes. As pesquisas do professor Tom Tyler (Yale University) demonstraram que, quando autoridades agem de forma justa e respeitosa, essa conduta aumenta a adesão das pessoas à lei, fazendo com que elas tendam a obedecer às autoridades, mesmo diante de decisão contra seus interesses.

O livro de Tyler (2006) Why People Obey the Law (Por que as pessoas obedecem à lei) inaugurou uma nova abordagem conhecida como Procedural Justice (Justiça Procedimental), demonstrando que comportamentos desrespeitosos, violentos e não profissionais de policiais, promotores e juízes prejudicam os esforços de aplicação da lei, porque reduzem as chances de as pessoas colaborarem com as investigações.

Ajuda ou humilhação

Para a Justiça Procedimental, é preciso dar voz às pessoas, e escutá-las com atenção. Os magistrados, especialmente, devem se manter equidistantes das partes, reduzindo os riscos de pré-julgamento. Explicando esses e outros princípios, a juíza Victoria Pratt, em palestra no projeto TED, conta a diferença entre perguntar em uma audiência a uma pessoa que tem pouca escolarização ou tem o inglês como seu segundo idioma:

O senhor está tendo dificuldade de entender essa papelada toda?” Ou simplesmente: “O senhor sabe ler?” Na primeira alternativa, a pergunta é uma oferta de ajuda; na segunda, uma humilhação. Essa forma de se relacionar com as pessoas mais simples e humildes pode mudar a qualidade do acesso à justiça.

Lembrei disso porque, recentemente, a juíza Sonáli da Cruz Zluhan, da 1ª Vara de Execuções de Porto Alegre, atendendo a pedido da Defensoria Pública e aplicando jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, determinou que cada dia de pena cumprida no Presídio Central seja contado em dobro, tendo em conta a superlotação e as condições desumanas de execução da pena.

A decisão, imediatamente contestada pelos adeptos do “estado inconstitucional de coisas” em matéria penal, representa um gesto de racionalidade e de respeito em um sistema que, há muito, tem dificuldades de se conectar com a realidade da execução penal e com seus efeitos criminogênicos.

A boa notícia, portanto, é: sim, temos juízas e juízes dispostos e mudar isso. Talvez sejam poucos, mas que diferença elas e eles fazem!

Marcos Rolim é jornalista, doutor em Sociologia. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe