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segunda-feira, 11 de outubro de 2021

‘Não existe ser humano irrecuperável e eu sou um exemplo’, diz ex-detento nomeado para cargo que cuida da reabilitação de presos no RS

Lacir Moraes Ramos, de 63 anos, cumpriu 29 anos de prisão e está há 14 anos em liberdade. Nomeação foi criticada pelo Sindicato dos Servidores Penitenciários. Lacir Moraes Ramos, de 63 anos, durante atendimento no fórum, na Capital.

Arquivo pessoal
Há 14 anos em liberdade depois de cumprir 29 anos de prisão e receber um indulto presidencial que extinguiu as penas, o pastor evangélico e ex-detento Lacir Moraes Ramos, de 63 anos, quer usar o próprio exemplo para mudar a realidade de presos no Rio Grande do Sul. Ao g1, ele disse que após receber críticas à nomeação ao cargo em comissão (CC) de Chefe de Seção na Secretaria Estadual de Justiça e Sistemas Penal e Socioeducativo (SJSPS) pediu que seu nome fosse excluído.
Pedi para retirar o meu nome da nomeação para não prejudicar ninguém. Mandei um áudio pedindo [para o secretário Ronaldo Nogueira]. A resposta era para terem me dado até o meio-dia [desde domingo], mas ainda não me disseram se vão retirar”, contou.
Nascido em Ibirubá, na Região Noroeste do Rio Grande do Sul, Lacir é filho de agricultores. A história com o crime começou cedo, no mesmo mês que completaria 19 anos, quando ele e um amigo furtaram um Fusca. Foi a entrada no sistema que o deixaria preso por quase três décadas.
Eu, um jovem, com 19 anos, fui pra penitenciária com a condenação de seis anos e meio. No presídio era tortura dia e noite, coisas terríveis e eu optei por fugir do presídio. Infelizmente, eu fugi por cinco vezes do sistema prisional e cada vez que eu fugia, que era capturado, vinha com mais processos”.
O que começou com o furto de um carro passou a tomar proporções maiores. Lacir não gosta de falar sobre os crimes, mas a lista inclui homicídio, latrocínio, roubo e furto. Foram 28 presídios diferentes entre os anos de 80 e 90. Todos os companheiros que haviam sido presos com ele, morreram.
Eu não era para ter chegado a onde eu cheguei. Infelizmente, eu sou fruto do sistema. A ociosidade dentro do presídio é muito grande. Meu sonho, meu desejo, é conseguir fazer alguma coisa para reverter. Eu acredito que é possível. São jovens que tiveram mãe e pai, tem família. A mãe sonhava que aquele filho ia ser um médico, um professor, um jornalista, um advogado, mas infelizmente estão trancafiados dentro das penitenciárias planejando revolta, planejando crimes, ordenando crimes, porque é só isso que eles recebem lá dentro, essa é a instrução que existe”.
Com o trabalho que desenvolve com presos há 31 anos e a experiência de ser um ex-detento, Lacir vê no diálogo e na ocupação do tempo dentro da cadeia uma saída para reduzir os conflitos e reabilitar as pessoas.
Vejo três pilares na recuperação do preso: o primeiro é o fator psicológico que onde entra a espiritualidade, a igreja, com trabalho, lançando luz na alma do preso. O segundo fator é quando tem alguma atividade que o preso possa desenvolver um trabalho dentro do presídio. O terceiro é quando tem a escola, que o preso consegue estudar dentro do presídio”.
Nós temos que acreditar no ser humano. Não existe ser humano irrecuperável e eu sou um exemplo”.
Lacir é autor do livro “Um milagre na escola do crime – condenado a 200 anos hoje livre!”, no qual conta sobre seus trabalhos de ressocialização de ex-apenados. O ex-detento chegou a cursar direito numa universidade particular, mas há 4 anos teve que trancar o curso por não conseguir pagar. De acordo com ele, ao ser nomeado receberia um salário de menos de R$ 2 mil.
Ele é casado há 37 anos e tem quatro filhas.
Regras da galeria da Penitenciária Estadual do Jacuí.
Sidinei Brzuska/Arquivo pessoal
‘Visão apurada de quem já pode voltar a viver na sociedade’
O ex-juiz da Vara de Execuções Penais (VEC) Sidinei Brzuska acompanha o trabalho de Lacir há 13 anos. Ele conta que o ex-detento era conhecido por levar foragidos para se apresentar voluntariamente à Justiça.
Eu perdi a conta, mas foram dezenas, talvez centenas de condenados pela Justiça, foragidos, com mandado de prisão na rua, que o Lacir me apresentava no fórum, para eles cumprirem suas penas e saírem do crime. Esses presos, eu dava um termo de apresentação, uma coisa simples, e eles iam caminhando, voluntariamente, e se recolhiam no fechado. Muitas vezes o Lacir os levava até a porta da cadeia. Ele tem uma visão apurada de quem já pode voltar a viver em sociedade”.
Brzuska conta que a única gelaria da Penitenciária Estadual do Jacuí que era possível a entrada de policias, com a presença dos presos, era aquela em que havia o trabalho de reabilitação feito por Lacir.
Ele faz um trabalho importante de conscientização do preso, no sentido de mudar de vida. E faz isso com bastante autoridade. Os presos respeitam a palavra de quem, mesmo tendo cumprido praticamente 30 anos, deu a volta por cima. Aliás, existem raríssimas pessoas que sobreviveram 30 anos presas. E dessas, até onde sei, o Lacir é o único que se dedicou a fazer esse trabalho, de mostrar que é possível uma nova vida, dentro da lei e dos costumes sociais”.
Galeria na Penitenciária Estadual do Jacuí. Segundo Sidinei Brzuska, a única que era limpa.
Sidinei Brzuska/Arquivo pessoal

Críticas à nomeação
O Sindicato dos Servidores Penitenciários do Rio Grande do Sul (AMAPERGS) questiona, entre outras coisas, o fato de concursos para serviços públicos na Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) exigir análise da vida pregressa do candidato.
Entendemos que a contratação de um CC acontece de maneira mais simplificada, mas acreditamos que este conceito deva ser observado”, reivindica a AMAPERGS.

Em nota, afirma que irá pedir a exoneração dele do cargo em reunião com o secretário da Administração Penitenciária (Seapen), Mauro Hauschild, na próxima quarta (13).