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sexta-feira, 3 de novembro de 2023

"As cantinas não foram criadas para o Estado ou as facções ganharem dinheiro", diz o juiz Sidinei Brzuska sobre esses comércios

Magistrado, que atuou por 23 anos na Vara de Execuções Criminais da Capital, afirma que considera "difícil recuar do que está posto hoje"
O juiz Sidinei Brzuska trabalhou por 23 anos na Vara de Execuções Criminais (VEC) de Porto Alegre. Ao longo destes anos, dedicou horas para visitar presídios e penitenciárias e para ouvir relatos de detentos. Em suas redes sociais, expôs fotos das mazelas a fim de provocar e promover debates sobre temas nem sempre bem vistos pela sociedade. Não foi diferente com as cantinas.
Abaixo, confira trechos da entrevista de Brzuska a partir da reportagem feita pelo Grupo de Investigação da RBS (GDI) sobre como as facções utilizam produtos das cantinas oficiais para engordam o caixa do crime:
 Como surgiu a ideia de implantar cantinas em presídios e penitenciárias?
O artigo da Lei de Execução Penal (LEP) que trata disso foi escrito com base em uma realidade do início dos anos 1980. Maioria da população brasileira vivia em áreas rurais. As penitenciárias ficavam distante. Familiares que fossem fazer visita enfrentavam viagem longa, difícil, e quando chegassem na prisão tinham de se alimentar, se hidratar. A ideia da cantina era esta. Não é ideia de o Estado faturar dinheiro nem facção.
Por que isso não se implementou?
Isso se desvirtuou mais ou menos dentro da mesma ideia que fez nascerem as milícias do Rio, de que bandido bom é bandido morto e que não vamos tratar "vagabundo" bem. Essas cantinas propostas quase que ingenuamente pelo legislador na lei de 1984 nunca foram implantadas e os presídios foram abandonados. Vem essa questão de degradação muito forte no país.
Como foi no RS?
Vínhamos nessa lógica de que bandido tem de se dar mal. E até aquele momento os presos não viam a cadeia como algo deles. E o que não é meu eu não cuido, quebro, queimo. Assim como a população de Porto Alegre, que não vê o Dilúvio como algo seu, então, joga lixo. E essa sistemática de quebrar e queimar retroalimentava o pensamento de que bandido não merecia ganhar colchão ou ter melhorias. Quando a Brigada Militar assumiu o Presídio Central (em 1995), surgiu na cadeia uma pessoa que viu a possibilidade de ganhar dinheiro no caos. Um preso que passou a dizer para os outros: "Passamos maior tempo do nosso tempo aqui dentro, recebemos nossa família, nossos filhos, temos de cuidar disso aqui". Ele vendeu a ideia de melhorias para a direção, em troca de acabar com os motins e os estragos. Criou uma ala que tinha colchão, coberta, papel higiênico, coisas que as outras não tinham. E começou a cobrar para receber presos ali. Como a comida era ruim e insuficiente, negociou entrada de fogareiros, fogões, geladeira. Mas como tudo isso dava muito trabalho para os guardas revistarem, o Estado teve a ideia de ele mesmo prestar o serviço e isso foi regulado por uma portaria da Susepe. Foi assim que as cantinas oficiais começaram. O aluguel do metro quadrado da cantina do Central se tornou o mais caro de Porto Alegre.
E agora, no ponto que chegou, com controle de subcantinas pelas facções, qual a solução?
O grande problema é o Estado tratar mal o familiar dos presos. A cantina acaba servindo como forma de captação e engrossamento das facções. Estou preso e minha mãe sai lá da cidade dela às 5h da manhã, pega trem, ônibus, fica na fila, passa pela revista e aí vai me encontrar lá pelas 10h, 11h da manhã. Até aí ninguém do Estado apareceu para dar uma água ou pão para minha mãe. Quem dá? Quem administra a galeria. Quem alimenta minha mãe é dos Manos? Eu sou dos Manos. É dos Bala na Cara? Eu sou dos Bala. A comida é a forma de arregimentar. O Estado não é acolhedor com esse pobre que visita a cadeia ou que está dentro da cadeia.
Não tem solução então?
Não acredito, pois passa por acolhimento. O Estado não dá uma cobertura para os visitantes se abrigarem em dia de chuva. Difícil recuar do que está posto hoje. A lista de itens permitidos não é tão grande, mas vai ver o que as cantinas vendem, é muita, muita coisa.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

O Barão das drogas

De Signei José Bruzska

Quando Rodrigo foi preso, na fronteira do Brasil com o Paraguai, os jornais deram amplo destaque à notícia. Afinal, depois muitos anos de investigação e procura policial, finalmente havia sido preso o “Barão da Maconha”, traficante internacional, dono de um “império do crime”, apontado como um dos principais fornecedores de drogas para o sul do Brasil.

Um duro golpe no crime organizado”, sintetizavam as notícias.

Um forte esquema policial e de segurança foi montado para que fosse efetivada a transferência do mega traficante para a Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas, incluindo o uso de aeronave.

Algum tempo depois, em uma tarde de outono, do lado externo dos muros da mesma penitenciária de alta segurança de Charqueadas, sem qualquer vigilância, absolutamente sozinho, observei que um senhor, já de idade avançada, lidava com afinco em um tratorzinho cortador de grama. Andava para lá e para cá, aparando a grama com esmero, cuidando para que nenhuma ponta dos arbustos ficasse sem a devida poda. Cumprimentei-o de longe, pelo belo serviço que estava realizando e imediatamente perguntei para os policiais militares que me acompanhavam na prisão quem era aquele trabalhador:

É o Rodrigo, doutor, o famoso Barão da Maconha.

Posteriormente também pude constatar e provar que o “Barão das Drogas” foi o melhor fazedor de bolinhos fritos da PASC, aqueles que chamamos de “bolinhos de chuva”. Os bolinhos que ele fazia eram leves como plumas, em formato perfeitamente arredondado, polvilhados com açúcar e canela.

O Barão jamais trouxe problemas ao sistema penitenciário gaúcho. Não cometeu nenhuma falta disciplinar. E tempos depois, quando o Tribunal de Justiça revogou um benefício no regime semiaberto, ele se apresentou espontaneamente no balcão da VEC para terminar de cumprir sua pena.

segunda-feira, 11 de outubro de 2021

‘Não existe ser humano irrecuperável e eu sou um exemplo’, diz ex-detento nomeado para cargo que cuida da reabilitação de presos no RS

Lacir Moraes Ramos, de 63 anos, cumpriu 29 anos de prisão e está há 14 anos em liberdade. Nomeação foi criticada pelo Sindicato dos Servidores Penitenciários. Lacir Moraes Ramos, de 63 anos, durante atendimento no fórum, na Capital.

Arquivo pessoal
Há 14 anos em liberdade depois de cumprir 29 anos de prisão e receber um indulto presidencial que extinguiu as penas, o pastor evangélico e ex-detento Lacir Moraes Ramos, de 63 anos, quer usar o próprio exemplo para mudar a realidade de presos no Rio Grande do Sul. Ao g1, ele disse que após receber críticas à nomeação ao cargo em comissão (CC) de Chefe de Seção na Secretaria Estadual de Justiça e Sistemas Penal e Socioeducativo (SJSPS) pediu que seu nome fosse excluído.
Pedi para retirar o meu nome da nomeação para não prejudicar ninguém. Mandei um áudio pedindo [para o secretário Ronaldo Nogueira]. A resposta era para terem me dado até o meio-dia [desde domingo], mas ainda não me disseram se vão retirar”, contou.
Nascido em Ibirubá, na Região Noroeste do Rio Grande do Sul, Lacir é filho de agricultores. A história com o crime começou cedo, no mesmo mês que completaria 19 anos, quando ele e um amigo furtaram um Fusca. Foi a entrada no sistema que o deixaria preso por quase três décadas.
Eu, um jovem, com 19 anos, fui pra penitenciária com a condenação de seis anos e meio. No presídio era tortura dia e noite, coisas terríveis e eu optei por fugir do presídio. Infelizmente, eu fugi por cinco vezes do sistema prisional e cada vez que eu fugia, que era capturado, vinha com mais processos”.
O que começou com o furto de um carro passou a tomar proporções maiores. Lacir não gosta de falar sobre os crimes, mas a lista inclui homicídio, latrocínio, roubo e furto. Foram 28 presídios diferentes entre os anos de 80 e 90. Todos os companheiros que haviam sido presos com ele, morreram.
Eu não era para ter chegado a onde eu cheguei. Infelizmente, eu sou fruto do sistema. A ociosidade dentro do presídio é muito grande. Meu sonho, meu desejo, é conseguir fazer alguma coisa para reverter. Eu acredito que é possível. São jovens que tiveram mãe e pai, tem família. A mãe sonhava que aquele filho ia ser um médico, um professor, um jornalista, um advogado, mas infelizmente estão trancafiados dentro das penitenciárias planejando revolta, planejando crimes, ordenando crimes, porque é só isso que eles recebem lá dentro, essa é a instrução que existe”.
Com o trabalho que desenvolve com presos há 31 anos e a experiência de ser um ex-detento, Lacir vê no diálogo e na ocupação do tempo dentro da cadeia uma saída para reduzir os conflitos e reabilitar as pessoas.
Vejo três pilares na recuperação do preso: o primeiro é o fator psicológico que onde entra a espiritualidade, a igreja, com trabalho, lançando luz na alma do preso. O segundo fator é quando tem alguma atividade que o preso possa desenvolver um trabalho dentro do presídio. O terceiro é quando tem a escola, que o preso consegue estudar dentro do presídio”.
Nós temos que acreditar no ser humano. Não existe ser humano irrecuperável e eu sou um exemplo”.
Lacir é autor do livro “Um milagre na escola do crime – condenado a 200 anos hoje livre!”, no qual conta sobre seus trabalhos de ressocialização de ex-apenados. O ex-detento chegou a cursar direito numa universidade particular, mas há 4 anos teve que trancar o curso por não conseguir pagar. De acordo com ele, ao ser nomeado receberia um salário de menos de R$ 2 mil.
Ele é casado há 37 anos e tem quatro filhas.
Regras da galeria da Penitenciária Estadual do Jacuí.
Sidinei Brzuska/Arquivo pessoal
‘Visão apurada de quem já pode voltar a viver na sociedade’
O ex-juiz da Vara de Execuções Penais (VEC) Sidinei Brzuska acompanha o trabalho de Lacir há 13 anos. Ele conta que o ex-detento era conhecido por levar foragidos para se apresentar voluntariamente à Justiça.
Eu perdi a conta, mas foram dezenas, talvez centenas de condenados pela Justiça, foragidos, com mandado de prisão na rua, que o Lacir me apresentava no fórum, para eles cumprirem suas penas e saírem do crime. Esses presos, eu dava um termo de apresentação, uma coisa simples, e eles iam caminhando, voluntariamente, e se recolhiam no fechado. Muitas vezes o Lacir os levava até a porta da cadeia. Ele tem uma visão apurada de quem já pode voltar a viver em sociedade”.
Brzuska conta que a única gelaria da Penitenciária Estadual do Jacuí que era possível a entrada de policias, com a presença dos presos, era aquela em que havia o trabalho de reabilitação feito por Lacir.
Ele faz um trabalho importante de conscientização do preso, no sentido de mudar de vida. E faz isso com bastante autoridade. Os presos respeitam a palavra de quem, mesmo tendo cumprido praticamente 30 anos, deu a volta por cima. Aliás, existem raríssimas pessoas que sobreviveram 30 anos presas. E dessas, até onde sei, o Lacir é o único que se dedicou a fazer esse trabalho, de mostrar que é possível uma nova vida, dentro da lei e dos costumes sociais”.
Galeria na Penitenciária Estadual do Jacuí. Segundo Sidinei Brzuska, a única que era limpa.
Sidinei Brzuska/Arquivo pessoal

Críticas à nomeação
O Sindicato dos Servidores Penitenciários do Rio Grande do Sul (AMAPERGS) questiona, entre outras coisas, o fato de concursos para serviços públicos na Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) exigir análise da vida pregressa do candidato.
Entendemos que a contratação de um CC acontece de maneira mais simplificada, mas acreditamos que este conceito deva ser observado”, reivindica a AMAPERGS.

Em nota, afirma que irá pedir a exoneração dele do cargo em reunião com o secretário da Administração Penitenciária (Seapen), Mauro Hauschild, na próxima quarta (13).