Enquanto
prepara conjunto de medidas para renegociação de dívida com União, Piratini
precisa convencer base a votar um terço dos projetos de 2016
Prestes a remeter à Assembleia
Legislativa o conjunto de medidas previsto no acordo da dívida com a União, o
governador José Ivo Sartori tenta concluir a votação do ajuste fiscal anunciado
em novembro do ano passado. Dos 24 projetos remanescentes, um terço ainda
precisa passar pelo plenário. Como os termos do contrato com o governo federal
incluem temas polêmicos - prorrogação do aumento no ICMS, fim dos saques dos
depósitos judiciais e proibição de reajuste salarial acima da inflação -, o
Piratini se prepara para nova onda de resistência na base governista.
Os fundamentos do acerto que
permitirá carência de pelo menos três anos no pagamento da dívida ainda não
foram divulgados oficialmente. Só deve haver anúncio formal após Sartori
entregar pessoalmente o plano de recuperação ao presidente Michel Temer e ao
ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Terá início então outra batalha
política.
Após a assinatura de pré-acordo com a
União, Sartori precisa da chancela da Assembleia para oficializar a adesão. São
necessários os votos favoráveis de 28 dos 55 parlamentares. O pedido de aval
irá tramitar em regime de urgência, e o Piratini pretende votá-lo no final de
novembro, meta difícil de ser alcançada em virtude das defecções na base, cada
vez mais rachada (veja matéria ao lado), e da postura da oposição.
"A Assembleia não está
conseguindo cumprir sua função. A oposição abre precedente perigoso ao se negar
a dar acordo para as votações. Não está no papel deles impedir o Executivo de
governar" - reclama o líder do governo, Gabriel Souza (PMDB).
Enquanto o núcleo duro do Piratini
conclui a formatação do novo pacote, a ideia é ir vencendo a pauta legislativa
aos poucos, com a votação paulatina dos oito projetos pendentes desde 2016.
Diante da baixa produtividade da Assembleia - a menor dos últimos sete anos -,
os estrategistas do governo tentam convencer os aliados a acelerar o ritmo do
plenário.
Matérias que mudam a constituição devem
entrar em pauta na Assembleia em Janeiro
Seja qual for o andamento das votações, o
governador decidiu fazer convocação extraordinária. Em razão do calendário das
festas de fim de ano, os deputados terão de interromper as férias para apreciar
as matérias em janeiro, quando deverão ser votadas aquelas que mudam a
Constituição. O Piratini tem pressa. O objetivo é limpar toda a pauta -
sobretudo os temas controversos - nos primeiros meses do ano, evitando assim
contaminação dos debates pela disputa eleitoral.
Os termos do acordo levado ao
Planalto, contudo, são politicamente explosivos. Além de afetar o funcionalismo
público e manter as alíquotas de ICMS (que recuariam no final de 2018), Sartori
se compromete a privatizar ou federalizar até seis estatais, matéria de difícil
aceitação na Assembleia. O pacote do ano passado já continha uma proposta de
emenda à Constituição (PEC) retirando necessidade de plebiscito para
privatização de CEEE, Sulgás e CRM.
Houve resistência na base e o governo
recuou, retirando a PEC. Em troca, sugeriu realizar o plebiscito, mas o projeto
de decreto legislativo está parado há quase dois meses na Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ). Embora o relatório esteja pronto, a oposição não
tem dado quórum para atrasar o andamento do texto.
"O governo tem maioria na
CCJ. E há muita insegurança até mesmo na sua base. Estamos fazendo o que fomos
eleitos para fazer: oposição" - comenta a líder do PT, Stela
Farias.
Para minar a estratégia dos
adversários, o Piratini cogita retirar o projeto da CCJ e fatiar a matéria,
enviando à Assembleia três PECs, uma para cada estatal. Além das três empresas,
o governo quer vender a EGR, o Badesul e o BRDE. Sartori, contudo, ainda tenta
convencer a Secretaria do Tesouro Nacional, responsável por avalizar o acordo
com a União, a aprovar a renegociação da dívida sem a contrapartida das
privatizações. Mesmo assim, o Piratini precisa de autorização da Assembleia para
assinar o acordo e, depois, aprovar todas as contrapartidas no Parlamento.
FÁBIO
SCHAFFNER / ZH
Piratini
culpa oposição, mas base está rachada
O Palácio Piratini atribui à
intransigência da oposição a lentidão das votações na Assembleia, mas enfrenta
deserções crescentes na sua própria base. Para dirimir resistências, o próprio
governador José Ivo Sartori tem se empenhado na tentativa de convencer os
aliados a votar projetos polêmicos.
Na semana passada, Sartori reuniu-se
com deputados estaduais e federais, presidentes de partidos e coordenadores de
bancadas no Palácio Piratini. Explicou o teor de parte do acordo com a União,
reforçou a gravidade da crise fiscal e mais uma vez exortou a base a aprovar os
temas em tramitação na Assembleia. De alguns, ouviu pedidos, como obras,
liberação de recursos e nomeações no Executivo.
"Cargos, não tem mais"
- desabafa um interlocutor do governador.
No dia seguinte à reunião,
terça-feira passada, mais uma vez não houve quórum para votar texto que reduz o
número de servidores cedidos a sindicatos. Cinco aliados faltaram. Três deles
estavam viajando. Os outros dois - Gilberto Capoani (PMDB) e Missionário Volnei
(PR) - estavam em plenário mas preferiram não registrar presença, em provocação
direta ao governo.
"Estamos em constante
articulação política. O governo precisa ter relação consistente com a base, o
que vem sendo feito pela Casa Civil" - diz o líder do governo,
Gabriel Souza (PMDB).
Nos bastidores, aliados reclamam que
Sartori mantém na máquina estatal muitos indicados políticos do PDT, partido
que saiu do governo e se declarou independente. Assessores graduados já
sugeriram a demissão dos apadrinhados, mas, como o núcleo duro do Piratini,
conta com os votos de pelo menos três pedetistas - Eduardo Loureiro, Gilmar
Sossella e Gerson Burmann -, evita criar ressentimentos.
Há ainda um temor disseminado em
votar propostas que prejudiquem o funcionalismo. Entre os assuntos com
deliberação atrasada, há vários projetos que afetam os servidores, como o que
retira a data-limite para pagamento dos salários e do 13ª e o de alteração da
carga-horária dos funcionários da Susepe. Sob pressão inclemente das
categorias, até mesmo deputados da base titubeiam, com medo da repercussão nas
eleições do ano que vem.
"O governo reclama da
oposição, mas somos minoria. Temos em média 15, 16 deputados. O governador é
que não consegue convencer seus próprios aliados e, a cada dia que passa, tem
mais dificuldades porque o projeto político é de desmonte do Estado"
- afirma a líder do PT, Stela Farias.