Início alarmante pode ser explicado pelo fato de o Ministério da Saúde
ter tido tempo para se preparar para receber e notificar os casos de coronavírus
As primeiras
três semanas do coronavírus
foram piores no Brasil do que em países que hoje inspiram atenção na comunidade
médica, mostram dados da Organização Mundial da
Saúde (OMS). Em 21 dias, foram 291 casos no Brasil
contra três na Itália, dois na Espanha e 11 na França. Ainda assim, estamos
melhores do que o Irã, que registrou mais de 8 mil casos nas primeiras três
semanas.
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Ruas vazias Veneza, na Itália, um dos países com mais idosos da Europa |
O
crescimento é alto inclusive ao levar em conta a diferença populacional entre
cada país: na sexta-feira (20), 21º dia da doença no país, o número de
brasileiros contaminados era de 0,13/100 mil habitantes. No mesmo período de tempo,
na Itália era de 0,005/100 mil habitantes e o Irã, de 9,6/100 mil habitantes.
Ao mesmo tempo, o Japão, exemplo de sucesso no combate à epidemia, tinha número
maior do que o Brasil nesse período, de 0,2/100 mil habitantes – atingimos esse
valor na última quinta-feira (19).
Ainda assim,
a Organização Mundial da Saúde (OMS) pede cautela ao comparar países porque
cada região tem uma realidade própria. A Itália é um dos países com mais idosos
da Europa, a China alterou a metodologia de contagem mais de uma vez, o Japão
passou a adotar critérios clínicos (o que aumenta os números) e o governo
brasileiro já estava a postos esperando a chegada do vírus ao país, privilégio
que outros países não tiveram.
Na Itália, o coronavírus explodiu a
partir do 27º dia até o país transformar-se no epicentro da epidemia na Europa
– a suspeita é de que um hospital de Milão tenha errado ao diagnosticar
pacientes com gripe. Atualmente, com o país em quarentena total, o sistema de
saúde está superlotado e médicos precisam, em um cenário distópico, escolher
qual paciente irá viver ou morrer. Na Espanha, onde a situação
caminha para um cenário italiano, o crescimento ocorreu a partir do 39º dia
e, na França, a partir do 45º dia.
O Brasil
está no 23º dia e ainda não atingiu taxas dramáticas. Ainda assim, o número de
novos casos em único dia no Brasil cresce com ritmo acelerado a partir de
quarta-feira (18), quando 137 novas pessoas foram diagnosticadas com
coronavírus. Na quinta, foram 193. O crescimento é puxado pelo Estado de São
Paulo. Observe, no gráfico abaixo, como a linha que corresponde ao Brasil fica
acima de outros países e abaixo apenas da linha do Irã.
As primeiras
semanas ainda não são beneficiadas pelas medidas de restrição social – a
experiência de outros países mostra que esse tipo de intervenção foi
fundamental para conter o coronavírus. São necessárias de duas a três semanas
para haver redução de infectados.
"A fase
inicial da doença tem ascensão muito rápida, atinge um plateau (direção horizontalizada) e
cai. Esse é o panorama de doenças respiratórias. Estamos ainda no início de
nossa fase. Teremos bem mais casos do que temos agora, e a cada dia vai
aumentar mais a velocidade" — afirma José Cassio de Moraes, professor de Saúde
Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas Santa Casa de São Paulo e membro da
Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
O
coronavírus no Brasil dia após dia
"O alto número
no Brasil pode ser explicado porque o país já estava pronto para receber o
coronavírus. Na Itália, os três casos diagnosticados eram os mais graves, mas
provavelmente já havia centenas de subnotificados, sem que os médicos
soubessem, porque não se esperava que a doença chegaria tão rápido. No Brasil,
a epidemia entrou mais tarde e houve tempo para os laboratórios estarem prontos
para receber os casos" — afirma Marta Giovanetti, virologista italiana que atua
como pesquisadora-visitante na Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro.
Estudo
liderado pela Universidade de Radboud, na Holanda, e publicado
na última segunda-feira (16), alerta que os efeitos do coronavírus serão
mais severos em países em desenvolvimento. A seu favor, o Brasil tem o Sistema
Único de Saúde (SUS), o que coloca o país à frente de outras nações sem sistema
universal de atendimento. Por enquanto, a pressão maior é sobre o sistema
privado, já que a doença atinge, por enquanto, a classe média, influenciada pelos
casos importados do Exterior.
Na visão de
Alexandre Zavascki, médico chefe da Infectologia do Hospital
Moinhos de Vento, o ritmo italiano deve se repetir nas cidades
brasileiras que não adotaram medidas de restrição.
"Os números
de São Paulo são muito parecidos com os números de países como a Itália, França
e Espanha. O que é esperado é que essa situação se repita de forma semelhante
em outras cidades, com a diferença de quem se antecipou nas medidas de
cancelamento de atividades não essenciais. Com as medidas de restrição
antecipadas de Porto Alegre em relação a São Paulo, talvez consigamos distribuir
os casos em um tempo maior para evitar a sobrecarga de hospitais" — diz.
Todos os
Estados do Brasil já cancelaram as aulas da rede estadual e algumas regiões
foram além: São Paulo e Rio Grande do Sul, por exemplo, fecharam bares,
cinemas, museus e passaram a incentivar o trabalho a distância. Após decretar estado
de calamidade pública na quinta-feira (19), o
governador Eduardo Leite afirmou que “vamos superar este momento grave da
história da humanidade”.
Epidemiologistas
destacam que devemos ter mais casos também porque o Brasil é uma nação com 210
milhões de habitantes – ante 60,3 milhões na Itália, 45,7 milhões na Espanha e
67 milhões na França. Só o Estado de São Paulo, que concentra a maior parte dos
infectados, tem cerca de 46 milhões de habitantes.
"Uma
epidemia dependerá da capacidade do vírus de atingir pessoas suscetíveis, do
número de pessoas suscetíveis (grandes cidades ou regiões implicam maior
oportunidade de disseminação) e as medidas de restrição feitas. É cedo para
apostar se estamos indo bem ou mal: a maioria dos casos ainda são importados e
em São Paulo, sendo que o maior hub de viagens do Exterior é o Aeroporto de
Guarulhos. Isso faz diferença. Agora que começou a transmissão comunitária
teremos uma ideia melhor" — destaca Ricardo Kuchenbecker, médico e professor de
Epidemiologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Outra
questão que afetará nosso futuro é a capacidade de realizar diagnósticos – a
OMS pediu que países testem o máximo de pessoas possíveis. A Coreia do Sul faz
exames de forma massiva na população, o que garantiu um grande número de casos,
mas uma baixa taxa de letalidade.
Após o Ministério da Saúde comprar 150 mil
exames dos laboratórios Bio-Manguinhos e Fiocruz, cerca de 13 mil brasileiros
foram testados pelo coronavírus via SUS, segundo o Ministério da Saúde.
Cada exame custa R$ 98. No próximo mês, mais 40 mil kits devem ser entregues os
Estados e a Fiocruz trabalha para entregar 1 milhão de testes até o final do
ano. Para expandir a cobertura, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)
obrigou, na semana passada, planos privados a oferecerem o serviço.
"A doença está crescendo e, em uma epidemia, a
tendência é ter um crescimento muito rápido. Ao mesmo tempo, somos um país de
210 milhões de habitantes com intercâmbio interno muito grande, então teremos
diferentes ritmos em cada Estado" — reflete Jair Ferreira, professor de
Epidemiologia na UFRGS.
Estudo publicado na revista Science nesta semana
mostra que 86% das infecções na China não foram diagnosticadas e 79% das
transmissões ocorreram de pessoas sem sintomas. A pesquisa circulou
celulares de cientistas do mundo todo como um alerta: as pessoas precisam ficar
em casa e evitar contato social.
Até o final da tarde desta sexta-feira (20), 904
pessoas haviam sido diagnosticadas com coronavírus no Brasil, e o país tinha 11
mortes pela doença.