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quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Servidores penitenciários sinalizam com paralisação no fim do mês se governo estadual não atender a reivindicações

Sindicato entregou terça-feira (11) as exigências aprovadas por mais de 800 servidores

Categoria decidiu, por unanimidade, decretar "estado de greve"

Os servidores penitenciários do RS decidiram, por unanimidade, decretar "estado de greve". Conforme deliberado em assembleia da categoria realizada nesta terça-feira (11) pela manhã, o Sindicato dos Servidores Penitenciários do Estado do Rio Grande do Sul (Amapergs Sindicato) entregou ao governo estadual as exigências aprovadas pelos servidores, com prazo até final de janeiro para atendimento das solicitações. De acordo com o sindicato, se o Executivo não ceder, uma greve será desencadeada.

Na tarde desta terça, os servidores fizeram dois atos, no Centro Administrativo Fernando Ferrari (CAFF) e em frente ao Palácio Piratini. No CAFF, por volta das 14h, a Amapergs Sindicato entregou ao secretário da Secretaria de Justiça e Sistemas Penal e Socioeducativo (SJSPS), Mauro Hauschild, as deliberações. A entidade representa mais de sete mil servidores penitenciários que atuam em 150 casas prisionais em todo o RS.

"O governo Eduardo Leite precisa ter essa sensibilidade. O sistema prisional, os servidores, estão no limite e a greve é iminente. O governo precisa ceder para que o pior não ocorra" — ressaltou o presidente da Amapergs Sindicato, Saulo Felipe Basso dos Santos. 

Mais de 800 servidores penitenciários aprovaram uma série de exigências:

·        Substituição do atual superintendente da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), José Giovani Rodrigues;

·        Publicação das promoções dos servidores penitenciários até o final do mês. Em dezembro de 2021, o governo do Estado permitiu o avanço nas carreiras, por antiguidade e merecimento, de 2.162 servidores da Brigada Militar, da Polícia Civil, do Corpo de Bombeiros Militar e do Instituto-Geral de Perícias. Apenas os servidores penitenciários ficaram de fora — fato que causou revolta na categoria, que agora ameaça parar as casas prisionais no Estado;

·        Responsabilização da Susepe e SJSPS por descumprimento do decreto que obriga a publicação das promoções;

·        Manutenção da carga horária de trabalho sem qualquer alteração, contra mudanças.

·        Índice de reposição inflacionária salarial igual ao que for concedido às demais forças da Segurança Pública do Estado, como Brigada Militar e Polícia Civil;

·        Agilização na regulamentação da Polícia Penal, que transforma servidores penitenciários em policiais penais. Após aprovação de emenda constitucional pelo Congresso em 2019, os servidores serão equiparados às demais polícias, sem acréscimo salarial, podendo realizar boletim de ocorrência, termo circunstanciado e operações de busca e recaptura. Além disso, receberão armamento do Estado. No entanto, a emenda precisa ser regulamentada pelos Estados, e, de acordo com a Amapergs, o RS é um dos mais atrasados no processo. O Palácio Piratini enviou à Assembleia Legislativa o texto que regulamenta a Polícia Penal em junho de 2021.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

O Brasil jamais será comunista

Por Marco Vieira, escritor e jornalista

Esta é uma das frases mais engraçadas que leio seguidamente nas redes sociais. É lógico que o Brasil jamais será comunista. Não só o Brasil, mas nenhum outro país será comunista. Por uma razão muito simples, o comunismo nunca existiu na prática em lugar nenhum, e nunca vai existir. Isso que estas pessoas chamam de comunismo, na verdade é socialismo, o partido é que era comunista. Mas não vou perder meu tempo tentando explicar estas diferenças, para pessoas que não querem entender. Se até hoje não conseguiram aprender sobre o assunto, é porque possuem algum tipo de problema cognitivo.

Mas vou ajudá-las explicando o que significou a Queda do Muro de Berlim. Não foi apenas uma “paredezinha que ruiu”. Este muro dividia a cidade de Berlim em duas partes; um lado era capitalista, e o outro lado era socialista (ou comunista, como gostam de dizer). Quando houve a queda dele, tudo virou uma coisa só, ou seja, passou a ser capitalista, e o socialismo (ou comunismo) acabou, morreu. Entenderam isso? Ou é difícil? Pois em 1989 (quando o muro caiu) o mundo tinha 59 países socialistas, e hoje, a rigor, só sobraram dois; Cuba e Coreia do Norte. Os outros dois; China e Vietnã, já abriram para o capital, ou seja, já possuem empresas privadas funcionando, portanto, não podem mais ser considerados socialistas (ou comunistas). Vou explicar o beabá; se um país possui empresas privadas é capitalista, se a economia é estatal é socialista. Entenderam isso? Não fujam de livros e das aulas de história, elas fazem bem para a cabeça.

Uma vez uma mulher disse para mim; “sou de direita e contra o comunismo”. Eu respondi para ela; “sou de esquerda e contra o comunismo”. Dei um nó na cabeça dela, que deve estar até agora tentando entender o que eu disse. Como posso ser a favor de algo que não existe? Já perceberam que o Brasil é o único país do mundo que ainda falam em comunismo? E o nosso país é tão surreal, que atualmente a direita fala muito mais em comunismo do que a esquerda. Aliás, a esquerda nem toca mais neste assunto, pois sabe que isso ficou enterrado no século 20. Mas a direita não, usa esta palavra para tudo. É como a palavra GET, do inglês, onde colocar está valendo. Ou quase isso.

Nestas horas fico imaginando que Brizola deve estar se revirando no túmulo. Ele pretendia desenvolver o país através da educação. Pena que não teve chance, pois não precisaríamos hoje ficar explicando o óbvio para estes ogros mentais. Pois é, enquanto o mundo todo já está no século 21, parte da população brasileira resolveu levar o Brasil para a Idade Média. E vai ser um trabalho muito difícil, a gente trazer o Brasil de volta para o século 21. Esta gente toda jogou os livros de história na fogueira medieval. Jogaram também nesta fogueira a inteligência, a sensatez, o equilíbrio, e devem estar pulando em volta dela, com gritos de “viva a ignorância”.

O maior erro judiciário da História

Por Marco Vieira, escritor e jornalista

Erros judiciários existem vários no mundo todo, inclusive no Brasil. Mas o que vou relatar, certamente é o mais famoso. Todo mundo já deve ter ouvido falar da dupla Sacco e Vanzetti. Livros foram publicados, filmes foram feitos, reportagens sobre o caso, enfim, até hoje este é considerado o maior erro judiciário da história. Vamos lembrar; Nicolás Sacco era filho de camponeses pobres italianos, emigrou para os Estados Unidos em 1908, aos 17 anos. Viveu períodos de grandes dificuldades, chegou a passar fome, desemprego e muita miséria. Depois trabalhou em diversas fábricas, como em uma de calçados, onde conheceu sua companheira, com quem teve dois filhos. Sacco tinha como ideologia política o anarquismo.

Bartolomeu Vanzetti, quando jovem, tinhas ideias religiosas e humanistas. Gostava muito de ler e estudar, depois se desligou de religiões, e aos 20 anos emigrou para os Estados Unidos. Segundo ele; “nos EUA vi todas as brutalidades da vida, todas as injustiças e depravações, que há tragicamente na humanidade”. Estudou importantes teóricos como Bakunin, Marx, Kropotkin, Gorki, Mazzini, Tolstoi, Leopardi, Darwin e outros. Lia de madrugada, depois de longas jornadas na fábrica em que trabalhava. Ele se tornou anarquista e importante liderança no movimento operário.

Moravam na cidade de South Braintree, no Estado de Massachussets. No dia 15 de abril de 1920, aconteceu um assalto numa fábrica. Na ocasião, um agente pagador e um segurança da empresa acabaram sendo mortos. Nesta época havia uma quadrilha na cidade, que infernizava a vida dos fabricantes e comerciantes. No dia 5 de maio Sacco e Vanzetti foram presos, e para sua desgraça, estavam armados. Mas isso era normal na época, todos os americanos usavam armas. Três “fatos graves” pesaram contra eles; eram operários, estrangeiros e anarquistas. Negaram com veemência o crime. A imprensa americana passou a divulgar a prisão deles, dizendo que o fato de serem anarquistas, era “prova moral de propensão à criminalidade e delinquência”.

O caso teve repercussão internacional. É importante ressaltar que nesta época a Máfia estava se instalando nos EUA, e então, todo italiano era visto como “provável delinquente”. Começa o processo e julgamento. O advogado de Sacco provou que ele estava trabalhando no horário em que aconteceu o crime. Um menino que vendia peixes, confirmou que Vanzetti estava comprando seu produto na hora do crime. Nada disso foi levado em consideração. Então aconteceu algo ainda mais surreal, que foi a chamada “batalha dos peritos”.

Um destes peritos disse que a bala “poderia” ter saído da arma de Sacco. Não confirma, apenas diz que “poderia”. Já outro perito, diz que a bala não foi disparada pela pistola de Sacco. Fez um diagnóstico minucioso e testes de balísticas. Portanto, terminou “empatada” a “batalha dos peritos”. Os jurados precisavam ponderar e escolher entre as duas interpretações contraditórias. Se o revólver de Sacco não disparou a bala que matou o funcionário da fábrica, desaparece um dos principais argumentos da acusação. Então surge uma testemunha que diz que o assassino usava um boné. Isso foi o suficiente para incriminá-los. É importante lembrar que nesta época, quase todo mundo usava boné. Este “detalhe” não foi levado em conta.

Um imigrante português confessou ter participado deste assalto, e apresentou uma versão razoável do ocorrido. Negou o envolvimento de Sacco e Vanzetti no crime. Um policial disse que havia sérias suspeitas sobre uma quadrilha, mas nada disso convenceu o juiz. Vanzetti declarou; “nunca cometi delito algum em toda a minha vida, e sempre combati os crimes que a lei oficial e a lei moral permitem; que é a exploração do homem pelo homem”. No dia 23 de agosto Sacco e Vanzetti foram executados na cadeira elétrica.

No dia seguinte, o jornal Humanité, da França, publica em sua capa em letras garrafais; “Assassines!” Uma grande indignação tomou conta dos operários em todo os Estados Unidos. O caso gerou revoltas em diversos países de várias regiões do mundo, como; Itália, França, México, Inglaterra, Alemanha, União Soviética, Brasil, Portugal, Espanha, Argentina, entre outros. O grande problema da chamada “pena capital”, é que no caso de comprovação de que houve um erro judiciário, não tem como ressuscitar os executados.

Servidores penitenciários podem decidir por paralisação na próxima terça


 

quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Conheça a penitenciária onde presos reciclaram 46 toneladas de lixo neste ano

Projeto Caminho da Luz é tentativa de ressocialização, em unidade que abriga 2,1 mil detentos

Leticia Mentes/ZH

Reciclando até pensamento. Esse lema guia um projeto implantado na segunda maior casa prisional do Rio Grande do Sul. A Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ), em Charqueadas, na Região Carbonífera, reciclou de janeiro a novembro deste ano 46,3 toneladas de lixo. Papelão, plástico e caixas de leite estão entre os principais resíduos reaproveitados. Por trás do número, está o projeto Caminho da Luz, que, além de garantir que encarcerados tenham oportunidade de trabalho, busca melhorar a sanidade e preservar o ambiente na prisão, com cerca de 2,1 mil detentos.  

À frente da iniciativa está o major Fabiano Henrique Dorneles, há quase três anos como diretor da PEJ. Atualmente, 42 presos estão envolvidos nas atividades da usina de reciclagem, que já havia sido instalada de forma tímida em 2010, mas desde o ano passado foi ampliada, quando passou a integrar o Caminho da Luz. A unidade prisional produz, em média, 16 toneladas de lixo por mês  — em setembro a reciclagem alcançou o maior número e ultrapassou as seis toneladas mensais. A separação do material inicia já dentro das galerias, até chegar à usina, onde ocorre o preparo dos resíduos a serem coletados.

O lucro obtido com a comercialização para uma empresa é dividido: metade para os detentos que trabalham ali e outra para a penitenciária. Os recursos são destinados para melhorias na usina ou custeio de reparos na prisão. Um dos projetos que deve ser beneficiado com os valores é a construção de um novo canil.  A iniciativa, que não contempla somente a reciclagem, passa também pela educação dos detentos, e outras atividades, que buscam o fortalecimento dos vínculos familiares e o combate à dependência química.

O principal objetivo, explica o diretor, é aumentar as chances de que os presos possam ali dentro evoluir como cidadãos.

"Estamos tentando fazer com que essas pessoas saiam um pouco melhor do que chegaram aqui" — diz o major.

Além de fomentar a ressocialização, o projeto desenvolvido com a usina também ajuda a melhorar a condição sanitária da prisão. O acúmulo de lixo, em geral, acaba resultando na presença de ratos, baratas, e no desenvolvimento de doenças.

"Isso é um ciclo do bem. Além da parte sanitária e ambiental, que é fundamental, melhora a autoestima do preso. Trazemos para trabalhar aqueles que têm dificuldades financeiras. Com esse dinheiro, podem adquirir materiais de higiene. O grupo que trabalha junto acaba se aconselhando. Ficam melhores, mentalmente. O grupo se auto recicla" — enfatiza o diretor.

A PEJ mantém outras iniciativas, como uma horta comunitária, na qual parte da produção tem como destino um asilo de Charqueadas. No total, cerca de 600 apenados estão envolvidos em atividades de trabalho dentro da casa prisional.

Para participar do projeto, é necessário que o próprio preso demonstre interesse. O perfil de cada um dos detentos é avaliado pela casa prisional, definindo em qual função pode ser encaixado. Um dos apenados, que está há seis meses no projeto, antes de ir para a prisão, há dois anos, trabalhava como gari.

"Significa o começo de uma nova vida, desde aqui de dentro até a hora de eu sair" — afirma, sobre o projeto.

Além do valor recebido com o lucro obtido, o detento é beneficiado com a redução da pena. A cada três dias de trabalho, tem um descontado do tempo que precisa cumprir na prisão. Um dos presos, há dois anos na reciclagem, quando sair, espera ter outra vida.

"A primeira coisa é encontrar um serviço e voltar à sociedade, como uma pessoa normal. Não como era antes. Mas sim uma pessoa mudada" — diz.

Judiciário

Juiz da Vara de Execuções Criminais (VEC) de Novo Hamburgo, Carlos Fernando Noschang Junior enfatiza que o sistema prisional e a segurança pública estão diretamente ligados. Por isso, entende que iniciativas de ressocialização  — previstas inclusive na Lei de Execuções Penais, embora nem sempre funcionem na prática  — devem ser fomentadas, para que se multipliquem, numa tentativa de coibir os tentáculos do crime.   

"Da forma como o preso for tratado, é como ele vai retornar para a sociedade. Se for cooptado por facção, vai sair do presídio devendo, e voltar cometendo delitos para pagar as dívidas. Se for acolhido pelo Estado, e tiver oportunidade de se capacitar, a tendência é de que volte mais humanizado. Tenha oportunidades que talvez ele nunca teve na vida. Ele pode voltar e atentar contra a sociedade ou somar-se à comunidade" — afirma. 

A destinação de recursos, por meio do fundo de penas pecuniárias, é uma das formas que o Judiciário tem de incentivar esse tipo de projeto.  

"O trabalho é uma oportunidade para eles demonstrarem que podem retomar o convívio em sociedade. Preso recuperado, ressocializado, é uma arma a menos na cabeça da comunidade" — ressalta o juiz. 

Outras iniciativas

A PEJ não é a única a manter projetos voltados para a reciclagem, que permitem aos presos ter ocupação dentro do sistema. No Complexo Prisional de Canoas, com capacidade para até 2,4 mil detentos, cerca de 17 mil caixas de leite são recicladas no mês. O projeto iniciou no ano passado com a confecção de esteiras para moradores de rua.  

Atualmente, o material segue usado na produção de esteiras de isolamento térmico, mas as doações são para famílias em situação de vulnerabilidade. Para cada esteira, são utilizadas 10 caixas de leite. Os produtos são entregues a uma ONG de Canoas, que faz o repasse dos materiais usados no isolamento de moradias.

Além dessa iniciativa, no complexo há outros projetos como a produção de nichos, prateleiras e estantes, com madeira reutilizada. A unidade mantém também apenados trabalhando na produção de móveis e estofados, roupas impermeáveis e cultivo de frutas e verduras. 

Apreensão de drones no entorno de presídios gaúchos aumenta mais do que o dobro em 2021

Susepe registrou 27 casos até esta semana, contra 12 em todo o ano passado

Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) apreendeu, em 2021, pouco mais do que o dobro de drones no entorno dos presídios gaúchos em relação a 2020. Foram recolhidos 27 equipamentos até esta penúltima semana do ano contra 12 apreensões durante todo o ano passado. Devido às festas de fim de ano, a fiscalização foi reforçada.
Apesar do aumento neste ano, o ápice de apreensões foi registrado em 2019, quando 43 drones foram apreendidos durante tentativas de entregas de drogas a presidiários. 

Um balanço final sobre este tipo de ação será divulgado novamente nos primeiros dias de 2022. O Estado tem 153 unidades prisionais, sendo duas delas sob a direção da Brigada Militar (BM), e a maioria dos casos registrados foi na Região Metropolitana e no complexo de Charqueadas.

A atenção redobrada e o reforço de rondas nesta semana e na próxima ocorrem dentro das casas prisionais, mas também nas imediações. E não só Susepe, mas a BM também reforça as operações para monitorar possíveis ações de criminosos pilotando os equipamentos. As capturas ocorrem quando os aparelhos perdem o sinal por terem sido utilizados em grande distância ou porque são puxados por agentes de segurança, a partir dos próprios fios que carregam. Outros são confiscados pela Polícia Civil em investigações.

Em novembro, GZH revelou imagens e detalhes de como a "força aérea" do tráfico levava drogas para presídios gaúchos. Imagens gravadas por presos mostraram aparelhos enviando materiais para o Presídio Central. Além de drogas, foram encaminhados celulares, cabos, modens e até arma. As gravações são feitas para confirmar a entrega ao destinatário. Por exemplo, se a encomenda for perdida, quem enviou tem de se explicar ao chefe da quadrilha.

Os drones operam mais de dia do que à noite nos presídios, não importando as condições do tempo. Além disso, os equipamentos estão cada vez mais potentes e sofisticados, com motores capazes de driblar ventanias. Por isso, as autoridades estão realizando uma maior fiscalização. Uma preocupação é a capacidade dos equipamentos em carregar cada vez mais peso. Eu um dos casos, um aparelho transportava cinco quilos de celulares.

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Justiça

Na primeira cena do documentário Justiça, de Maria Augusta Ramos, todo ele com cenas reais de audiências judiciais, vemos um homem negro que deve responder a perguntas de um juiz em um processo criminal no Rio de Janeiro. O magistrado pergunta se a denúncia é verdadeira, ao que o réu, prontamente, responde “não, não é verdadeira não, senhor.”

Presídio Central: enfim, a decisão corajosa de uma juíza enfrenta a lotação desumana da pior cadeia da América Latina

Então, o juiz quer saber como se deu a prisão, ao que o acusado responde que estava na rua, no carnaval, que “saiu uma correria”, que alguns policiais estavam atirando, que procurou uma rua lateral para se proteger quando três homens, que fugiam da polícia, passaram por ele. Na sequência, foi preso; o único preso.

O primeiro detalhe: os fugitivos eram suspeitos de terem praticado um arrombamento após a escalada de um muro. O segundo detalhe: o homem negro preso é cadeirante, não tem uma perna e a outra é tão fina que parece só osso.

O réu começa a relatar ao juiz que os policiais o derrubaram da cadeira de rodas e bateram nele, produzindo lesões. Nisso, é interrompido pelo magistrado que, impávido, dita o depoimento, omitindo todo o relato e fazendo constar apenas a negativa de autoria e a afirmação de que o réu não conhecia os três “elementos”.

O homem negro solicita que seja determinada sua remoção para um hospital, porque, na 25ª delegacia, onde ele está preso preventivamente, há 79 pessoas na cela e ele precisa se arrastar para defecar.

O magistrado, então, diz: “Só posso fazer isso se houver uma solicitação médica, porque esse é um assunto médico, não um assunto de juiz”. Depois disso, o juiz pergunta há quanto tempo o réu está na cadeira de rodas. O homem responde que é cadeirante desde 1996.

O magistrado, então, aparentando surpresa, pergunta: “Mas o senhor estava na cadeira de rodas quando foi preso?”  “Claro, doutor, estava na cadeira.”

Possivelmente, o tema também não constituía “assunto de juiz”, afinal, o que a situação kafkiana de um cadeirante estar sendo acusado de um arrombamento com escalada tem a ver com a noção de Justiça?

O que a condição de 79 pessoas empilhadas em uma carceragem de uma delegacia de polícia constitui “assunto de juiz”?

E o que uma denúncia de uma pessoa com deficiência que afirma ter sido espancada por agentes encarregados de fazer cumprir a lei tem a ver com o ofício do burocrata que imagina “aplicar a lei”?

Alguém poderia pensar que essa seja uma situação anômala, um ponto fora da curva. O trabalho de Maria Augusta Ramos, não apenas esse Justiça, mas também Juízo, seu documentário mais recente, ambos disponíveis na Netflix, sugere que não. O que vemos na tela, em audiências reais com câmera fixa nos operadores do Direito, é um padrão no tratamento com os pobres e os negros.

Os efeitos de uma postura correta e respeitosa de uma autoridade pública sobre as pessoas são surpreendentes. As pesquisas do professor Tom Tyler (Yale University) demonstraram que, quando autoridades agem de forma justa e respeitosa, essa conduta aumenta a adesão das pessoas à lei, fazendo com que elas tendam a obedecer às autoridades, mesmo diante de decisão contra seus interesses.

O livro de Tyler (2006) Why People Obey the Law (Por que as pessoas obedecem à lei) inaugurou uma nova abordagem conhecida como Procedural Justice (Justiça Procedimental), demonstrando que comportamentos desrespeitosos, violentos e não profissionais de policiais, promotores e juízes prejudicam os esforços de aplicação da lei, porque reduzem as chances de as pessoas colaborarem com as investigações.

Ajuda ou humilhação

Para a Justiça Procedimental, é preciso dar voz às pessoas, e escutá-las com atenção. Os magistrados, especialmente, devem se manter equidistantes das partes, reduzindo os riscos de pré-julgamento. Explicando esses e outros princípios, a juíza Victoria Pratt, em palestra no projeto TED, conta a diferença entre perguntar em uma audiência a uma pessoa que tem pouca escolarização ou tem o inglês como seu segundo idioma:

O senhor está tendo dificuldade de entender essa papelada toda?” Ou simplesmente: “O senhor sabe ler?” Na primeira alternativa, a pergunta é uma oferta de ajuda; na segunda, uma humilhação. Essa forma de se relacionar com as pessoas mais simples e humildes pode mudar a qualidade do acesso à justiça.

Lembrei disso porque, recentemente, a juíza Sonáli da Cruz Zluhan, da 1ª Vara de Execuções de Porto Alegre, atendendo a pedido da Defensoria Pública e aplicando jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, determinou que cada dia de pena cumprida no Presídio Central seja contado em dobro, tendo em conta a superlotação e as condições desumanas de execução da pena.

A decisão, imediatamente contestada pelos adeptos do “estado inconstitucional de coisas” em matéria penal, representa um gesto de racionalidade e de respeito em um sistema que, há muito, tem dificuldades de se conectar com a realidade da execução penal e com seus efeitos criminogênicos.

A boa notícia, portanto, é: sim, temos juízas e juízes dispostos e mudar isso. Talvez sejam poucos, mas que diferença elas e eles fazem!

Marcos Rolim é jornalista, doutor em Sociologia. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe 

quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

das redes sociais

Por mariomarcos de https://mariomarcos.wordpress.com



Amapergs Sindicato alerta para prejuízos com privatização das casas prisionais gaúchas

Proposta do governo foi aprovada por 27 a 18 na Assembleia Legislativa


A Amapergs Sindicato alertou nesta quarta-feira sobre os prejuízos com a privatização de casas prisionais no Rio Grande do Sul. Por 27 a 18, o Governo do Estado conseguiu aprovar o projeto de lei complementar 379/2021, durante votação ocorrida na última terça-feira na Assembleia Legislativa, em Porto Alegre. A mobilização e pressão da entidade de classe, que representa mais de 7 mil servidores penitenciários em 153 estabelecimentos penais gaúchos, não foi considerada suficiente para convencer os deputados estaduais.

O debate ainda não está perdido. Vamos intensificar o contato com os parlamentares. Vamos evidenciar o prejuízo para o sistema prisional do Estado. Vamos mobilizar ainda mais a categoria para impedirmos esse processo no RS”, adiantou o presidente da Amapergs Sindicato, Saulo Felipe Basso dos Santos.

O projeto do governo é um cheque em branco para uma possível empresa que vai fazer a gestão desta casa prisional de Erechim. Depois deste primeiro experimento, a possibilidade de esse modelo ser replicado é bem grande”, disse. 

O dirigente advertiu que pessoas sem o devido treinamento e capacitação farão o trabalho realizado por servidores penitenciários, concursados e treinados na academia da Susepe.

Um documento, entregue a todos os deputados, enumera questões como custo elevado de manutenção dos apenados, segurança das casas prisionais, crescimento do poder das facções, situações de superfaturamento e corrupção, além de motins e rebeliões, como consequências da parceria público-privado no sistema carcerário gaúcho.

A reportagem do Correio do Povo aguarda uma manifestação da Secretaria de Justiça e Sistemas Penal e Socioeducativo (SJSPS). 

Deputados aprovam PPP para Presídio de Erechim

Os deputados estaduais aprovaram, nesta terça-feira (7), com 27 votos favoráveis e 18 contrários, o projeto do governo Eduardo Leite (PSDB) que institui garantias para o pagamento das obrigações pecuniárias assumidas pelo Estado na Parceria Público Privada (PPP) do Presídio de Erechim. 

Essa era uma das sete matérias que estava trancando a pauta do Parlamento, por ter vencido o prazo de tramitação em regime de urgência. As sete propostas em urgência foram votadas ao longo da tarde, liberando os parlamentares a apreciar outras 27 proposições - inclusive o projeto da Lei Orçamentária Anual de 2022, que, até o fechamento desta edição, ainda não tinha sido aprovado.

A PPP do Presídio de Erechim foi a primeira matéria a ser apreciada. A parceria busca construir uma casa prisional com capacidade máxima de 1.125 apenados, no município da região norte do Estado. O projeto envolve uma parceria entre o governo estadual, governo federal e empresas privadas - que deverão atuar tanto na construção quanto na administração do presídio.
O governo assegura que as empresas privadas vão atuar na limpeza, alimentação e manutenção da casa, enquanto a segurança será feita pela Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe). Entretanto, o texto do projeto não deixa isso claro.
O Sindicato dos Servidores Penitenciários do Estado do RS (Amapergs Sindicato) teme que a segurança do presídio seja terceirizada. Além disso, a entidade sustenta que a administração do novo presídio será maior do que os presídios públicos. Hoje são os próprios apenados que fazem a limpeza, lavagem de roupas e comida nas casas prisionais.
Embora tenha dito ser favorável a algumas PPPs, o deputado estadual Tenente-coronel Zucco (PSL) justificou o seu voto contrário com o mesmo argumento do sindicato: 
"A operação do complexo prisional é um termo vago e pode invadir as atribuições que são exclusivas da Susepe."
Jeferson Fernandes (PT) já havia afirmado, na sessão da semana passada, que o objetivo do governo é privatizar a operação da penitenciária, um serviço que deveria ser prestado pelo próprio Estado. Além disso, disse que faltavam informações na justificativa do projeto para que os parlamentares pudessem deliberar sobre essa proposta.
Juliana Brizola (PDT) disse que é consenso que a construção e reforma de presídios pode ser feita através de permutas ou parcerias. 
"Mas é na operação do complexo prisional que reside toda a nossa contrariedade", afirmou.

sábado, 27 de novembro de 2021

Seção de Atendimento ao Servidor da Susepe ganha reconhecimento nacional

Área de atendimento é escolhida como uma das melhores práticas brasileiras de direitos humanos

A Seção de Atendimento ao Servidor da Susepe (SASS) foi selecionada como uma das cinco melhores práticas brasileiras relacionadas a Direitos Humanos nos sistemas de Segurança Pública, Penitenciário e Socioeducativo. O serviço foi selecionado em pesquisa nacional efetivada pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do Governo Federal (MMFDH).

Para conhecer a prática, o representante do MMFDH e líder desse projeto, Diógenes Pacheco de Melo, esteve em Porto Alegre na última quarta-feira (24) e enfatizou que ficou bastante impressionado. 

É um serviço consolidado, com bastante maturidade no Estado, que vai servir de exemplo para ser levado para outros estados do Brasil”, pontuou Diógenes. 

Um dos objetivos da pesquisa é justamente tornar replicáveis as práticas selecionadas, e essa ação gaúcha também pode contribuir como diretriz do Plano Nacional de Direitos Humanos e Segurança Pública, em fase de elaboração.

Na parte da manhã, Diógenes esteve reunido com o secretário de Justiça e Sistemas Penal e Socioeducativo (SJSPS), Mauro Hauschild, o superintendente da Susepe, José Giovani Rodrigues de Souza, a diretora administrativa da Susepe, Liciane da Mota, a coordenadora da SASS, Tânia Nery, as psicólogas da SASS Porto Alegre Denise Ritzel, Vera Biasin e Lenise Correa Tijiboy, e a psicóloga do Departamento de Políticas Penitenciárias da SJSPS, Débora Ferreira, que é ponto focal do Programa Nacional de Qualidade de Vida para Profissionais de Segurança do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Hauschild destacou que a Secretaria e a Susepe estão fazendo investimentos na valorização do servidor, por isso esse reconhecimento é tão importante. 

Gostaria de enaltecer e agradecer o trabalho da SASS, que tem total apoio nessa gestão e que vem demonstrando uma excelente atuação, especialmente desde o incêndio do prédio da Secretaria da Segurança Pública, antiga sede da Susepe, em que reforçou o atendimento aos servidores”, pontuou.

Em nome de toda a equipe da SASS, agradeço ao Ministério pelo reconhecimento e pela valorização do nosso trabalho. Temos muito orgulho de alcançar este espaço, fruto de 18 anos de atuação”, enfatizou a coordenadora Tânia.

Durante o turno da tarde, o representante do Ministério também visitou a experiência regional da SASS na 1ª Delegacia Penitenciária Regional, acompanhado do Delegado da 1ª DPR, Benhur Calderon, da coordenadora Tânia e da psicóloga da SASS da 1ª DPR, Rosemery Silva da Silveira.

Funcionamento da SASS

A SASS atua há 18 anos no sistema prisional gaúcho, com uma equipe de atendimento composta por psicólogos com escopo integral do servidor, não sendo restrito a atendimentos motivados necessariamente por questões relacionadas ao trabalho. Aspectos pessoais, familiares e relacionados à saúde mental e emocional como um todo podem ser motivos de busca à SASS, que desempenha atividades na sede em Porto Alegre e em nove Regiões Penitenciárias. A SASS está vinculada à Divisão de Recursos Humanos da Susepe e conta, atualmente, com uma equipe de 12 profissionais.

A indicação para os atendimentos pode ser feita através de várias modalidades, tais como busca espontânea do próprio servidor, abordagem da equipe da SASS nas visitas aos estabelecimentos prisionais, indicação da chefia, indicação pelos colegas de trabalho, e inclusive pelos próprios familiares.

Não adianta demolir o Central e repetir a cultura, alertam juízes

Juízes Sonáli Zluhan e Sidinei Brzuska avaliam o anúncio do governo para demolição da Cadeia Pública, antigo Presídio Central

Por Luis Gomes

Cadeia Pública, Foto: Maia Rubim/Sul21

O governo do Estado anunciou na última sexta-feira (19) a demolição definitiva da Cadeia Pública de Porto Alegre — antigo Presídio Central — como parte de um programa de investimentos no sistema penitenciário. Pelos planos do governo, a Cadeia será fechada e, no lugar, será construído um prédio novo, com 1.856 vagas. Além disso, planeja a construção da nova Penitenciária de Charqueadas, com 1.656 vagas, para absorção dos atuais detentos do antigo Central.

A demolição do Central foi prometida pela primeira vez em 1995, pelo então governador Antonio Britto (MDB), após a fuga de 45 presos da penitenciária. Posteriormente, em 2007, a governadora Yeda Crusius (PSDB) chegou a reviver a ideia, mas também não deu continuidade. Foi seu sucessor, Tarso Genro (PT), que chegou a iniciar a demolição, em 2014, mas concluiu o propósito apenas no Pavilhão C. Ao assumir o governo, José Ivo Sartori (MDB) não deu continuidade aos planos. Para tentar entender o impacto de uma eventual demolição do presídio, a reportagem conversou com a juíza Sonáli da Cruz Zluhan, titular da 1ª Vara de Execuções Criminais (VEC) do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), que atua com presos encaminhados para a Cadeia Pública, e com o seu antecessor, Sidinei Brzuska, que trabalhou na VEC por 23 anos e hoje é titular 3ª Vara Criminal de Porto Alegre.

A juíza Sonáli diz que “obviamente é favorável à desativação do Central”, por se tratar de uma penitenciária que não tem condições adequadas de cumprir o seu papel.

A gente sabe que é um presídio que já faliu como cumprimento de pena. Não tem estrutura nenhuma, chegou ao ponto de ter que desmanchar as celas, abrir as portas e deixar os presos circularem livremente, porque, senão, não conseguiria recolher tanta gente”, diz Sonáli.

A magistrada diz que não conhece o projeto de prisão que será construída no lugar da Cadeia Pública, pois não foi convidada para conversar sobre ele e tomou conhecimento apenas pela imprensa, mas ressalta que não basta apenas demolir o prédio, sendo necessário que as novas instalações a serem construídas pelo governo estejam adequadas à legislação para o cumprimento e execução de penas.

É [preciso] uma mudança de paradigma, de cultura, porque a gente sabe que o Central, da maneira como está ali, há muitos anos os presos circulam livremente, a gente não consegue entrar nas galerias. É totalmente diferente daquilo que a gente espera para o cumprimento de uma pena”, diz.

Sonáli afirma que essa mudança passar por incluir, no projeto do novo presídio, a previsão de espaços e atividades para ressocialização, o que segundo a juíza é um problema mesmo nos presídios construídos recentemente.

Claro que a situação degradante do presídio como ele está, construído 60 e tantos anos atrás, que só vai colocando pessoas ali sem melhorar a rede de esgoto, a rede elétrica, é óbvio que um cumprimento da pena é imensamente pior do que num presídio em que eles são divididos por cela e onde tu tenha uma rede de esgoto sanitário, uma rede elétrica satisfatória. Só o fato de sanar isso é bem melhor do que a maneira como eles estão cumprindo pena agora. Só que tu recolher a pessoa para ficar fechada na cela, ir para o pátio e mais nada, em termos de segurança pública, diminuição da violência e ressocialização, não dá muito efeito”, diz.

Na mesma linha, Brzuska afirma que é “evidente” que muitos problemas da Cadeia Pública são decorrência da estrutura física, que já está totalmente ultrapassada e sem condições de ser recuperada por meio reformas, sendo a destruição do prédio uma “consequência lógica”. Contudo, diz que nem todos os problemas são decorrentes do prédio. 

A mudança cultural talvez seja mais importante do que a substituição de um prédio por outro. Se você repetir tudo que acontece no Central, certamente não vai mudar nada.”

Brzuska diz que é necessário mudar a cultura na nova cadeia, mas diz ser cético quanto à capacidade do Estado de construir uma penitenciária que inclua em seu projeto questões que são necessárias para evitar a repetição dos atuais problemas.

O estado do Rio Grande do Sul, e isso não é uma coisa nova, foi perdendo os seus quadros técnicos ao longo dos anos e talvez não tenha a capacidade de projetar um presídio. Até hoje, que eu saiba, não tem um padrão de presídio. Nem de fechado, semiaberto, nem nada. O Estado acaba licitando e contratando a construção de novos presídios e quem acaba fazendo esses projetos são as empresas vencedoras desses contratos. E nem sempre esse padrão construtivo atende essas necessidades”, diz.

O juiz cita como exemplo a Penitenciária de Canoas (Pecan) que, segundo ele, apesar de ser um complexo prisional com mais vagas do que a Cadeia Pública, não incluiu em seu planejamento questões que são necessárias atualmente, como salas de audiência.

Agora, por exemplo, a gente faz audiências virtuais e é tudo no improviso”.

Ele destaca que também não há espaços culturais ou salas para a efetivação de políticas de justiça restaurativa. 

O Estado projeta normalmente cela, pátio, cela, pátio, um modelo de construção que está ultrapassado no momento atual, tecnológico e tudo mais”, diz.

Como exemplo de mudança que seria necessária e que depende de um projeto diferente do que está sendo feito no Estado, Brzuska afirma que, nos presídios atuais, visitas compartilham o pátio com presos, quando o correto seria que isso fosse evitado. Se houvesse uma separação, diz, seria possível, por exemplo, passar a revistar apenas os presos, e não mais as visitas, facilitando o processo de controle sobre itens e produtos que ingressam nos presídios.

Você pode mudar a cultura se fizer um projeto adequado à realidade local e atual do sistema. Não adianta só trocar o prédio, tem que trocar a cultura e isso, às vezes, exige mudança na planta”, afirma.

Controle por facções

Um dos problemas históricos do antigo Presídio Central é o fato de ele há décadas ter áreas controladas por facções, em que detentos de grupos rivais não podem ter acesso sob o risco de terem sua integridade física ameaçada. 

Com essas facções nas galerias, a gente tem que cuidar a movimentação dos presos até para eles não se encontrarem nos corredores de acesso para outros locais. No momento em que eles se deslocam para salas de aula, por exemplo, tem facções que não podem se encontrar, porque é problemático”, diz Sonáli.

Para Sonáli, a única forma de combater as facções é criando condições para a ressocialização real dos presos, em que alternativas apresentadas a eles sejam melhores do que permanecer como parte dos grupos criminosos.

Não tem como tu botar em uma mesma galeria duas facções distintas em nenhum lugar. Na Modulada, de Charqueadas, é assim. Na PASC, mesmo sendo um por cela, é assim. Então, não adianta, porque a realidade da facção é uma realidade do Brasil, elas se formam na rua, não dentro do presídio. Quando tu recolhe, tu tem que respeitar, porque, senão, é assinar o atestado de morte do preso. A única maneira de interromper esse ciclo é com trabalho e com estudo. A gente tem um evento lá em Arroio dos Ratos em que está sendo oferecido um trabalho realmente bom e o preso que é de facção não pode participar, tem que sair. Aí tu consegue dar alguma perspectiva de mudança. Mas, se tu não oferece nada, porque ele vai sair da facção se ela oferece coisas que o Estado não supre?”, pontua a juíza.

Brzuska também aponta que a forma de evitar que facções tomem conta de um novo presídio é garantindo que o Estado vai suprir as necessidades básicas dos presos e garantir a segurança deles, evitando assim que isso vire “moeda de troca” dentro do presídio. 

Mesmo nas estruturas novas, o Estado tem separado as galerias por facções. Isso é um indicativo de que ele não tem o controle, mesmo nos presídios novos”, diz.

O juiz afirma que algo muito importante seria pensar como controlar a entrada de produtos dentro dos presídios, mesmo se tratando de coisas lícitas no exterior, como comida. 

Já na construção do presídio, você tem que pensar essas coisas. Porque tudo que ingressa na prisão, de fora, acaba com o tempo virando moeda de troca e é a lei do mais forte. Das coisas mais básicas, por exemplo, o Estado não pode permitir que entre sabão, que entre creme dental, que entre papel higiênico, porque aí passa todo mundo a ser tratado de forma mais igual”, diz. “Onde o Estado cumpre a parte dele, facção organizada não existe. Grupo organizado sempre vai existir, mas controle de um presídio, de cidades inteiras e bairros inteiros, isso termina, porque o preso fica sem contato. Ele acaba tendo que receber as coisas diretamente do Estado e isso enfraquece a facção”, complementa.

Apesar de ser uma reconhecida referência pelo trabalho que desenvolveu no Presídio Central ao longos dos anos, Brzuska, assim como Sonáli, não foi consultado sobre os planos para a construção de um novo presídio no local. 

Seria importante que o Estado fosse menos egoísta e discutisse com a sociedade. Ouvisse desde os profissionais da saúde, para ver o que precisa, assistentes sociais, professores, pessoal da área da cultura, para fazer um presídio que atenda as necessidades e o sujeito não saia dali pior que entrou”, diz.

'Paz nas Prisões Guerra nas Ruas' é o novo livro de Renato Dornelles e Tatiana Sager

Jornalistas gaúcho assinam obra, que já está em pré-venda

Com foco na crise do sistema prisional e a sua relação com o avanço da criminalidade no Rio Grande do Sul, o livro 'Paz nas Prisões Guerra nas Ruas', dos jornalistas Renato Dornelles e Tatiana Sager, já está em pré-venda pela Falange Produções - editora criada pela dupla. O novo trabalho dos colegas, que dirigiram o premiado documentário 'Central', é uma grande reportagem, que resultou de 13 anos de trabalho. A publicação tem dados oficiais e entrevistas exclusivas com autoridades, detentos, menores infratores, ex-apenados e familiares de presidiários.

Renato é autor do livro 'Falange Gaúcha', obra lançada em 2008 que mapeou o crime organizado em solo estadual e se tornou um marco para o gênero, sendo também o pontapé para a criação do material atual. "Já naquela época, entre 2006 e 2008, eu percebia mudanças no sistema prisional e criminalidade nas ruas", afirma o autor. Tatiana, que estreia como escritora, expõe um pouco do enredo do livro. "A mulher está inserida de diferentes formas: como apenada, servidora e visitante. Em todas as formas, há questões de gênero que tornam o envolvimento peculiar e mais dramático, quando comparado ao masculino", explica.

Além dos jornalistas, outros profissionais participam da composição do livro. O cientista político Bruno Paes Manso faz a apresentação, o sociólogo Michel Misse, o prefácio, Flávio Ilha assina a edição e Weldey Fey, a revisão. A capa e as ilustrações são de Gilmar Fraga, com o projeto gráfico produzido por Paola Rodrigues. O livro conta ainda com uma seção de fotos captadas dentro das celas do Presídio Central de Porto Alegre pelo juiz Sidinei Brzuska. 

A obra será lançada em 10 de dezembro, em alusão ao Dia Internacional dos Direitos Humanos com local e horário a definir. Encomendas já podem ser feitas pelo link.