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quarta-feira, 10 de julho de 2019

Projeto de lei que obriga preso a pagar pela própria prisão é inviável, apontam especialistas


"É uma proposta descolada da realidade que só tem o intuito de fazer um marola com o populismo penal", diz ex-diretor do Depen

ASSOCIATED PRESS
Prestes a ser votado no Senado, o projeto de lei que obriga o preso a pagar pelo custo da própria prisão é inviável e descolado da realidade do sistema prisional, na avaliação de especialistas. Além de ineficaz para custear os estabelecimentos devido à situação financeira dos presos e à escassez de trabalho, a medida pode sobrecarregar as varas de execução fiscal.

O substitutivo da senadora Soraya Thronicke (PSL-MS) à proposta do ex-senador Waldemir Moka (MDB-MS) altera a Lei de Execução Penal (LEP) para estabelecer a obrigação desse custeamento. Se o detento não possuir recurso próprios, poderá ser descontado até ¼ da remuneração recebida com trabalho dentro da prisão, caso exista.

Se ficar comprovada que a pessoa não tem condições financeiras, a dívida é suspensa por 5 anos, na expectativa de mudança da situação econômica do devedor. No caso de presos provisórios, os valores serão depositados judicialmente e devolvidos, no caso de absolvição.

A proposta esbarra em uma série de barreiras da realidade do cárcere. Dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) de 2016 mostram que 75% dos encarcerados têm até o Ensino Fundamental completo, um indicador de baixa renda. ”Nosso sistema penal é altamente seletivo. O perfil socioeconômico dos presos é de classe baixa e sem patrimônio. A esmagadora maioria das pessoas privadas de liberdade seria insolvente”, afirmou à reportagem Renato de Vitto, ex-diretor do Depen.

Somada à insuficiência financeira, está a precariedade do trabalho dentro do sistema prisional. Segundo dados do Depen de 2016, dos mais de 726 mil presos, apenas 95.919 pessoas trabalhavam, sendo 87% dentro dos presídios, em atividades de limpeza ou gestão. 

Levantamento de 2014 do Depen, por sua vez, mostra que apenas 22% das unidades prisionais brasileiras dispõem de oficinas para atividades laborais.

Do grupo que trabalha, 75% não era remunerado ou recebia menos do que o mínimo legal, de ¾ do salário mínimo. No Distrito Federal, todos os presos trabalhavam sem receber por isso. Apesar de ser uma violação de direitos, alguns detentos se submetem a essa condição porque a cada 3 dias de trabalho é reduzido um dia da pena.

Por esses motivos, ainda que seja aprovado, o projeto de lei não deve ser efetivo para custear o sistema no terceiro país que mais encarcera. ”É uma proposta descolada da realidade que têm só o intuito de fazer um marola com o populismo penal para [parlamentar] dizer que estão sendo duros no tratamento das pessoas que cometem tudo. A efetividade como ação de financiamento do sistema prisional é absolutamente zero”, afirmou Renato de Vitto.

De acordo com o ex-diretor do Depen, a medida resultará em um trabalho adicional às procuradorias para inscrever os presos na dívida ativa e entrar com ações de execução fiscal contra pessoas que não têm patrimônio. 

Há ainda outras inconsistências na proposta. Indiretamente, condenados já ajudam a custear o sistema penitenciário. Isso porque uma das fontes de receita do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) são recursos confiscados ou vindos da alienação de bens perdidos em favor da União Federal e multas de sentenças penais condenatórias com trânsito em julgado (quando não cabe mais recurso).

Além disso, a Lei de Execução Penal já prevê que o preso pague “indenização ao Estado, quando possível, das despesas realizadas com a sua manutenção, mediante desconto proporcional da remuneração do trabalho”.

Presos provisórios

Sendo dado mais recentes do Depen, 40% dos presos são provisórios, ou seja, não tiveram seu julgamento concluído. Estudo em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de 2014 mostra que, nesse grupo, 37% não foram condenados a cumprir pena atrás das grades. Apesar de terem ficado presos provisoriamente, a pena final foi restritiva de direitos, medida alternativa ou casos de absolvição ou de prescrição.

Presídios não sabem quanto custa um preso

Outro entrave para o preso pagar o custo da própria prisão é a má gestão do sistema prisional. Auditoria coordenada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) de 2017 constatou que 59% de 17 estados fiscalizados não calcularam o custo mensal do preso nos 3 anos anteriores.

É um grande nó. O cálculo do custo é muito complexo. Você não pode pegar o número de presos e dividir pelo orçamento. Tem que fazer o cálculo de quantos entram, quantos saem e por quanto tempo ficam. É uma equação complicadíssimo. É um problema de gestão é crônico no sistema prisional”, disse Renato de Vitto.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) usa como referência o artigo Questão federativa, sistema penitenciário e intervenção federal, escrito pelo ex-diretor do Depen, junto com o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, o ex-secretário nacional de Justiça da pasta Beto Ferreira Martins Vasconcelos e o ex-secretário-executivo do ministério Marivaldo de Castro Pereira.

De acordo com o levantamento, em 2017, o gasto médio por pessoa privada de liberdade foi de de R$ 1.849,61 por mês. O número é uma relação da dotação orçamentária para a política penitenciária e o número de presos em cada estado.

A pesquisa destaca que o custo do encarceramento deveria considerar também o financiamento “do próprio aparato das forças de segurança pública, do sistema de justiça, além do impacto decorrente da renda não gerada pelos indivíduos economicamente ativos privados de liberdade e alijados de possibilidade de exercerem atividade produtiva”.

Ainda que fosse possível calcular o custo individual de cada preso, o caos nas prisões evidencia o subfinanciamento do sistema. “O valor destinado à manutenção desse preso evidentemente não entrega o que custou ou o que o Estado se propõe, dadas as mazelas do sistema, a absoluta falta de higiene, alimentação, epidemia de doenças primárias, doenças como sarna, tuberculose. É um caos. Isso já mostra o quanto esse valor não chega na ponta para execução dos serviços”, afirma o vice-presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Hugo Leonardo.

Ex-conselheiro de política criminal e penitenciária, o criminalista compara a medida à escravidão. “Uma pessoa que faz isso não tem muita preocupação ou vergonha em relação ao período da escravatura. Se você priva o sujeito de liberdade, não oferece sequer condições de custear sua defesa, não tem o mínimo de um julgamento justo porque o Estado massacra o indivíduo e agora quer cobrar do preso, que é um corpo moído, o custo dessa prisão, o custo da sua própria tortura?”, questiona.

Diante do perfil da população carcerária, majoritariamente negra, pobre e com baixa escolaridade, o criminalista classificou o projeto de lei como “cereja do bolo da criminalização da pobreza”. “Mercantilizar a estadia do preso no cárcere é uma piada pronta”, criticou.

Hugo Leonardo destacou ainda que há presos que enfrentam dificuldades na reabilitação porque não conseguem pagar penas de multa. “Isso já um grande gargalo nas varas de execução criminal em todo o País. O sujeito continua sendo reincidente mesmo tendo cumprido sua pena”, disse.

Por que muitos presos não trabalham?


As falhas na gestão do sistema prisional são apontadas pelo especialista do IDDD como principal entrave para ampliar a oferta de trabalho no cárcere. “Há um problema nos estabelecimentos na regulação desse trabalho, como essas empresas entram, que tipo de remuneração elas dão aos presos, como esse dinheiro é disponibilizado. Isso tudo é muito malfeito. A gente não tem regras claras, uniformes. Você disponibiliza trabalho para determinado grupo de pessoas e não para outros. O valor pago pelas empresas é absolutamente irrisório. Existe uma série de problemas que antecedem essa discussão e não foram resolvidos”, afirmou.

Na avaliação de Renato de Vitto, falta vontade política para ampliar as atividades laborais. “Se isso se tornasse uma prioridade política, iria buscar, na linha da responsabilidade social e do empresariado, parcerias e destinação de postos do serviço público e dos contratos públicos”, afirmou.

Há linhas gerais sobre as regras para essas parcerias, como as diretrizes da Política Nacional de Trabalho do Preso, mas cabe às secretarias de administração penitenciária estaduais colocá-las em prática. O ideal é que a atividade sirva como capacitação e possa eventualmente ser uma oportunidade de um futuro emprego. “Quando isso acontece a gente está evitando reincidência. A gente está recuperando uma pessoa que sempre é maior do que o erro dela. Esse projeto [de lei] vai contra toda essa ideia”, destaca o ex-diretor do Depen.

O que diz o Ministério da Justiça


Em resposta à reportagem, o Depen afirmou que “tem trabalhado para incentivar os estados e o Distrito Federal a ampliar a oferta de trabalho aos presos”. O departamento subordinado ao ministro da Justiça, Sérgio Moro, cita como exemplo nota técnica publicada em 17 de junho com objetivo de fomentar “o modelo de fundo rotativo para o sistema penitenciário, como ferramenta estratégica para o incremento das possibilidades de geração de vagas de trabalho nos sistemas prisionais estaduais”.

Apesar desse posicionamento, o projeto de lei anticrime enviado à Câmara pelo ministro restringe o trabalho dos presos. No caso de crimes hediondos, a proposta veda saídas da prisão para atividades laborais.

Jair Bolsonaro: “Preso tem que ser obrigado a trabalhar”

Presidente se mostrou favorável a um projeto que altera a Lei de Execução Penal

Na manhã desta terça-feira (2), o presidente Jair Bolsonaro mostrou ser favorável ao projeto de lei que obriga o preso a ressarcir o Estado por sua permanência na cadeia. Segundo ele, todos os presidiários deveriam trabalhar.
"[O projeto é] Bem-vindo. Se puder pagar. Qual o problema da nossa Constituição? Acho que no artigo 5º diz que não haverá trabalho forçado. Acho que o preso tem que ser obrigado a trabalhar. Sei que muitos trabalham por livre e espontânea vontade" – declarou Bolsonaro.
A proposta, que deve ser analisada pelo Senado em breve, altera trechos da Lei de Execução Penal e determina que o presidiário use recursos próprios ou parte da remuneração de seu trabalho durante o cumprimento pena para reembolsar os cofres públicos.

terça-feira, 9 de julho de 2019

"Sergio Moro é um canalha. Um dia as pessoas vão ver" , afirma Ciro Gomes


Em série de entrevistas com ex-candidatos à Presidência, político faz duras críticas ao titular da pasta da Justiça e Segurança ao avaliar o primeiro semestre do governo Bolsonaro
Ex-governador do Ceará afirma que será candidato ao Planalto em 2022
Ao avaliar os seis primeiros meses do governo de Jair Bolsonaro, Ciro Gomes usa a franqueza característica para atacar o presidente, militares e ministros. Os alvos principais são Sergio Moro (Justiça) e Paulo Guedes (Economia). Também critica o PT. A três anos da próxima eleição, Ciro, na segunda entrevista da série de conversas com candidatos ao Planalto em 2018, diz que irá concorrer outra vez à Presidência. Ano passado, ficou em terceiro, com 13,3 milhões de eleitores ou 12,47% dos votos válidos. 

Qual é a sua análise dos seis primeiros meses do governo  do presidente Bolsonaro?  

Seis meses é pouco para estabelecer sentença definitiva sobre o governo. Tanto mais, a herança que recebeu é macabra. O desmonte do Brasil começa com Dilma (Rousseff) e se aprofunda com (Michel) Temer. Agora, já é possível afirmar que Bolsonaro, eleito com 57 milhões de votos, teria força para fazer qualquer coisa. Mas dissipou isso por despreparo, por lhe faltar projetos e por cair na mão de um governo heterogêneo. O primeiro grupo fica ao redor do Paulo Guedes e impõe a Bolsonaro um diagnóstico estrutural completamente equivocado. O segundo são os militares que, para minha vergonha e constrangimento, estão violentando questões nacionais, como a negociata da Embraer, o acordo entre Mercosul e União Europeia e o esquartejamento da Petrobras. Não tenho nada contra privatização, falo de descuido estratégico que vai comprometer. O terceiro grupo é o da “praça da alegria”, e os mais lesivos desses doidos são os ministros da Educação e das Relações Exteriores.

O Congresso deve aprovar as reformas da Previdência e a tributária?

Vai votar (a da Previdência). Não a que o governo propôs. Na comissão, a aprovação foi por maioria simples. Daqui para frente, tudo muda em favor da crítica. A Constituição determina o quórum qualificado de 308 votos, então é muito provável que outras aberrações da reforma sejam corrigidas. Acho improvável a tributária.

O governo apresenta dificuldades, mas o Congresso está funcionando. Quais seriam as razões?

O poder real não está na Presidência, mas no setor financeiro. O que o setor quiser, tem mais potencial de passar no Congresso. Pouco importam as habilidades, grossuras e incapacidades do governo. Paulo Guedes é um enclave do setor financeiro nas instituições brasileiras. A reforma tributária que poderia fazer alguma coisa pelo Brasil aponta para cima, para os ricos, com tributos sobre heranças mais progressivos e sobre lucros e dividendos. Aí o baronato não quer, então não vai aprovar.

Na eleição, não ficou claro que Paulo Guedes representava o pensamento liberal?  

Não, ninguém sabe quem é o Guedes. O que foi eleito foi o antipetismo, mais claro de ser entendido. Essa é a grande fragilidade do Bolsonaro. Ele está fidelizando um núcleo duro, que são obscurantistas, xenófobos, misóginos, um movimento internacional que se replica no Brasil.

O senhor identifica a polarização política no país?

Ela está aí, fortíssima. Nosso esforço é trocar o ambiente da discussão. Por exemplo, acharam 39 quilos de cocaína no avião da FAB. No dia seguinte, o PT e essa máquina de propaganda responsabilizam o Bolsonaro. Aí, a turma do presidente passa a dizer que o cara já andava em avião com a  Dilma (Rousseff). Não é essa a questão. Bolsonaro não pode ser imediatamente responsabilizado. Do outro lado, dizer que o camarada já andava em avião no tempo da Dilma, além de ser mentira, o que é que tem a ver? A responsabilidade lá na frente é achar um caminho para um ambiente que quebre esse pêndulo.

O senhor defende uma frente progressista para o país?  

Isso não é útil para o Brasil, porque tudo o que se falou de frente, da redemocratização para cá, significa hegemonia de populistas, de personalistas, do PT. Se fosse ao redor de um projeto, tudo bem, mas qual projeto? Não tem. É um projeto de poder pelo poder, de concessões das mais variadas por uma pseudoética de que, pela revolução, pode fazer qualquer merda. Daí, a turma do PT relativiza tudo, como se Palocci não fosse réu confesso, como se fosse um pecadilho colocar (Michel) Temer na linha de sucessão ou depois, do impeachment, que chamamos de golpe, se associar ao presidente do Senado (à época, Renan Calheiros), que praticou o golpe, nas eleições de 2018. Como se fosse normal colocar como coordenador da campanha do (Fernando) Haddad o ex-presidente da Petrobras Sergio Gabrieli. Como assim? Não aprenderam nada?

No Congresso, fala-se que está difícil de fazer oposição. O senhor concorda?

Nós, do PDT, estamos nadando de braçada, porque escolhemos o caminho correto. Assumimos que fomos derrotados. Não quisemos transformar a luta no Congresso em terceiro turno da eleição. Compreendemos nosso papel, que era atrair Bolsonaro para o jogo democrático. Ele está cumprindo rigorosamente os prazos de tramitação pactuados conosco da reforma da Previdência. Por exemplo, caiu a capitalização, estamos no bastidor disso. Estamos atenuando danos.

O senhor afirma que será candidato em 2022?

O partido está dizendo que sim. Topo e vou com entusiasmo, para quebrar ou ser quebrado. Mas gostaria de ficar quieto.

 Como o senhor vê esse movimento em torno do ministro Sergio Moro?

Você pergunta a qualquer brasileiro: como um juiz deve se comportar numa partida de futebol? Deve visitar o vestiário de um time e mandar um jogador se jogar para marcar um pênalti? A resposta é que destrói o futebol. Mas aí inventaram isso de herói, que não existe. Para mim, Moro é um politiqueiro de quinta categoria. Sempre foi. Lula não é inocente. Agora, o processo do triplex, juridicamente, é fraco. Com esse conjunto de suspeição, o processo é nulo. Não é que Lula fique absolvido. Volta à estaca zero. A denúncia é fraca e a sentença é pior.

Mas Sergio Moro é considerado um herói por boa parte da opinião pública. 

Moro é um herói com pé de barro, em processo de desmoronamento. Ele condena um político, depois sai da magistratura para ser ministro do político que ganhou a eleição, porque o outro não participou. Isso faz do Brasil uma República de bananas. Sergio Moro é um canalha, não é nada mais, nada menos do que isso. E um dia as pessoas vão ver.

Quando acabou a eleição muita gente temia que a democracia estaria em risco. E agora?  

Nunca temi. Terrorismo mentiroso do PT. Risco à democracia zero.

E os ataques ao Supremo Tribunal Federal?

São ataques do populacho. O que está errado é o comportamento de certas figuras do Supremo. O ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo, não pode tomar café da manhã com os poderes políticos e assinar um pacto, porque esse pacto poderá ser contestado na esfera final do Estado de direito democrático, que é o Supremo.

O senhor se arrepende de algo na eleição passada? 

Não. Estava numa encruzilhada, já percebia que o antipetismo era muito forte, mas não tinha percebido que era a força dominante. Normalmente, as pessoas votam pelo positivo. O cara que esculhamba não é quem ganha normalmente. Desta vez, o povo votou para negar. Me surpreendeu. Esse babaca desse (Augusto) Heleno, que pensei que seria uma figura diferente, é um merda também. Imagina um quilo de cocaína no avião do presidente e não cai nem o chefe do (Gabinete de Segurança Institucional) GSI? No meu governo, o ministro estaria demitido na hora.

segunda-feira, 8 de julho de 2019

Há 25 anos, um motim com reféns parou Porto Alegre

ÚLTIMA REBELIÃO foi em 7 de julho de 1994, no Presídio Central. Episódio teve seu desfecho dois dias depois, no Hotel Plaza São Rafael, em área central da Capital

Era 8 de julho de 1994, o Brasil vivia a expectativa do jogo com a Holanda, pelas quartas de final da Copa do Mundo dos Estados Unidos, que seria realizado no dia seguinte. Poderia ser a vingança da derrota sofrida pela Seleção para a Laranja Mecânica, 20 anos antes, no Mundial da Alemanha. Na área monetária, o real, até hoje a moeda oficial brasileira, chegava ao seu oitavo dia de circulação, como a grande esperança de estabilização da economia do país. Na política, as eleições à Presidência e ao governo do Estado, que seriam realizadas três meses depois, dominavam o noticiário.

Alheios aos cenários esportivo, econômico e político, 10 dos mais perigosos criminosos do Estado, integrantes da Falange Gaúcha (primeira facção do RS) davam sequência a um motim iniciado na véspera, no Hospital Penitenciário, em prédio anexo ao Presídio Central. Tinham em seu poder, sob ameaça de armas, 24 reféns. Dois dos amotinados, por exigência dos demais, haviam sido buscados na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) e levados para lá durante a rebelião: Dilonei Francisco Melara, então maior líder dentro do sistema penitenciário, e Celestino Linn, considerado seu "braço direito".

À noite, o clima de tensão foi transferido às ruas da Capital. Após 24 horas de negociação, os 10 presos foram liberados a deixar a prisão em três automóveis Gol, com nove reféns. Uma perseguição policial, que contrariou tratativas, resultou em tiroteios, acidentes e na morte de quatro criminosos e um policial civil.

Melara liderava grupo que trocou de carros na fuga e promoveu rebelião

O auge da ofensiva criminosa foi a invasão do Plaza São Rafael, então principal hotel da cidade, por um táxi no qual estavam Melara, Linn e Fernando Rodolfo Dias, o Fernandinho, com três reféns - os outros seis reféns e os sete criminosos escaparam para outros locais da Capital. O veículo - que foi o quarto a ser ocupado por Melara e comparsas após sucessivas trocas na fuga -, acabou derrubando a porta de vidro do estabelecimento e ficou estacionado no saguão. A cena provocou pânico e correria entre psiquiatras que participavam de um congresso no local.

Ferido com impacto da colisão, Linn acabou dominado por policiais e, com isso, um dos reféns foi liberado. As outras duas foram mantidas por Melara e Fernandinho, que ainda dominaram uma funcionária do estabelecimento e a obrigaram a seguir com eles até uma sala na qual se refugiaram. Foram necessárias mais 15 horas de tensas negociações até que a dupla decidisse se entregar.

Passaram-se 25 anos do maior motim já ocorrido na história do sistema penitenciário e, desde então, não ocorreram mais, em prisões gaúchas, rebeliões com tomada de reféns. Curiosamente, foram criadas novas facções, que atingiram nível de organização superior ao da extinta Falange Gaúcha. Para explicar essa aparente contradição, a reportagem ouviu representantes do Judiciário, do Ministério Público, um pesquisador, um oficial da Brigada Militar (corporação que desde 1995 administra as duas maiores prisões do Estado) e um apenado, apontado como líder de um grupo criminoso.

Novas relações e lucro

"Logo após esse motim, a Brigada assumiu o controle das principais casas prisionais, o que acabou por modificar substancialmente as relações entre massa carcerária e administração. Na sequência, surge um personagem: o preso que consegue ler o sistema, compreendendo que as cadeias poderiam ser local para ganho de dinheiro, de modo que atos violentos prejudicariam o mercado então descoberto. Essa nova "visão" perdura até hoje. Para finalizar, temos o tráfico, que passa a ser atividade rentável, comandada das prisões."
Sidinei Brzuska
Juiz da 2ª Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre
Atua desde 1º de outubro de 2008 em VECs da Capital e fiscaliza prisões da Região Metropolitana

Efetivo maior e "negociação"

"Há dois elementos importantes. Nos maiores presídios, foi suprida a carência de pessoal. No Central, houve época em que cinco agentes eram responsáveis por 2 mil presos. Com a ocupação das principais prisões pela Brigada, esse problema foi resolvido, pois o efetivo é maior e há mais segurança interna. O segundo e mais importante fator é que a superlotação foi fortalecendo as facções, que foram percebendo que tinham mais a ganhar tendo boa relação com a BM. Houve negociação informal pela qual as facções receberam maior autonomia nas galerias, não se rebelando, ao mesmo tempo em que perceberam que os presídios poderiam ser lucrativa fonte de renda."
Marcos Rolim
Sociólogo
Participou das negociações do motim como deputado e presidente da Comissão de Direitos da Assembleia 

Outra cultura e antecipação

"Entrei no circuito do sistema no início de 1998. Ia a 23 presídios e estabeleci o seguinte procedimento: ouvia determinado número de presos em cada galeria e percebia que havia problemas de incompatibilidades, doenças e mortes. Fomos estabelecendo uma cultura: ?Não se pode resolver os problemas com as próprias mãos?. As famílias começaram a procurar a Promotoria e a fazer relatos. Então, conseguimos nos antecipar e evitar motins conversando com presos para resolver problemas, antes que acontecessem."
Gilmar Bortolotto
Procurador de Justiça
Integrante da força-tarefa do MP nas prisões

Uso de tecnologia

"O motim fez com que medidas de segurança fossem priorizadas. Não que antes não houvesse, mas se dobrou a segurança, e os riscos passaram a ser minimizados. Numa casa prisional, há risco permanente, pela natureza do trabalho. Mas são adotadas medidas para minimizá-lo. Principalmente com o uso de tecnologia. Por exemplo: foram ampliadas as revistas, inclusive com o uso de escaner, o sistema de câmeras foi ampliado e foram restringidos acessos a determinadas áreas da cadeia."
Carlos Magno Vieira
Tenente-coronel
Atual diretor do Presídio Central

Mais diálogo e colegiado

"Em 1995, entrei no presídio. Era diferente.Tinha muito tumulto com a Brigada, não tinha acerto como a gente tem hoje. Hoje, tem diálogo tranquilo com a Brigada, consegue manter relação com presos. Aí, não tem mais aquela coisa de morte na cadeia, tortura. Antes, tinha uma pessoa (preso) que dava as cartas, mandava. Hoje, são várias: bota um assunto em mesa e vê a melhor forma de resolver. A última hipótese é a morte."
Líder de facção no Vale do Sinos
Concedeu entrevista sobre a relação entre detentos e a guarda no Presídio Central


RENATO DORNELLES

Piratini quer parcerias que vão de prisões a aeroportos

Estudo indica potencial para concessões, PPPs e termos de cooperação com a iniciativa privada como forma de driblar a baixa capacidade de investimento do governo do RS
Para driblar a crise financeira e a baixa capacidade de investimentos do Estado, o governador Eduardo Leite prepara uma lista de concessões, parcerias público-privadas (PPPs) e termos de cooperação para os próximos anos. A carteira de negócios está sendo elaborada a partir de um novo estudo da consultoria KPMG, contratada na administração passada, que inclui desde hidrovias e presídios até aeroportos regionais e parques estaduais (veja quadro abaixo).
O trabalho, segundo o secretário extraordinário de Parcerias, Bruno Vanuzzi, foi concluído em junho. Agora, cabe ao Conselho Gestor de Concessões e PPPs, composto por Leite e pelo secretariado, decidir quais itens serão selecionados. Isso deve ocorrer até o fim deste mês.
"A KPMG apresenta sugestões que vão ao encontro das potencialidades que o próprio governo já havia identificado. Agora estamos na fase da definição. A ideia é que essa carteira seja dinâmica e que o conselho se reúna pelo menos uma vez a cada dois meses para avaliar o andamento das propostas" - diz Vanuzzi.
O catálogo integrará o RS Parcerias, lançado em março. Na ocasião, Leite divulgou os primeiros quatro projetos do programa, remanescentes da gestão de José Ivo Sartori (MDB): as concessões da RS-287 e da RS-324, da estação rodoviária de Porto Alegre e do Parque Zoológico de Sapucaia do Sul, que também partiram de estudos técnicos da KPMG. No caso do zoo, o edital acabou suspenso por necessitar de ajustes. Para o governo, isso não desabona o trabalho da consultoria.
Benefício à sociedade e interesse do mercado
Além de dar continuidade às ações que já estavam em andamento desde a administração passada, Leite pediu à KPMG que avaliasse e apontasse outras oportunidades de parcerias. Trata-se da última tarefa prevista no contrato.
Para isso, em maio, os técnicos da empresa ouviram integrantes do governo, listaram propostas e pontuaram a viabilidade de cada uma, levando em conta critérios como benefício à sociedade e interesse do mercado. A economia decorrente das operações não foi estimada, mas, conforme Vanuzzi, o objetivo é alocar de forma mais eficiente os recursos do Estado, "com o maior impacto social e econômico possível".
Entre os projetos listados, há itens que vão além daqueles que Leite já havia sinalizado, como as PPPs em penitenciárias e a concessão de estradas hoje administradas pela Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR), que tende a ser extinta. As novidades incluem, por exemplo, possíveis PPPs envolvendo o setor hidroviário e o Tudo Fácil, central de atendimento que reúne serviços do Estado.
Também estão na pauta a potencial concessão dos parques do Caracol, na Serra, e da Guarita, em Torres, além do aeroporto de Passo Fundo, entre outros itens. Por enquanto, não há detalhamento das propostas, o que ficará para uma segunda etapa. Na maioria dos casos, a formatação das operações deverá ficar a cargo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com o qual Leite firmou acordo no fim de maio.
JULIANA BUBLITZ/ZH

domingo, 7 de julho de 2019

Messi não recebe medalha e fala em "corrupção" na Copa América: "Armada para o Brasil"


Craque argentino se revoltou após ser expulso da partida contra o Chile
Messi foi expulso pelo árbitro Mário Vivar no primeiro tempo
Expulso no primeiro tempo do jogo contra o Chile, Messi se recusou a participar da premiação de terceiro lugar na Copa América. O craque argentino disse que não queria fazer parte da "corrupção" de um torneio que, segundo ele, está "armado para o Brasil". 

Ao ser perguntado sobre os motivos de não ter recebido a medalha de bronze, o argentino reclamou da arbitragem:
"Foi por tudo um pouco. Não temos que ser parte desta corrupção, da falta de respeito que aconteceu durante toda a Copa. Fizemos contra o Brasil e hoje (sábado) os dois melhores jogos no campeonato, mostramos evolução. Repito: a corrupção, os árbitros não deixam que a gente desfrute tudo."
Contra o Chile, o atacante foi expulso após um desentendimento com o volante Gary Medel.  Já na segunda etapa, aos 15 minutos, Aránguiz sofreu pênalti que foi confirmado apenas pela revisão do VAR e resultou no primeiro gol da equipe chilena, marcado por Vidal. 
Na partida contra o Brasil, pelas semifinais, a reclamação da seleção argentina se refere a um encontrão dado por Arthur em Otamendi dentro da área brasileira. A outra reclamação está na origem do segundo gol do Brasil. Seria um pênalti no choque de Daniel Alves com Agüero dentro da área antes da roubada de bola para o contra-ataque. Em nenhum dos lances, o VAR solicitou a revisão do juiz principal.  
"Não há dúvidas de que lamentavelmente está tudo armado para o Brasil. Tomara que o VAR e o árbitro não influenciem na final e que o Peru possa competir, pois tem um bom time, mas será difícil" — acrescentou Messi, em entrevista após o jogo contra o Chile.
*com Lancepress

quinta-feira, 4 de julho de 2019

Depen prevê criação de mais de 20 mil vagas no sistema penitenciário em 2019


Estão disponíveis para consulta informações sobre andamento da construção, ampliação e reforma nas unidades prisionais

O Departamento Penitenciário Nacional (Depen) estima que, em 2019, serão criadas 22.616 vagas no sistema penitenciário do país, utilizando-se recursos federais e estaduais. São 45 obras em execução nas unidades prisionais dos estados. Foram disponibilizados cerca de R$ 1,1 bilhões do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) para construção, ampliação, aprimoramento e reforma das instalações.

A partir desta quarta-feira (3), o Departamento Penitenciário Nacional coloca para consulta informações sobre o andamento das obras no site do Depen. O acompanhamento das obras realizadas com recursos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) e Contrato de Repasse podem ser acessados clicando aqui.

A ação faz parte do compromisso com a transparência e com a eficiência na gestão dos recursos públicos. A área de engenharia do Depen, criada na atual gestão, é responsável por apoiar os estados e fiscalizar a execução das obras. Em atuação desde janeiro, é constituída por uma coordenação e cinco divisões que correspondem a cada região do país. A medida provisória 885/2019, assinada pelo Presidente da República, Jair Bolsonaro, em junho, também prevê a contratação de mais corpo técnico para atuar nesse setor.

O Depen solicitou que cada Secretário de Estado da Justiça, Cidadania, Direitos Humanos e Administração Penitenciária disponibilizasse de até 5 profissionais de forma a constituir o corpo técnico das divisões regionais. As divisões contam com o apoio de profissionais de engenharia e arquitetura do Departamento. 

As equipes da engenharia estão fazendo visitas técnicas desde o início deste ano para assistir as unidades federativas na construção e reforma dos estabelecimentos penais. Todos os estados brasileiros serão visitados até o mês de setembro.

Criação de vagas no primeiro trimestre

No primeiro trimestre de 2019 foram abertas 2.841 novas vagas no sistema prisional dos estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul, Pará e Santa Catarina. Os investimentos ultrapassam os R$ 172 milhões de reais. Desse total, mais de R$ 70 milhões são de recursos repassados pelo governo federal aos estados via Fundo Penitenciário Nacional (Funpen).

Com informações do Ministério da Justiça e Segurança Pública. 

terça-feira, 2 de julho de 2019

O assunto que dominou a conversa entre Sergio Moro e Eduardo Leite


Governador gaúcho aproveitou a vinda do ministro da Justiça a Porto Alegre para tratar de um grave problema que o Estado teta enfrentar
Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, esteve em Porto Alegre
Um assunto foi predominante na conversa entre o governador Eduardo Leite e o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, na passagem do ex-juiz federal por Porto Alegre: presídios. A busca por uma solução para o caos prisional ganhou ainda mais força após um agravamento de uma cena que se repete há anos: presos sendo custodiados em viaturas em frente ao Palácio da Polícia, na Capital, já que não há vagas em presídios. Além disso, no caso dos policiais mortos na noite de quarta-feira em confronto com criminosos, um dos autores dos disparos deveria ter sido preso em regime semiaberto, porém por falta de vagas não permaneceu detido e ganhou recomendação para tornozeleira eletrônica.

Na manhã desta sexta-feira (28), o governador contou à coluna detalhes sobre o encontro com Moro. Ele se dirigia ao velório de Marcelo de Fraga Feijó, 30 anos, em Viamão, enquanto conversamos. Conforme o relato, foi um encontro rápido e objetivo, em função do tempo escasso antes da cerimônia de posse do novo presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4).
"Foi uma boa reunião. Acredito que existe uma boa convergência de pensamentos nesse tema e as possibilidades de avanço são grandes" — destacou o governador.
Além de Leite, estavam presentes o vice-governador e secretário da Segurança Pública, Ranolfo Vieira Junior, e o secretário de Administração Penitenciária, Cesar Faccioli. Cabe a Faccioli a missão de liderar um planejamento com ações de curto, médio e longo prazo para melhorar o sistema penitenciário gaúcho. Na conversa, os gaúchos propuseram a adoção de medidas em parceria com a União para enfrentar o déficit prisional, que supera 13 mil vagas. Eles pediram que o governo possa considerar o Rio Grande do Sul como um dos Estados prioritários neste tema.
Para avançar neste ponto, já está programada uma nova reunião entre agentes gaúchos e a equipe do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), vinculado ao Ministério da Justiça.

Governo garante que penitenciária receberá presos imediatamente após conclusão da obra


A expectativa é que a prisão, que está 63% concluída, esteja pronta em outubro
Secretário da AP, César Faccioli, visitou obra na sexta-feira
O secretário da Administração Penitenciária , César Faccioli, se diz satisfeito com o andamento da obra da Penitenciária Estadual de Sapucaia do Sul. O titular da pasta, que visitou a construção na sexta-feira (28), pontua como o mais importante passo para desafogar "o gargalo de presos que é a Região Metropolitana". 

Segundo o secretário, assim que houver a entrega da prisão por parte da empresa responsável pela construção, a Verdi Sistemas Construtivos, já haverá funcionários da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) prontos para receber os presos, o que deve ocorrer ainda em outubro. 
"É importante que se diga que todo esse planejamento de pessoal já está acontecendo. Não vamos esperar a inauguração para começar esse trabalho. A nossa ideia é que, no momento em que ela esteja provida de todos os mantimentos, comece a operação quase imediata" — explica o secretário. 
Faccioli informou que entregou a Eduardo Leite (PSDB) um projeto com todos os investimentos necessários em médio e longo prazo para resolver a questão do sistema prisional. No documento, constam, além de construção de novas prisões, projetos para ampliação das já existentes. 
"Estamos agora definindo a modelagem: se será permuta de imóveis ou parceria público-privada. Provavelmente, teremos os dois modelos. Apresentamos o planejamento para o governador e agora passa pelo filtro, que é o cofre" — declarou. 
No estudo, constam todos os terrenos e imóveis que poderiam ser permutados pelo governo e que poderiam interessar a construtoras. O secretário ainda pontuou que o Estado está alugando imóveis para adaptá-los e transformá-los em centro de triagem de presos. A intenção é retirar os detentos que aguardam por vagas em viaturas e delegacias de polícia
A Penitenciária  Estadual de Sapucaia do Sul, com capacidade para 600 presos do regime fechado, está 63% concluída. A previsão é que seja entregue em outubro.