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terça-feira, 26 de novembro de 2024

Sistema penitenciário é um caldeirão e exige atenção redobrada

Não é de hoje que juízes, promotores, defensores e policiais penais alertam para o clima nos presídios

Tendas foram montadas no lado de fora da Pecan,
onde roteadores wi-fi clandestinos são instalados.
Ronaldo Bernardi / Agencia RBS

execução de um líder de facção na Penitenciária de Canoas, um presídio construído para ser modelo de ressocialização, é o ápice de um processo que há muito preocupa juízes, promotores, defensores públicos e policiais penais. 

A saída da Brigada Militar da segurança externa dos presídios, demanda de muitos anos, não veio acompanhada da substituição pelo mesmo número de policiais penais, como queriam os funcionários da Susepe. Mas esse é apenas um dos problemas na gestão do sistema carcerário.  

Se é verdade que o governo de Eduardo Leite cumpriu o que vários dos seus antecessores prometeram e pôs abaixo o velho Presídio Central, substituído por uma cadeia pública destinada a presos transitórios, também é verdade que os perigosos líderes de facções foram espalhados por outras penitenciárias.  

A Pecan não deveria estar recebendo líderes de facções. Recebeu porque é a única que tem bloqueadores de celular, mas os telefones funcionam graças a roteadores e modens instalados nas proximidades. Tem bloqueadores de celular, mas está longe de ser um presídio de segurança máxima, como se exige para presos de alta periculosidade. Inexplicavelmente, a Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) tem pronto um módulo que poderia ser usado para presos de regime disciplinar diferenciado e ainda não foi ocupado.

Operadores do Direito e policiais penais alertam que há presos morrendo de calor na Penitenciária Estadual de Charqueadas (PEC 1 e 2), e a direção da Susepe ignora os alertas de que essas condições aumentam o risco de uma rebelião. Denunciam falta de medicamentos e são ignorados. 

É verdade que a sociedade tem uma ideia equivocada sobre presídios, e qualquer melhoria nas instalações é criticada por uma parcela da população que defende o tratamento desumano aos presos, na ideia de que não basta a pena de privação da liberdade, o preso tem de ser humilhado. O senso comum esquece que um dia esse preso será libertado e, se não houver ressocialização, cometerá outros crimes contra essa mesma sociedade.  

A Pecan era um modelo de ressocialização. Muitas empresas estavam lá, oferecendo trabalho aos apenados. Não havia facções. Hoje, dizem os funcionários da Susepe, está dominada pelo crime organizado. Três módulos são ocupados por presos de uma mesma facção. Isso afastou as empresas que ofereciam trabalho. 

A reação do governo foi afastar a direção da Pecan, mas será que isso resolve? Nego Jackson, o preso assassinado, escreveu uma carta de próprio punho alertando sobre um plano para matá-lo dentro da Pecan. Seus advogados pediram e conseguiram um habeas corpus para tirá-lo de lá, mas o crime ocorreu antes da transferência.  

Você pode achar, como muita gente acha, que enquanto os bandidos estiverem se matando entre eles está tudo bem. Não, não está. O crime organizado transcende a área geográfica onde os líderes se instalam e transformam os moradores em reféns. Além de exigir que as forças de segurança sejam deslocadas para essas áreas, desguarnecendo outras, a guerra de facções espalha a violência na forma de balas perdidas, assaltos, roubo de carros.

quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Golpistas de 2022 deixaram rastro por todos os lados, de Rosane de Oliveira

Sorte do Brasil que os estrategistas eram trapalhões, porque isso evitou uma ditadura mais sangrenta que a de 1964

amadorismo dos civis e militares envolvidos no planejamento do golpe fracassado de 2022 livrou o Brasil de uma ditadura que começaria mais sangrenta do que a de 1964. Mais sangrenta porque de largada previa o assassinato do presidente Lula, do vice Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes. 

Os trapalhões não só bolaram um plano cheio de furos, como deixaram rastros por todos os lados. Acabaram facilitando o trabalho da Polícia Federal na apuração do planejamento do golpe, que teve desde reunião na casa do general Braga Netto até impressão do plano criminoso numa máquina do Palácio do Planalto.

número inédito de integrantes das Forças Armadas indiciados pela Polícia Federal só existe porque o golpe fracassou. Se tivesse sido consumado, seria como em 1964, sem militares presos. Por isso não cola a justificativa de que planejar não é crime e que não se pode punir os idealizadores. O Código Penal prevê, sim, a punição para quem se organiza em grupos na tentativa de abolir de forma violenta o Estado democrático de direito.  

Os crimes atribuídos a Bolsonaro somam cerca de 40 anos de prisão, na hipótese de ser denunciado e condenado em todos, sem atenuantes. Como esse é um processo relativamente demorado, a maior punição será a política. Que político ficará atrelado a um ex-presidente que hoje já está inelegível e que tende a desmoronar nos próximos meses? É óbvio que a direita não ficará esperando por Bolsonaro e tratará de se organizar para ter um candidato viável em 2026. 

Os rastros deixados em celulares, que permitiram identificar até a campana feita pra tentar sequestrar Alexandre de Moraes, só podem ter duas explicações: falta de inteligência ou certeza de impunidade. Se os generais próximos de Bolsonaro foram capazes de uma patacoada como essa, imagine-se o que fariam se o Brasil estivesse em guerra contra um inimigo externo. Sorte do Brasil que as Forças Armadas são maiores do que o grupelho golpista e que ainda há generais como Freire Gomes e brigadeiros como Baptista Júnior, que frearam a aventura.

De Bolsonaro, que foi um mau militar e incitou a baderna nos quartéis quando era capitão, não surpreende a trapalhada. De generais como Augusto Heleno e Braga Netto era de se imaginar que tinham alguma noção de estratégia militar.

ALIÁS

Duas consequências imediatas do indiciamento de Jair Bolsonaro e de outras 36 pessoas envolvidas na selvageria do 8 de janeiro: o projeto de anistia perde força no Congresso e o ex-presidente pode dar adeus ao sonho de voar para os Estados Unidos a fim de assistir à posse de Donald Trump. Ele teve o passaporte apreendido e precisaria de uma licença especial do ministro Alexandre de Moraes para sair do país.

Em áudio, general afirmou que Bolsonaro deu aval para golpe até 31/12

General da reserva Mário Fernandes relatou conversa a Mauro Cid, auxiliar de Bolsonaro

Por André Richter
Da Agência Brasil

Foto: Tânia Rego/Agência Brasil

O general da reserva Mário Fernandes, um dos presos na Operação Contragolpe, da Polícia Federal, afirmou que o ex-presidente Jair Bolsonaro deu aval para um plano golpista até 31 de dezembro de 2022.

A conversa consta no relatório de inteligência da operação, deflagrada nesta terça-feira (19) para prender cinco militares que pretendiam impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do vice, Geraldo Alckmin, eleitos em outubro de 2022.

No áudio enviado a Mauro Cid, Fernandes disse ao ex-ajudante de ordens de Bolsonaro que o ex-presidente teria dito a ele que a “ação” poderia ocorrer até o último dia do mandato.

Cid, boa noite. Meu amigo, antes de mais nada me desculpa estar te incomodando tanto no dia de hoje. Mas, porra, a gente não pode perder oportunidade. São duas coisas. A primeira, durante a conversa que eu tive com o presidente, ele citou que o dia 12, pela diplomação do vagabundo, não seria uma restrição, que isso pode, que qualquer ação nossa pode acontecer até 31 de dezembro e tudo. Mas, porra, aí na hora eu disse, pô presidente, mas o quanto antes, a gente já perdeu tantas oportunidades”, disse Fernandes.

Durante o governo Bolsonaro, o general ocupou o cargo de secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência da República e foi responsável, segundo a PF, pela elaboração do arquivo de word intitulado “Punhal Verde e Amarelo”, com planejamento voltado ao sequestro ou homicídio do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e de Lula e Alckmin.

Segundo a PF, o documento foi impresso no Palácio do Planalto e levado para o Palácio da Alvorada, residência oficial de Jair Bolsonaro. O ex-presidente não é citado no caso como investigado.

A investigação, mediante diligências probatórias, identificou que o documento contendo o planejamento operacional denominado Punhal Verde Amarelo foi impresso pelo investigado Mário Fernandes no Palácio do Planalto, no dia 09/11/2022 e, posteriormente, levado até o Palácio do Alvorada, local de residência do presidente da República, Jair Bolsonaro”, completou a PF.

Outro lado

O ex-presidente Jair Bolsonaro não se pronunciou sobre a operação da Polícia Federal. Pelas redes sociais, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) declarou que “pensar em matar alguém não é crime”.

Por mais que seja repugnante pensar em matar alguém, isso não é crime. E para haver uma tentativa é preciso que sua execução seja interrompida por alguma situação alheia à vontade dos agentes. O que não parece ter ocorrido. Sou autor do projeto de lei 2109/2023, que criminaliza ato preparatório de crime que implique lesão ou morte de 3 ou mais pessoas, pois hoje isso simplesmente não é crime. Decisões judiciais sem amparo legal são repugnantes e antidemocráticas”, declarou. 

Erika Hilton e PSOL pedem prisão preventiva de Bolsonaro e Braga Netto ao STF

O partido alega graves suspeitas envolvendo os dois em um suposto plano de assassinato de autoridades e tentativa de golpe de Estado

©Foto: Facebook

A deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) anunciou na última terça-feira (19) que o PSOL protocolou um pedido no Supremo Tribunal Federal (STF) pela prisão preventiva do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e do ex-ministro da Defesa Walter Braga Netto. O partido alega graves suspeitas envolvendo os dois em um suposto plano de assassinato de autoridades e tentativa de golpe de Estado.

Não há argumentos plausíveis para que eles estejam em liberdade. Segundo a PF , eles podem estar envolvidos em um plano de assassinato de autoridades públicas e de golpe de Estado”, declarou Erika Hilton em suas redes sociais.

A Polícia Federal revelou detalhes do esquema, que teria sido discutido em 12 de novembro de 2022 na casa de Braga Netto. Conforme depoimento do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, em delação premiada, o plano incluía o assassinato do presidente Lula (PT), do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro do STF Alexandre de Moraes. O objetivo seria impedir a posse da chapa eleita e desestabilizar o STF.

Erika Hilton destacou que a saída de Bolsonaro e Braga Netto do poder não elimina os riscos que eles representariam. “Não dá pra fingir normalidade. São dois assassinos em potencial nas ruas”, afirmou a deputada.

O Correio tentou contato com os representantes de Bolsonaro e Braga Netto, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição. O espaço segue aberto para manifestações.

terça-feira, 19 de novembro de 2024

Operação da PF prende ‘Kids Pretos’ por plano para matar Lula, Moraes e Alckmin

Grupo é suspeito por participar de tentativa de golpe de Estado

A Polícia Federal faz uma operação de busca e apreensão na manhã desta terça-feira (19) sobre o grupo de militares conhecido como “Kids Pretos”. Eles são investigados pela participação na tentativa de golpe de Estado e por um plano para matar Lula, Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), conforme a coluna revelou no dia 12 de novembro. Esse plano faz parte dos preparativos para a tentativa de golpe de estado após a derrota de Jair Bolsonaro nas eleições de 2022.

A PF cumpre cinco mandados de prisão preventiva, três de busca e apreensão, além de outras 15 medidas cautelares na ação, batizada de Operação Contragolpe. Os alvos são endereços no Rio de Janeiro, Goiás, Amazonas e Distrito Federal.

Os militares alvos de prisão são Hélio Ferreira Lima, Mario Fernandes, Rafael Martins de Oliveira e Rodrigo Bezerra de Azevedo. Também é alvo Wladimir Matos Soares, policial federal.

A coluna apurou com fontes próximas à investigação que um dos alvos é o general Mário Fernandes, peça-central da atuação dos Kids Pretos na investigação. Antes de comandar a Secretaria-Geral da Presidência, ele esteve à frente do Comando de Operações Especiais, em Goiânia. O coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, afirmou aos investigadores que Fernandes integrava o grupo de militares mais radicais envolvidos no planejamento do golpe.

Punhal Verde e Amarelo

A PF identificou um planejamento operacional detalhado, batizado como “Punhal Verde e Amarelo” para que militares, a maioria deles kids pretos, executassem ações golpistas, entre elas a prisão e execução do ministro Alexandre de Moraes, como a coluna revelou na semana passada. O plano também incluía a execução do presidente Lula e do vice-presidente Geraldo Alckmin, segundo a PF.

O plano detalhava os recursos bélicos e de pessoal necessários para executar as ações golpistas. Os Kids Pretos montariam ainda um “Gabinete Institucional de Gestão de Crise” para lidar com as repercussões institucionais dos crimes.

Alvos organizaram reunião para planejamento do golpe

A PF apurou que alguns dos alvos da operação de hoje participaram da organização de uma reunião entre Kids Pretos para planejar as ações golpistas, em 12 de novembro de 2022. As informações constam no relatório da PF da Operação Tempus Veritatis, deflagrada em fevereiro deste ano.

Segundo os investigadores, o tenente-coronel Helio Ferreira Lima e o major Rafael Martins de Oliveira trocaram mensagens com Mauro Cid para tratar da reunião, realizada na SQS 112, Bloco B, em Brasília. Os detalhes do plano foram encontrados em mensagens recuperadas no celular do tenente-coronel Mauro Cid, que fez colaboração premiada com a PF. Cid foi chamada para depor nesta terça-feira (19).

Nos últimos meses, investigadores arrecadaram novos dados em computadores e celulares apreendidos durante as ações anteriores e as novas informações permitiram detalhar como se deu a preparação do golpe. Além das minutas já conhecidas, militares fizeram o levantamento dos nomes, das rotinas e até do armamento usado pelos responsáveis pela segurança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ministro Alexandre de Moraes. A coluna apurou que esse levantamento foi feito pelo grupo de Kids Pretos.

Kid preto” é o apelido dado a militares que se formam no curso de Operações Especiais do Exército Brasileiro. Uma das unidades militares onde eles atuam é no Comando de Operações Especiais, em Goiânia. Segundo as investigações, a trama golpista tentou fazer com que militares dessa unidade tomassem parte no golpe de Estado. Entre as atribuições deles estaria prender o ministro Alexandre de Moraes e outras autoridades, sob ordem de Jair Bolsonaro.

General citado pela PF comandou Kids Pretos

Conversas obtidas pela PF mostram que outros envolvidos contavam com a interferência dele para garantir a adesão dos Kids Pretos ao plano golpista, influenciando diretamente o comandante da unidade na época, general Carlos Alberto Rodrigues Pimentel.

Um dos indícios encontrados na investigação sobre o papel central do general Mário no plano de emboscada contra Moraes é um áudio. A gravação encaminhada pelo coronel Hélcio Franco ao ex-militar Ailton Barros — também envolvido na trama golpista.

Quem tem a tropa na mão é o comandante de Operações Especiais. Por exemplo: o comandante deu a ordem, né? Tem que ver esse fenômeno aí do que é a tropa na mão, né? De qualquer forma, eu acho melhor coordenar esse assunto com o Mário, tá? Eu já falei pro Borges que eu não tenho contato com o Mário, e acho que o Borges deve encaminhar esse assunto pro Mário, que é a minha sugestão”.

sexta-feira, 15 de novembro de 2024

CCD: "Renato não fica no Grêmio para 2025, e direção já busca novo treinador"

De acordo com informações do colunista de Zero Hora e comentarista da Rádio Gaúcha, o clube já abriu negociação com um técnico argentino

Lucas Uebel / Grêmio/Divulgação

A quarta passagem de Renato como treinador do Grêmio está com os dias contados, segundo informações do colunista de Zero Hora e comentarista da Rádio Gaúcha Cesar Cidade Dias. O técnico não ficará no Tricolor para 2025, informou o comunicador no Sala de Redação desta sexta-feira (15)

Gremista identificado, CCD ainda citou, no Sala, que o clube já abriu negociação com um treinador argentino. No entanto, o nome deste profissional ainda é desconhecido.

"Eu recebi ontem (quinta-feira, 14), no final do dia, a informação de que o Grêmio procura treinador no mercado e já abriu negócios com um técnico argentino. Confesso que eu não consegui, não cheguei nem perto do nome. Mas isso está sendo falado. Fui atrás, liguei para algumas pessoas de mercado e realmente já é meio que definido internamente que o Renato não fica para 2025 e que o Grêmio vai ser um clube com outro pensamento de trabalho" — disse CCD. 

Também colunista de Zero Hora, Marco Aurélio de Souza indicou que o nome em sigilo pode ser o de Hernan Crespo. O argentino, ex-treinador do São Paulo, está livre no mercado após ter pedido demissão do Al-Ain, dos Emirados Árabes Unidos.

Bolsonarismo rima com terrorismo

Nem todo bolsonarista é terrorista, mas os únicos terroristas que existem no Brasil são bolsonaristas

“Maluco”

Foi assim que Jair Bolsonaro se referiu a Francisco Wanderley Luiz, o homem que detonou uma carga de fogos de artifícios em um carro, para logo em seguida se matar explodindo uma bomba sobre a própria cabeça, em frente ao Supremo Tribunal Federal.

Essa foi a primeira manifestação de Jair sobre o ataque, em entrevista ao colunista Igor Gadelha.

Algum tempo depois, comentou o caso com mais detalhes. O dublê de ex-presidente e articulista político da Folha de S. Paulo disse o seguinte, em trecho da postagem nas redes sociais: “Apesar de configurar um fato isolado, e ao que tudo indica causado por perturbações na saúde mental da pessoa que, infelizmente, acabou falecendo, é um acontecimento que nos deve levar à reflexão”.

Mais uma vez, Bolsonaro quis reforçar a ideia de que o suicida tinha graves problemas psiquiátricos e nenhuma motivação política. Usa a expressão “fato isolado” para tentar desvincular Francisco de seu grupo partidário, apesar de o homem ter sido candidato a vereador pelo PL.

Mesmo que o autor do ataque tivesse algum problema mental, não é difícil concluir o que o levou a escolher esse tipo de ato para manifestar seu extremismo político. Francisco Wanderley Luiz teve a cabeça feita por um tipo específico de fundamentalismo: o bolsonarismo.

Defendeu estado de sítio, participou de acampamento golpista, comparou a Polícia Federal à Gestapo, replicou as fake news de Damares Alves sobre Marajó, ameaçou os “comunistas” FHC, Sarney e Alckmin e jurou matar Alexandre de Moraes.

Ou seja: Francisco Wanderley Luiz era um bolsonarista que seguia o ideário do seu líder.

Afinal, não foi Bolsonaro que fazia plateias repetirem que a luta pela liberdade é mais importante que a vida? Pois bem: para defender sua definição canhestra de liberdade, Francisco acabou com a vida.

Em outro trecho de sua postagem, Jair escreveu o seguinte:

Já passou da hora de o Brasil voltar a cultivar um ambiente adequado para que as diferentes ideias possam se confrontar pacificamente, e que a força dos argumentos valha mais que o argumento da força. A defesa da democracia e da liberdade não será consequente enquanto não se restaurar no nosso país a possibilidade de diálogo entre todas as forças da nação”.

Nem parece que esse belo chamado à pacificação foi feito pelo mesmo homem que do alto de um palanque gritou, simulando ter uma arma: “Vamos fuzilar a petralhada!

Trata-se do mesmo pacifista cujos seguidores quase concluíram um atentado a bomba no aeroporto de Brasília e perpetraram o 8/1.

Não engana ninguém. O que a versão Gandhi de Bolsonaro chama de “restaurar o diálogo” é na verdade anistia para os golpistas.

Pouco tempo depois da postagem, Bolsonaro teve a resposta que merecia. Em uma solenidade, o ministro Alexandre de Moraes referiu-se ao ataque dizendo que aquele não foi um “ato isolado”. E que “crime anistiado é crime impune”.

Não se pode generalizar, nem todo bolsonarista é terrorista. Mas, sem dúvida, os únicos terroristas que existem no Brasil são bolsonaristas.

Essa é uma característica do próprio Jair, que no Exército planejou explodir quartéis.

Com todos esses extremistas, seja o “Mito” ou seus seguidores, as instituições devem agir de forma rigorosa para, através das ações, transmitirem o seguinte recado:

Aceitem a democracia.

De Chico Alves

Jornalista, por duas vezes ganhou o Prêmio Embratel de Jornalismo e foi menção honrosa no Prêmio Vladimir Herzog. Foi editor-assistente na revista ISTOÉ e editor-chefe do jornal O DIA. É co-autor do livro 'Paraíso Armado', sobre a crise na Segurança Pública no Rio, em parceria com Aziz Filho. Atualmente é editor-chefe do site ICL Notícias.

terça-feira, 12 de novembro de 2024

Há dois anos o governador só nomeou apenas 27% dos classificados no concurso para a Polícia Penal

Quase dois anos após a homologação do concurso para a Polícia Penal no RS, e dezembro de 2022, mais de 1.700 aprovados ainda aguardam convocação para o cargo de agente penitenciário.

Desde então, o governo estadual nomeou apenas 27% dos classificados, ou seja, 648 pessoas, deixando uma parcela significativa sem perspectivas de entrada no serviço público.

O Clã dos bolsonaros: um câncer


 

terça-feira, 29 de outubro de 2024

‘Precisamos reinaugurar o diálogo e o que estamos fazendo é uma guerra. E guerra, ganha quem é mais idiota’

Ambientalista Francisco Milanez avalia os impactos sociais da crise ambiental pelas perspectivas da saúde e da educação

Por

Luciano Velleda

Milanez diz que as pessoas estão vivendo em nome das urgências e não estão pensando no que é importante, como o destino da vida. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Um dos mais conhecidos ambientalistas do Rio Grande do Sul, Francisco Milanez esteve durante anos à frente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) como presidente, entidade em que agora continua atuando como diretor científico e técnico. Às vésperas da eleição que elegerá prefeitos e vereadores, o biólogo e arquiteto tem se dedicado a refletir sobre os impactos sociais da crise ambiental por outra perspectiva: a da saúde e da educação.

Atualmente fazendo pós-doutorado em que pesquisa a Teoria da Complexidade é aplicada na saúde, Milanez tem feito a leitura da sociedade também pela ótica da educação, na qual tem formação com mestrado e doutorado. Ao avaliar o atual momento e a inserção da pauta ambiental na campanha eleitoral, diz que observa o cenário de duas formas. Inicialmente, argumenta que o mundo está vivendo um processo fascista e destaca o quanto os processos fascistas “surfam” na desgraça. “É interessante como eles destroem as condições de vida do povo e depois oferecem promessas óbvias”, pondera.

Para ele, as pessoas estão vivendo em nome das urgências e não estão pensando no que é importante. Nesse contexto, a melhor forma de “distrair” as pessoas é falar das urgências, como é o caso das consequências da enchente.

A urgência talvez seja reconstruir a economia, reconstruir a sociedade e as casas, e a gente vai reconstruir igualzinho como estava antes para derrubar de novo”, critica. “Todo mundo que vive de urgências, mesmo que sejam artificiais, mas com a sensação de urgência de insegurança ou de faltar trabalho, geralmente não se dedica a pensar as coisas importantes, e a coisa importante é o destino do planeta, o destino da nossa vida. Só que ele não tem espaço diante das coisas urgentes. Então, ocupar as pessoas com desgraça é a melhor coisa para manipulá-las”, explica.

Em outro sentido e num caminho complementar, Milanez destaca o papel da educação na transformação social e elogia o trabalho de inclusão de alunos nas série iniciais no passado recente de Porto Alegre e do País. No plano federal, elogia a inclusão de milhares de jovens no ensino superior por meio do financiamento estudantil, do programa de cotas e outras ações afirmativas. “É a maior obra prima do futuro do Brasil”, acredita.

Apesar de apontar esses avanços, Milanez lamenta que o País ainda não tenha realmente transformado sua educação. Ao menos não como ele defende. Com a experiência de quem há mais de 30 anos trabalha com capacitação de professores, avalia que o avanço do ensino pressupõe agir junto aos professores, pois, segundo ele, não adianta ter o “mais lindo” propósito de educação se os professores estão enfraquecidos e descapacitados. Além da educação das crianças, ele enfatiza a necessidade de educar também os adultos, pois não há mais tempo para esperar as crianças crescerem para transformar o mundo. “Ninguém ensina ninguém a pensar. O Paulo Freire deu a receita. A gente faz as perguntas e as pessoas aprendem a pensar, porque se aprende a pensar, não se pode é ensinar a pensar”, afirma.

O especialista em educação defende a criação de um ambiente favorável para que as pessoas pensem, algo que, ele avalia, a escola ainda não consegue fazer do modo idealizado por Paulo Freire. A mesma questão se coloca com os adultos, sendo que estes já não estão mais na escola. “Tínhamos que fazer uma educação popular de adultos em massa. Não para fazer pensar como nós. Não é fazer catequese, é fazer perguntas para levar a reflexões. Se quiser ser de direita, tudo bem, só que seja com alguma razão. Hoje as pessoas são de direita e, às vezes, de esquerda, e não sabem o porquê. Quando não se sabe o porquê, a pessoa é uma besta sempre manipulada”, define, sem medir as palavras.

Milanez ainda acrescenta o mundo das redes sociais e a superficialidade da informação à sua análise. Por acreditar que é esse caldo cultural que leva uma sociedade a eleger governos autoritários e ditatoriais, ele defende a necessidade de construir cidadãos com pensamentos críticos e diferentes, porque tal diversidade é “a riqueza do ser humano”.

sexta-feira, 25 de outubro de 2024

O pobre de direita nos Estados Unidos, Brasil e no mundo

Se não há direção, se nunca se identifica os reais causadores da pobreza

Jamil Chade fez uma reportagem muito interessante há poucos dias sobre uma fila quilométrica de milhares de pessoas nos Estados Unidos. Davam voltas em vários quarteirões, querendo uma vaga dos poucos empregos oferecidos por uma empresa. Cada um tinha um formulário preenchido e ficaram horas em pé na espera. Para Jamil, são muito prováveis eleitores de Trump, no que eu acredito também. O trabalhador médio americano tem seu salário estagnado há 50 anos. Se reclamar, outros ocupam o seu lugar.

O Coringa do filme famoso, ou seja, na sua primeira versão, espelhava exatamente este desalento e a raiva sem direção que ela provoca. O sentimento originário da extrema direita é a desorientação de não se saber quem ou o que causa o sofrimento.  Se não há direção, se nunca se identifica os reais causadores da pobreza, então a extrema direita entra realizando o seu trabalho de canalizar a raiva sem explicação de modo a criar um estado de guerra entre os pobres.

A questão principal aqui é como compreender essa opção de pessoas e partidos de elite pelos pobres? O ponto principal aqui é a desinformação que acompanha a privatização da mídia e das redes sociais no mundo todo.

A mídia não explica como e por quem essas pessoas são oprimidas e humilhadas. Sem saber o que causa seu sofrimento, as pessoas podem ser abusadas na sua vulnerabilidade pelo apelo da extrema direita que é o de basicamente apontar como causa da pobreza grupos já estigmatizados e ainda mais vulneráveis por conta disso. Os bodes expiatórios são muitos e todos intercambiáveis, dependendo do contexto e momento. Podem ser mexicanos ou muçulmanos nos Estado Unidos, assim como o nordestino, tido como preguiçoso, e o negro, visto como bandido no Brasil.

Paralelamente, para fazer a tragédia grande, os sindicatos foram enfraquecidos e não podem mais manter o contraponto de uma visão específica para os de baixo da escala social. Sem isso, a mídia e redes sociais movidas pelo dinheiro fazem a festa. Também falta um mínimo de inteligência e imaginação política aos partidos do campo democrático. A reação ao discurso dominante é praticamente nula. E este é o quadro muito especialmente nos Estados Unidos e Brasil, países de empobrecimento visível dos grupos marginalizados como os negros e os marginalizados.

Na Europa, a tradição social-democrata é mais forte e você não tem partidos defendendo a demagogia de um Pablo Marçal e dizendo que tudo depende do empenho individual. O que distingue um partido como o linke na Alemanha, mais à esquerda, e o partido nazista, o AFD, é a questão da imigração, mas se protege do mesmo modo nos dois casos os ganhos do trabalhador médio. Também não tem a influência nefasta da religiosidade neopentecostal.

Este é ponto central aqui: a singularidade da extrema direita americana e brasileira é muito parecida e tem a ver com empobrecimento não compreendido nas suas causas. Aí entra o racismo, por meio de suas máscaras, para transformar o negro em criminoso e o nordestino em aproveitador, como explicação espontânea do mundo social para quem não tem outra explicação. O “mapa racial” vem ocupar este lugar vazio. Outra similaridade fundamental com a política americana. Por conta disso, as extremas direitas que mais se parecem são a americana e a brasileira. Não por acaso existe até similitude nos casos de tentativa de golpe de Estado.


Jessé Souza

Escritor, pesquisador e professor universitário. Autor de mais de 30 livros dentre eles os bestsellers “A elite do Atraso”, “A classe média no espelho”, “A ralé brasileira” e “Como o racismo criou o Brasil”. Doutor em sociologia pela universidade Heidelberg, Alemanha, e pós doutor em filosofia e psicanálise pela New School for Social Research, Nova Iorque, EUA.

terça-feira, 22 de outubro de 2024

Governo federal prepara reforma administrativa

Comissão formada por especialistas, entre juristas, servidores públicos, pesquisadores e acadêmicos vai elaborar proposta

Por Gilberto Costa — Agência Brasil

O governo federal pretende fazer uma ampla reforma administrativa, com a construção de uma nova legislação que venha substituir o Decreto-Lei nº 200/1967. O decreto foi instituído durante a ditadura cívico-militar (1964-1985) e que ainda hoje “dispõe sobre a organização da administração federal.”

O propósito, segundo o Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI), é tornar a legislação compatível com a Constituição Federal.

Para isso, o MGI e a Advocacia Geral da União (AGU) criaram uma comissão formada por mais de uma dezena de especialistas, entre juristas, servidores públicos, pesquisadores e acadêmicos.

O grupo tem até abril de 2025, doze meses após a instalação da comissão, para elaborar a proposta de revisão do decreto-lei.

Além da encomenda na alteração do decreto, já com 57 anos, o MGI editou em agosto uma portaria fixando diretrizes das carreiras do serviço público (Portaria MGI nº 5.127). A norma estabelece princípios e orientações gerais que os órgãos públicos deverão seguir para apresentar as suas propostas de reestruturação de cargos, carreiras e planos.

Ela é o primeiro instrumento normativo desde a Lei 8.112 de 1990”, enfatiza José Celso Cardoso Jr., secretário de Gestão de Pessoas do MGI, em referência ao Estatuto do Servidor.

Em entrevista à Agência Brasil, Cardoso Jr. confirma que “o governo federal já está fazendo uma reforma administrativa na prática.” Segundo ele, a reforma está “em ação” desde 2023 e ocorre “por meio de uma série de medidas de natureza infraconstitucional e incremental que já vem sendo adotadas, para melhorar a estrutura e as formas de funcionamento da administração pública.”

Para o secretário, iniciativas somadas como o Concurso Público Nacional Unificado e a realização do dimensionamento da força de trabalho, para quantificar e definir os perfis mais adequados de servidores, e as novas normas para aperfeiçoamento da política nacional de desenvolvimento de pessoas “configuram uma reforma administrativa já em andamento.”

PEC 32

A realização da reforma administrativa foi anunciada pela equipe de transição do atual governo em dezembro de 2022. Na avaliação de especialistas, a reforma em andamento é mais abrangente do que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 32, apresentada em setembro de 2020 ao Congresso Nacional, e chegou a ser aprovada em comissão especial da Câmara dos Deputados, mas que não foi levada à votação no Plenário por falta de apoio.

Politicamente, era uma coisa que não fazia sentido ali”, opina o cientista político Leonardo Barreto que acompanha o dia a dia do Parlamento há mais de duas décadas.

A professora e pesquisadora no Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), Michelle Fernandez, assinala que a PEC 32 “nasceu obsoleta” e “tem um objetivo estritamente fiscal, de diminuição de gastos. Portanto, não olha para a atuação do Estado. A existência do servidor público é para atender a sociedade e colocar de pé políticas públicas.”

A PEC 32 trata dos funcionários públicos. Olha para uma pequena fatia do funcionamento do Estado”, opina Sheila Tolentino, pós-doutora em Ciência Política, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e integrante da comissão de especialistas que discute a legislação para substituir o Decreto-Lei nº 200. Segundo ela, o país precisa fazer a reforma administrativa “olhando para o serviço que é entregue à população.”

Representantes dos servidores públicos ouvidos pela Comissão de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados no final do ano passado alertaram aos parlamentares que a PEC 32 poderia afetar a impessoalidade das contratações na administração pública, terceirizar carreiras permanentes em áreas como saúde, educação e assistência social, e dificultar as investigações de casos de corrupção que hoje são apurados por servidores com estabilidade.

Governo e as contas públicas

Entidades empresarias, como a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), defendem que a PEC 32 poderia gerar economia e impactar na diminuição da dívida pública.

Para o sociólogo Félix Garcia Lopes Jr., pesquisador do Ipea, visões fiscalistas de setores empresariais partem de premissas erradas, como, por exemplo, a de que ocorre aumento de gasto público com servidores.

A trajetória ao longo do tempo mostra que nunca tivemos crescimento excessivo do número de servidores ou inchaço da máquina pública. Isso está documentado”, diz o pesquisador, citando dados do Atlas do Estado Brasileiro (Ipea), estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e análise recente da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Os dados nesses estudos mostram que há no Brasil cerca de 11 milhões de servidores públicos, menos de 13% do número de trabalhadores do país. Proporção menor do que dos países mais desenvolvidos que formam a OCDE (20,8%).

Seis de cada dez servidores brasileiros trabalham para as prefeituras (6,5 milhões de funcionários públicos). Três de cada dez servidores têm vínculo com os governos estaduais (3,4 milhões de funcionários).

O maior contingente de servidores municipais e estaduais é formado por professores, profissionais da saúde e o pessoal da segurança pública, três categorias que fazem atendimento direto à população.

O restante de servidores públicos, 1,2 milhão de pessoas, é ligado à União, desses 570 mil estão na ativa. No nível federal, o maior contingente é de professores universitários. Os maiores salários estão concentrados no Poder Judiciário e no Poder Legislativo. Nos últimos cinco anos, diminuiu o número de servidores federais civis.

quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Direita radicalizada avança e não se restringe a bolsonarismo, dizem especialistas

Diferenças entre atores políticos do campo impactam disputas internas em coalizão heterogênea

Por Ana Gabriela Oliveira Lima

Jair Bolsonaro e Michele

(Folhapress) – Os setores mais radicais da direita e da extrema direita no país seguem em expansão, em conjuntura marcada pela disputa de diferentes atores políticos, avaliam especialistas ouvidos pela reportagem.

Para eles, o contexto é dinâmico e favorável à rápida subida ou queda de personagens que, embora contestem o mesmo campo, apresentam características diferentes.

O cenário se desenrola em quadro marcado pela inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e a ascensão de outros atores políticos, como Pablo Marçal (PRTB), que disputou o primeiro turno para a Prefeitura de São Paulo e ficou em terceiro lugar, com 28,1% dos votos. No contexto, termos como “bolsonarismo sem Bolsonaro” e “bolsonarismo 2.0” aparecem com frequência nas análises sobre os rumos da direita nacional.

A realidade, entretanto, tem mais nuances e fala sobre uma expansão da ultradireita que vai além do bolsonarismo, diz o professor de ciência política da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Jorge Chaloub.

Ele diz ver uma expansão, para além do bolsonarismo, do que ele chama de ultradireita, definida pela junção de uma direita tradicional radicalizada ao longo dos anos com a extrema direita, cuja principal característica é tentar atuar por fora das instituições, em sanha golpista.

Compreender as nuances, afirma, importa para entender as disputas internas nesse campo que podem impactar o futuro da política.

Outras figuras da direita

Enquanto Bolsonaro seria ainda hoje a figura mais popular da extrema direita, Pablo Marçal, por exemplo, atua sem ter trajetória tipicamente bolsonarista, aponta o especialista.

Chaloub identifica com o adjetivo atores políticos que reivindicam constantemente um alinhamento político e ideológico com o ex-presidente, a exemplo do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Não é que Marçal recuse Bolsonaro, mas ele nutre uma relação de ambiguidade com o ex-presidente”, afirma. “Ao mesmo tempo em que não quer perder o voto bolsonarista, quer se vender como alternativa no campo da ultradireita

Paralelamente, políticos da direita tradicional começaram a abraçar de maneira crescente pautas da extrema direita, como distinção a grupos minorizados, defesa do armamento e permissão de extermínio por parte da polícia. Compreender esse movimento, afirma Chaloub, é igualmente importante para entender a conjuntura nacional.

Exemplos de políticos com a característica seriam o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo).

Para Chaloub, Bolsonaro é uma figura da extrema direita que “só conseguiu chegar ao poder e governar porque contou com o apoio de setores da direita tradicional que se radicalizaram”.

Na concepção de Thais Pavez, cientista política e pesquisadora da USP, a capacidade do bolsonarismo de multiplicar possíveis novas lideranças demonstra sua atual resiliência e força. Isso se dá, afirma, em razão de aspectos como o fato de este ser um movimento descentralizado que tem força nas plataformas digitais e capilaridade social.

Pesquisa feita em março pela especialista apontou o espaço para novos líderes. Embora Bolsonaro ainda tivesse destaque, entrevistados que apoiavam o político cogitaram outras possibilidades de liderança para além do ex-mandatário nas próximas eleições presidenciais. Foram citados Tarcísio, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL) (que, pela idade, só poderá concorrer em 2034), e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL).

Para as eleições municipais de 2024, os entrevistados tinham em março pouca informação, mas sinalizaram que o apoio de Bolsonaro a uma candidatura era relevante, embora não o suficiente para orientar o voto. “É um movimento que se descentraliza, mas essa descentralização não é sinônimo de fraqueza ou perda de apoio eleitoral”, afirma Pavez.

Na prática, Bolsonaro por vezes acenou a Marçal durante a campanha e só defendeu de maneira mais veemente a reeleição de Ricardo Nunes (MDB) na sexta-feira anterior ao primeiro turno. Na ocasião, chamou Marçal de idiota e o criticou por achar “que vai rachar a direita”.

Para a antropóloga Isabela Kalil, que coordena o Observatório da Extrema Direita, Bolsonaro ainda é inegavelmente a figura mais expressiva do campo.

Ela identifica o surgimento do bolsonarismo a partir de 2011, quando houve a projeção nacional do militar em programas de televisão.

Desde então, o movimento foi se consolidando em uma trajetória de mais de dez anos. Por isso, novas lideranças precisariam de tempo para ter a mesma tração e capilaridade do ex-mandatário.

Além disso, Bolsonaro ainda seria o único que consegue reunir o amplo apoio de diferentes setores da sociedade. Outras lideranças, como a senadora Damares Alves (Republicanos -DF) ou Michelle Bolsonaro, saem-se bem em grupos mais restritos.

A pesquisadora também afirma ser importante considerar que muitas das lideranças do bolsonarismo “atuam no limite da Justiça”. Por isso, diz, podem enfrentar percalços judiciais passíveis de comprometer sua trajetória política.

Determinadas lideranças tensionam os limites do que é democraticamente aceitável, o que faz com que possamos ter um cenário dinâmico de substituição”, afirma.

terça-feira, 15 de outubro de 2024

‘Quem resiste ao neofascismo não pode ser visto como o autor do ódio’, diz Felipe Neto

"Tem muita gente poderosa calada, sentada em cima de seus tronos de dinheiro e seguidores", diz, sobre combater o fascismo

Felipe Neto

Por Chico Alves

Desde que, há seis anos, Jair Bolsonaro e seus seguidores introduziram no Brasil uma forma suja de fazer política, lançando mão de xingamentos, mentiras e ataques coordenados nas redes sociais contra adversários, os defensores da democracia buscam uma estratégia eficaz de resposta. Nessa especialidade, pouca gente no país acumulou mais conhecimento prático que o comunicador Felipe Neto. No auge do bolsonarismo, ele se tornou um dos alvos preferenciais da extrema direita, ao criticar seus métodos abertamente.

A experiência do combate cotidiano ao neofascismo é contada em detalhes por Felipe no livro recém-lançado — e já best-seller –, “Como enfrentar o ódio” (Companhia das Letras). Em entrevista ao ICL Notícias, ele fala sobre essa disputa por corações e mentes e responde se é possível lutar contra a extrema direita sem usar também um pouco de fúria — algo que os bolsonaristas classificam ironicamente de “ódio do bem”.

Nessa hora, precisamos invocar a velha frase (supostamente) de Malcolm X: ‘Não confunda a reação do oprimido com a violência do opressor'”, cita Felipe Neto.

Sobre a preocupação daqueles que combatem com firmeza o autoritarismo não se tornarem parecidos com os seus adversários, ele sugere uma regra básica: “O principal é ter a ética como norte”.

Na entrevista, o autor conta a dificuldade de mudar publicamente de posição, passando de crítico feroz da esquerda — que por muitos anos acreditou ser “o mal do mundo” — a seu aliado, o sentimento de ser um cidadão alvo do “ódio de Estado” e relata o que o manteve nesse front, apesar de todas as dificuldades.

Felipe Neto trata também do sucesso de seu Clube do Livro, que levou três obras à lista de mais vendidos. Dá dicas preciosas para levar jovens viciados nas telas do celular a apreciar literatura. “É necessário consolidar a leitura não como um hábito, mas como um prazer, um hobby”, sugere.

ICL Notícias — É possível enfrentar aqueles que criaram a onda de ódio e fascismo que tomou conta do Brasil nos últimos anos sem, em alguma medida, destilar também algum ódio contra eles? Mais que isso: um pouco do que chamam de “ódio do bem” é necessário para enfrentar o fascismo à altura?

Felipe Neto — Sem dúvida é possível enfrentar, tanto que vencemos em 2022. O ambiente digital, que antes era território quase 100% dominado pela extrema direita, virou uma luta mais justa em 2022, o que ficou provado pelo gráfico de engajamento.

A questão é que não se trata de “ódio do bem”, mas sim de enfrentamento e resistência. Nessa hora, precisamos invocar a velha frase (supostamente) de Malcolm X: “Não confunda a reação do oprimido com a violência do opressor”. Quem resiste ao neofascismo não pode ser visto como o autor do ódio e da violência.

Como enfrentar o ódio sem ser tragado por ele?

É impossível enfrentar os agentes desse neofascismo criminoso sem sujar as mãos na lama onde eles travam suas batalhas. Por isso, o principal é ter a ética como norte, estabelecendo limites de até onde você pode ir nessa luta.

Para mim, algumas práticas não podem ser aceitas, sob o risco de nos tornarmos aquilo que lutamos para derrotar. Exemplo: criar notícias falsas intencionalmente contra os representantes neofascistas, ou distorcer propositalmente o que foi dito para atender a uma narrativa falsa. É possível vencer a extrema direita com a verdade.

Como você relata no livro, foi influenciado por ideias conservadoras e até reacionárias de membros da família, e depois fez uma mudança radical. Pode relatar a dor de descobrir que estava enganado, a dor de admitir isso publicamente e assumir bandeiras do grupo que por um bom tempo viu como inimigo político?

Foi extremamente difícil admitir que a esquerda não era o mal do mundo, pois essa era uma certeza que eu tinha desde criança. Nosso cérebro pode interpretar esse tipo de mudança como algo humilhante. Por isso, muita gente sabe que está do lado errado, mas persiste mesmo assim, pois admitir estar errado seria mais doloroso do que apenas seguir em frente.

Eu levei anos para ter a coragem de admitir o quanto estava errado, justamente porque meu ego lutou com todas as forças para impedir essa mudança. Eu sabia que seria massacrado, chamado de hipócrita e ainda seria rejeitado pela própria esquerda, que não veria essa transformação com bons olhos.

Como é enfrentar o “ódio de Estado” praticamente sozinho? Em que momento se sentiu mais desamparado?

Eu nunca estive sozinho, porque felizmente carrego comigo uma legião de seguidores que conhece minha história. Eles me salvaram inúmeras vezes, mais do que consigo contar. Justamente por isso eu percebi que precisava ajudar aqueles que não tinham esse mesmo escudo.

Foi quando fundei o Instituto VERO e o movimento Cala Boca Já Morreu, que defendeu gratuitamente dezenas de pessoas que foram atacadas pelo governo Bolsonaro com processos criminais de Segurança Nacional.

Todas as pessoas foram inocentadas e puderam seguir suas vidas sem se sentirem desamparadas.

O que o manteve na resistência ao fascismo, apesar de tantos ataques?

O mesmo que me manterá a vida toda: o inconformismo com a injustiça e a intolerância. Quando você vê um ato de injustiça ou intolerância e se cala, você se torna um covarde. Eu posso ter muitos defeitos nessa vida, mas a covardia nunca será um deles.

Você reclama que a classe artística se calou naquele momento crucial. Após quatro anos de bolsonarismo, há sinais de que isso tenha mudado?

A situação de 2018 para 2022 melhorou exponencialmente, mas ainda está muito, mas muito distante do ideal. A resistência contra a extrema direita deve ser constante, diária e parte da vida de todos que defendem um pacto civilizatório de luta pela democracia e pelos direitos humanos. Ainda tem muita gente poderosa calada, sentada em cima de seus tronos de dinheiro e seguidores.

Você agora está à frente de uma campanha pela leitura. Quais sugestões pode dar para tornar o hábito da leitura atraente para uma geração que se habituou a frases curtas, pensamentos fragmentados e relata grande dificuldade de concentração?

Em primeiro lugar, o distanciamento do TikTok, dos Reels no Instagram e dos Shorts no YouTube. Um cérebro tomado pelo vício em dopamina, em função desses aplicativos, dificilmente conseguirá se concentrar em um filme, quiçá um livro. É preciso enfrentar esses apps com linhas do tempo infinitas de vídeos curtos, pois eles são comprovadamente nocivos para a saúde mental humana.

A partir daí, é necessário consolidar a leitura não como um hábito, mas como um prazer, um hobby.

Para isso, precisamos do apoio da escola e do ambiente familiar, evitando transformar a literatura em assunto chato, em obrigatoriedade cansativa e imprópria para a idade. É preciso de uma reforma profunda no entendimento da leitura como essencial para a formação humana e resistência da sociedade.

Quais resultados do Clube do Livro mostram que a experiência está no caminho certo?

Os três livros que trabalhamos até agora foram para o topo da lista de mais vendidos. Foram milhares e milhares de cópias adquiridas, gerando imenso debate sobre as obras nas redes sociais.

Já temos mais de 6 mil assinantes em nossa plataforma, recebendo aulas de Literatura, História e Filosofia, além de seguirem a Trilha do Leitor e concluírem um mini-curso em cima de cada livro do mês, com certificado.

Está sendo uma das experiências mais transformadoras da minha vida e o feedback que recebemos dos assinantes é simplesmente extraordinário.

Depois de enfrentar o ódio do bolsonarismo, você foi rejeitado por alguns personagens ditos progressistas, que criticaram sua ida à Flip. Como reagiu, o que tem a dizer a eles?

Nada além de pedir para que assistam ao debate entre mim, Patrícia Campos Melo e a mediadora, Fabiana Moraes, lá na Flip. Está na íntegra no YouTube.