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quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Em 8 anos de congelamento salarial, incentivos fiscais aumentaram 71,6% no RS

Governos estaduais concederam R$ 84 bilhões em incentivos, incluindo benefícios a empresas investigadas por relação com trabalho escravo

Por Luís Gomes

Sul21

Um estudo elaborado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) aponta que, entre 2015 e 2022, os incentivos fiscais concedidos pelo governo do Rio Grande do Sul cresceram 71,6%, acima da inflação acumulada no período, que foi de 61% (INPC). No mesmo período, o conjunto dos servidores recebeu apenas um reajuste geral, de 6%, em 2022. Para a Frente de Servidores Públicos (FSP/RS), os dados indicam que não procedem as justificativas dadas pelos governos José Ivo Sartori (MDB) e Eduardo Leite (PSDB) para o congelamento salarial do funcionalismo.

O Dieese chama a atenção que, entre 2015 e 2022, segundo dados da Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul (Sefaz-RS), o Estado abriu mão de R$ 81.968.128.823 (81 bilhões) de arrecadação a título de desonerações fiscais relativas aos tributos ICMS, IPVA e ITCD. Em valores atualizados pelo IPCA até dezembro de 2022, este montante sobe para R$ 84,6 bilhões.

Além disso, ao contrário dos servidores, que tiveram os salários congelados, as desonerações cresceram 71,6% no período. Somavam R$ 8 bilhões por ano, em 2015, e passaram para R$ 13,7 bilhões no ano passado. As renúncias fiscais de 2022 representam 21,8% das receitas que o Estado poderia obter. O Dieese pontua ainda que o percentual de renúncias fiscais representa mais do que o dobro do que é concedido pelos estados de São Paulo e Minas Gerais.

Levando em conta apenas o primeiro mandato de Eduardo Leite (2019-2022), a inflação acumulada foi de 28,6%, enquanto as renúncias fiscais nesse período cresceram 40,7%.

Entre novembro de 2014 e julho de 2023, a inflação calculada pelo INPC subiu 67,06%. Descontado o reajuste de 6% concedido ao quadro geral em 2022, para recuperar as perdas inflacionárias do período, seria necessário conceder um reajuste de 57,6% aos servidores.

Pelos cálculos do Dieese, se o governo tivesse mantido os salários do conjunto de servidores sem perdas inflacionárias no período, teria gasto cerca de R$ 7 bilhões a mais entre 2015 e 2022, o que representa menos de 10% das isenções concedidas no período e não representa sequer o que o RS deixou de arrecadar com desonerações em 2015.

Na execução das políticas públicas naquilo que tange às grandes empresas, ao capital, ao agronegócio, o governo não só manteve, como aumentou consideravelmente as suas políticas de incentivo de desoneração de isenções fiscais. E nós estamos pagando o preço”, diz o vice-presidente do Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul (Cpers), Alex Saratt. “O governador fez caixa, e reconhece isso, com base nas privatizações, com os recursos extras que vieram da União, com a suspensão do pagamento da dívida pública, mas especialmente massacrando os servidores e destruindo os serviços públicos. E, ao mesmo tempo, temos uma política de isenções e renúncias fiscais, que poderiam até ser admissíveis, desde que discutidas dentro de um projeto de desenvolvimento para o Estado. Mas o que nós temos são concessões dadas ao sabor das conveniências e dos contatos políticos”.

Presidente do Sindicato dos Servidores de Nível Superior do Poder Executivo do Rio Grande do Sul (Sintergs), Antonio Augusto Medeiros argumenta que não há um controle por parte do governo do Estado sobre o retorno das isenções fiscais à população. “Não temos comprovação de que essas isenções têm o acompanhamento necessário para ver o que elas, efetivamente, deixam para o estado do Rio Grande do Sul. Nós vivemos num estado completamente estagnado, com uma política de naturalização, onde quem mais sofre é a população que mais precisa de serviço público”.

Sobre a concessão de benefícios fiscais, a Sefaz defende que o governo do Estado vem propondo diversos debates sobre o tema, tendo realizado em 2020 um estudo que apresenta um diagnóstico sobre os benefícios fiscais concedidos no Rio Grande do Sul. Pontua também que o tema está sendo novamente tratado na Reforma Tributária Nacional, o que deve colocar fim aos incentivos fiscais até 2032.

Do total, de desonerações do ICMS (de 2022), de R$ 11,8 bilhões de benefícios, cerca de metade são de desonerações para consumo e outra metade para investimentos das empresas. E as revisões, em geral, dependem da anuência do Poder Legislativo”, afirma a Sefaz.

O governo do Estado forneceu a lista com todas as empresas e benefícios ao Tribunal de Contas do Estado em setembro de 2019, mas a Sefaz informou a reportagem que ela não pode ser divulgada pois é resguardada pelo sigilo fiscal das empresas. Até o momento, não foram divulgados os resultados das análises do Tribunal, que poderiam revelar quantos empregos foram criados e se houve desenvolvimento econômico em diferentes regiões.

A respeito do número de R$ 13 bilhões em desonerações apontado pelo Dieese, a Sefaz explica que ele inclui as desonerações das exportações da Lei Kandir, que se trata de uma legislação federal válida para todos os estados e que não pode ser alterada em âmbito estadual.

Os benefícios fiscais são um dos principais instrumentos que os Estados dispõem para tentar fomentar o crescimento econômico, interferindo na economia e na trajetória de desenvolvimento de médio e longo prazos, além de beneficiarem parte da população mais carente nas isenções do consumo”, argumenta a Sefaz.

Anelise Manganelli, economista e técnica do Dieese, destaca que os impactos das desonerações fiscais sobre as finanças públicas são subestimados pelos governos. “No Rio Grande do Sul, a renúncia de recursos equivale a um orçamento público anual a cada 5 anos, sem que haja uma avaliação adequada dessa política pública”, afirma.

Anelise pontua também que os efeitos efetivos da reforma tributária só serão sentidos em 2033. “O Rio Grande do Sul não pode esperar uma década para ver mudanças significativas nesse aspecto. Os municípios são diretamente afetados por essas renúncias, experimentando reduções nas receitas, como na cota parte de ICMS e IPVA, e muitos já enfrentam dificuldades financeiras em 2023. O cumprimento dos mínimos constitucionais é distorcido, observa-se que o Rio Grande do Sul deixou de investir cerca de R$ 10 bilhões na saúde e R$ 21,1 bilhões na educação ao longo de oito anos”, diz.

Entre os benefícios fiscais que estão sob o controle do Estado, o principal é o Fundo Operação Empresa do Estado do Rio Grande do Sul (Fundopem), programa governamental de incentivo ao setor privado.

No início de julho, o governo do Estado informou que Fundopem atingiu R$ 1,7 bilhão em incentivos de janeiro a junho deste ano, alcançado o total de benefícios aprovados no ano de 2022. O montante contemplou 67 projetos com geração de 1.733 empregos diretos.

De acordo com os dados disponibilizados pelo governo, 11 novas empresas aderiram ao Fundopem, com previsão de incentivos fiscais da ordem de R$ 128,5 milhões e 192 empregos diretos gerados. Entre as empresas contempladas está a Braslux Indústria de Autopeças, que recebeu incentivos nos valores de R$ 32,2 milhões com a perspectiva de geração de 1 (um) emprego.

O potencial de geração de empregos é bastante inferior na comparação, por exemplo, com a Arrozeira Bom Jesus, que também aderiu ao Fundopem neste ano. A empresa recebeu incentivos na ordem de R$ 3,7 milhões, com a perspectiva de gerar 45 empregos.

É importante frisar que não há nenhum indício de irregularidades na concessão de benefícios fiscais nos casos citados. Contudo, a discussão que os servidores fazem é sobre o retorno das isenções fiscais, que seria diminuto em termos de geração de empregos na comparação com os investimentos em serviço público e nos servidores, que retornaram diretamente para a população, segundo argumentam.

Além disso, destacam que há, sim, questões problemáticas relacionadas a algumas das empresas que recebem os benefícios fiscais, como é o caso das vinícolas da Serra Gaúcha que têm relações com empregadores acusados de manter 207 trabalhadores em condições análogas à escravidão.

As vinícolas Aurora, Salton e Garibaldi tiveram a adesão ao Fundopem renovadas nos últimos anos, tendo a Aurora o benefício aprovado após a operação de resgate. A empresa tem a previsão de receber benefícios na ordem de 1.192.356,13 UIF/RS ao longo de 96 meses. A Garibaldi tem a previsão de receber benefícios de 413.619,59 UIF/RS e a Salton de 523.625,17 UIF/RS, ambas também pelo prazo de 96 meses.

UIF é Unidade de Incentivo do Fundopem, medida que serve como indexador para quaisquer valores adotados para fins de incentivo do programa. O valor é atualizado mensalmente pela Receita Estadual e, em setembro deste ano, tinha o valor calculado de R$ 33,60. Convertendo os valores fornecidos nos pareceres de enquadramentos, os benefícios fiscais concedidos às vinícolas (em valores da UIF de setembro de 2023) seriam equivalentes a R$ 40.063.165,96, no caso da Aurora, R$ 13.897.618,22 para a Garibaldi e R$ 17.593.805,71 para a Salton. É importante salientar que o valor da UIF é calculado mês a mês, podendo inclusive ser reduzido, mas tende a aumentar anualmente.

Os pareceres de enquadramento da adesão destas empresas ao Fundopem — documentos publicados no Diário Oficial — informam que os benefícios se estendem até 2030, no caso da Aurora, e 2031, nos casos da Garibaldi e da Salton.

O parecer referente à Aurora informa a previsão de geração de 10 postos de empregos diretos, enquanto os documentos relativos à Salton e à Garibaldi não trazem essa informação.

A economista do Dieese argumenta que falta transparência sobre a concessão de benefícios e critica a ausência de iniciativas nas leis orçamentárias para a redução futura das renúncias.

Não há evidências de esforços de efeito pedagógico junto aos empresários beneficiados para que busquem alternativas na ausência desses benefícios fiscais. Tudo isso deveria estar sendo abordado há muito tempo, reconhecendo que essa revisão não é uma tarefa simples. Além disso, o Regime de Recuperação Fiscal adotado pelo governo atual, que impede aumentos salariais, prevê a redução das renúncias em pelo menos 20%, mas não está sendo aplicado, já que essas renúncias continuam a crescer acima da inflação”, diz Anelise Manganelli.

Retorno menor do que os serviços públicos


Além de questionarem o retorno dos incentivos fiscais, os servidores apontam que a escolha por aumentar desonerações (acima da inflação) em detrimento de salários contribui para o sucateamento do serviço público, trazendo prejuízo à população.

A partir do Painel de Pessoal da Sefaz-RS, o Dieese aponta que, em 2015, o Rio Grande do Sul tinha 165.511 matrículas ativas de servidores em todos os poderes. Em 2023, são 140.631, um saldo negativo de 24.880 (-15%). Contudo, a redução entre servidores do Executivo é maior do que este saldo negativo.

Em 2015, eram 153.040 servidores do Executivo, contra 125.114 em 2023, redução de 27.926 (-18%). Mais de 91% da redução de vínculos ativos do Executivo ocorreu apenas na Educação, uma vez que são 25.551 vínculos a menos na área. Desse total, 15.878 se tornaram inativos, mas 9.673 deixaram o Estado por outras razões

Somente na Educação, a perda de efetivo foi de 26%, de 97.986 para 72.435 servidores. A perda de efetivo foi, proporcionalmente, ainda maior na Saúde. De 4.547 servidores ativos em 2015, a área passou a 3.172 em 2023, queda de 30%. Assim como na Educação, a redução não é explicada apenas por aposentadorias. Pelo contrário, dos 1.375 servidores que deixaram a Saúde estadual nestes 8 anos, 536 se aposentaram.

Alex Saratt avalia que a redução do número de servidores, para além do congelamento salarial na maior parte do período, é explicada pelas reformas administrativa e da Previdência e pelo Plano de Carreira em que os servidores da ativa e aposentados que possuíam benefícios, como triênios, acabaram “pagando o próprio reajuste” por meio da parcela de irredutibilidade. Além disso, destaca que os funcionários de escola não tiveram alteração no plano de carreira e possuem vencimentos básicos abaixo do salário mínimo. “Para a educação se criou uma espécie de bolsa ou de reserva feita com as vantagens de carreiras que os professores tinham. Cada vez que ele dá aumento no salário básico, tira dinheiro dessa própria reserva. Isso impactou muito fortemente”, diz.

O vice-presidente do Cpers destaca que mesmo nas atualizações do Piso do Magistério — em 2021, foi de 32% –, os próprios servidores “pagaram” o reajuste. Isto é, não receberam na prática. Esta mesma estratégia foi utilizada pelo governo para não pagar o adicional de insalubridade concedido a funcionários de escolas.

Saratt pontua ainda que, ao contrário do senso comum e dos argumentos feitos por defensores do ajuste fiscal, pesquisas internacionais apontam que o Brasil tem um número de servidores públicos abaixo da média de países desenvolvidos. “O Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, o IPEA, também trouxe, uma discussão importante. A cada um real investido a partir do serviço público, da empresa pública e da estatal revertia em pelo menos R$ 1,7. Então, o serviço público se financia e ele pode inclusive ter margens de lucro, não que seja essa a finalidade. Uma empresa como a CEEE levava energia onde precisava, e não somente aonde era rentável”.

Antonio Augusto pontua que um dos resultados do arrocho salarial imposto aos servidores é que concursos públicos para áreas como as secretarias da Saúde e da Agricultura não conseguiram completar o número de vagas oferecidas. “Ele arrocha os servidores públicos, dá essas isenções fiscais sem controle. Claro que dentro das isenções fiscais tem vários níveis, desde a micro e pequena empresa até as grandes empresas. Mas a lógica do governo Leite é dar para os empresários e tirar da população, utilizando aí um arrocho nos servidores públicos e nos serviços públicos, que a população mais vulnerável necessita”, afirma.

A respeito dos diálogos em andamento com o governo do Estado, o presidente do Sintergs pontua que há uma mesa de diálogo com a Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão  (SPGG) para mudanças nas carreiras e por reajuste salarial. As categorias representadas pelo Sintergs estão entre aquelas que só receberam 6% de reajuste desde 2015. “Mas não temos nada de avanço concreto. Até cobrei do governador na Expointer e ele diz que entende, que é legítimo, mas que não tem como encaminhar porque tem o limite prudencial”.

Procurada pela reportagem, a Sefaz afirmou que reconhece o pleito dos servidores do Executivo “por uma reposição que possa compensar os anos sem reajuste devido às dificuldades fiscais que aos poucos começam a ser superadas” e pontua que, em 2022, foi concedido reajuste linear de 6% para a todas as categorias do funcionalismo, o primeiro desde 2006.

Por outro lado, pontua que, em 2023, com a queda de arrecadação de ICMS, o Executivo voltou a atingir o limite prudencial para gastos com pessoal. “No primeiro quadrimestre, o Poder Executivo seguiu no limite prudencial para gastos com pessoal, apurando 48,81% da Receita Corrente Líquida (RCL), muito próximo do limite máximo de 49%, ficando, novamente, impedido de ampliar ainda mais a folha, que segue crescente”, diz a Sefaz.

A respeito de quanto custaria aos cofres do Estado manter os salários dos servidores a par com a inflação desde 2015, a Sefaz diz que é difícil fazer este cálculo, uma vez que foram concedidos reajustes para diversas categorias. “É difícil calcular, hoje, o impacto exato desses reajustes. Mas é importante destacar que, nesse período, houve reajustes para Segurança Pública e os do Piso do Magistério, impactando grandes contingentes do serviço público, bem como inativos e pensionistas”, afirma a Sefaz.

A nota da secretaria pontua ainda que a constatação do “limitado impacto distributivo das desonerações fiscais em favor dos mais pobres influenciou na implementação do programa Devolve ICMS”. “Essa é uma discussão que precisa ser feita de forma técnica, preservando a economia do Estado, e que nesse momento está concentrada na Federação, no âmbito das mudanças tributárias nacionais que visam aperfeiçoar diversas distorções”, finaliza a nota.

Delação de Cid vai além da reunião golpista com militares, dizem fontes policiais

Entre os assuntos tratados nessas conversas com máximo sigilo estão acusações de fraudes nas urnas e ações para explorar o tema. A PF realiza diligências, no momento, para comprovar os relatos do delator. Uma delas é a solicitação de todas as pessoas que entraram no Palácio do Alvorada nos últimos quatro meses do governo Bolsonaro.

Por Redução - de Brasília

O encontro entre Jair Bolsonaro (PL) e ex-comandantes das Forças Armadas para discutir uma minuta golpista não teria sido a única conversa delatada por Mauro Cid. Integrantes do governo Bolsonaro e o ex-presidente foram alertados por fontes na Polícia Federal (PF) que as outras reuniões realizadas para debater temas golpistas integram o acordo do ex-ajudante de ordens.

Entre os assuntos tratados nessas conversas com máximo sigilo estão acusações de fraudes nas urnas e ações para explorar o tema. A PF realiza diligências, no momento, para comprovar os relatos do delator. Uma delas é a solicitação de todas as pessoas que entraram no Palácio do Alvorada nos últimos quatro meses do governo Bolsonaro.

Deprimido após a derrota nas urnas para o atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e com uma erisipela na perna esquerda, que o impedia de se locomover, Bolsonaro permaneceu no Alvorada logo após as eleições e, durante o período de convalescença, convocou os comandantes das Forças Armadas para debater o golpe tentado e fracassado em 8 de Janeiro.

Celulares

Outra frente aberta pelos investigadores para corroborar a delação de Mauro Cid são mensagens de celulares. A PF faz um pente-fino não apenas no aparelho do tenente coronel, mas em telefones como o de seu pai, o general Mauro Lourena Cid, e os quatro celulares do advogado Frederick Wassef. Caso as conversas interceptadas a partir dos telefones desmintam os relatos de Cid, este corre risco de perder os benefícios de seu acordo.

A PF tem, ainda, investigado o aumento no patrimônio de Bolsonaro, o que tem deixado cúpula do seu partido inquieta.

terça-feira, 26 de setembro de 2023

Augusto Heleno: acampamentos bolsonaristas eram “ordeiros e pacíficos”

Ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) depôs na CPMI que investiga os atos golpistas do dia 8 de janeiro

Da Agência Brasil

O general Augusto Heleno classificou como “ordeiro e pacífico” o acampamento de bolsonaristas em frente ao Comando Geral do Exército, em Brasília. A afirmação do ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) durante o governo Bolsonaro foi feita durante o depoimento do general na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito  (CPMI) que investiga os atos golpistas do dia 8 de janeiro.

Eu nunca fui ao acampamento. Não por falta de tempo, mas por falta de condições de participar do que realizavam no acampamento que, pelo que sabia, eram atividades extremamente pacíficas e ordeiras. E nunca considerei o acampamento algo que interessasse à segurança institucional. Sempre achei que era uma manifestação política pacífica”, disse o general.

Diante da afirmação de Augusto Heleno, a relatora da CPMI, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), lembrou que “foi do acampamento que surgiu a ideia de montar uma bomba para explodir um caminhão de combustíveis no aeroporto de Brasília. Foi de lá que os vândalos saíram para quebrar a Praça dos Três poderes

Heleno confirmou que recebeu algumas das pessoas que estavam no acampamento bolsonarista, mas que não foi algo para articular qualquer ato golpista. “Recebi por educação, eles foram lá apenas para tirar fotos e fazer vídeos”, disse o general.

segunda-feira, 25 de setembro de 2023

Toffoli cita risco de ruptura sob Bolsonaro e diz que talvez não teríamos democracia sem silêncio de Aras

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O ministro Dias Toffoli, do STF (Supremo Tribunal Federal), afirmou nesta segunda-feira (25) que o país esteve perto de uma ruptura democrática e que o Brasil talvez não estivesse em uma democracia não fosse a "força do silêncio" do procurador-geral da República, Augusto Aras.

"Não fosse a responsabilidade, a paciência, a discrição e a força de seu silêncio, Augusto Aras, talvez nós não estivéssemos aqui. Nós não teríamos talvez democracia", disse Toffoli.

A declaração foi dada em cerimônia do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) em que Aras concedeu medalhas da Ordem Nacional do Mérito do Ministério Público a diversas autoridades --entre elas, Toffoli, o ministro do STF Luiz Fux e o secretário da Casa Civil do Distrito Federal, Gustavo Rocha.

Durante o discurso, Toffoli comparou a gestão de Aras à frente da PGR (Procuradoria-Geral da República) com uma parábola bíblica que trata da graça divina.

"A graça nesse país foi ter nesses quatro anos Antônio Augusto Brandão de Aras à frente do Ministério Público. Esse cabeça branca, como a gente brinca, com responsabilidade", disse.

"Faço essas referências porque são coisas [que serão] contadas mais à frente da história. Porque poucas pessoas sabem, mas estivemos bem próximos da ruptura. E na ruptura não tem Ministério Público, não tem direitos, não tem a graça. A graça é ser amigo do rei", completou o ministro.

Crítico à Lava Jato e responsável pelos últimos reveses à força-tarefa, Toffoli ainda disse que o Ministério Público deve dar efetividade a direito e não a "abusos, ódios, intolerância e destruição de instituições".

"É o exemplo desse Ministério Público que defende as instituições e a democracia e que não as destrói. E não as usa como um alpinismo para outros interesses. O Ministério Público que dá a graça do senhor da vinha igual para todos", concluiu Toffoli, citando novamente a parábola bíblica.

A cerimônia de elogios foi a última presidida por Aras após quatro anos à frente da PGR e do CNMP. Ele deixará o comando das instituições nesta terça-feira (26). O presidente Lula (PT) ainda não definiu quem será o sucessor.

Em seu discurso, Aras não comentou sobre sua sucessão e disse que faria um balanço de seu mandato mais tarde, durante sua última sessão ordinária do CNMP.

O procurador, porém, afirmou que o Ministério Público Federal é hoje uma instituição "muito mais madura, mais ciosa de suas responsabilidades" do que na época em que a Constituição Federal foi promulgada, em 1988.

"Saibamos nos inspirar naqueles que nos guiaram até esse momento da nossa história e construíram o caminho que hoje trilhamos e construímos para aqueles que nos sucederão", disse.

Aras foi criticado durante sua gestão sob a acusação de ser omisso nas investigações que miravam o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) --responsável pela sua indicação e recondução mesmo fora das listas tríplices formadas pela categoria do Ministério Público.

Numa tentativa de se cacifar para uma recondução na PGR já sob Lula, Aras fez publicações em redes sociais em que se distanciava da gestão Bolsonaro. Em vídeos, ele defendia sua gestão no exame da conduta de governantes quanto ao enfrentamento à Covid-19 e também na área do meio ambiente.

Nas publicações, Aras encampava ainda o discurso de que o órgão foi diligente na fiscalização de atos administrativos e gastos públicos destinados ao combate da pandemia. Cita situações como a crise da falta de oxigênio em hospitais de Manaus.

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Em delação, Mauro Cid relatou que Bolsonaro teria consultado cúpula das Forças Armadas sobre golpe

Ex-ajudante de ordens afirmou que ele próprio participou de uma reunião em que minuta golpista teria sido debatida entre os militares

Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro afirmou, em delação premiada, que o ex-presidente teria se reunido, no ano passado, com a cúpula das Forças Armadas e com ministros da ala militar para discutir detalhes de uma minuta que supostamente abriria possibilidade para uma intervenção militar no país. A informação foi publicada nesta quinta-feira (21) pela colunista Bela Megale, do jornal O Globo.

Conforme a jornalista, a informação já chegou ao conhecimento da atual chefia das Forças Armadas. Se tivesse sido colocado em prática, o suposto plano impediria a posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Ainda segundo a colunista, Cid relatou que ele próprio foi um dos participantes de uma reunião em que uma minuta de golpe teria sido debatida entre os militares. O ex-ajudante de ordens afirmou que o então comandante da Marinha, o almirante Almir Garnier Santos, teria dito a Bolsonaro que sua tropa estaria pronta para aderir a um chamamento do então presidente. Já o comando do Exército teria afirmado, naquela ocasião, que não embarcaria no suposto plano golpista.

De acordo com a jornalista Bela Megale, é grande a preocupação entre os militares sobre os efeitos que o relato de Cid pode ter, principalmente por envolver membros da cúpula das Forças Armadas e ministros que, apesar de estarem na reserva, foram generais de alta patente. Contudo, para que os fatos sejam validados e as pessoas citadas sejam eventualmente responsabilizadas, é preciso que haja provas que corroborem as informações delatas.

Delação homologada

Em 9 de setembro, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), homologou o acordo de delação premiada de Mauro Cid. Na ocasião, o magistrado também concedeu liberdade provisória ao militar — que, no mesmo dia, deixou o Batalhão da Polícia do Exército.

Mauro Cid estava preso desde maio, quando foi alvo da Operação Venire, que investiga a inserção de dados falsos nos sistemas do SUS para emissão de carteiras de vacinação fraudadas em nome de Bolsonaro e de outras pessoas. Ele também é suspeito de participar da tentativa de trazer de maneira irregular para o Brasil joias — avaliadas em R$ 16,5 milhões — recebidas pelo governo como presente da Arábia Saudita, além de:

·  tentar vender ilegalmente presentes dados ao governo Bolsonaro por delegações estrangeiras em viagens oficiais

·  envolvimento nas tratativas sobre possível invasão do sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pelo hacker Walter Delgatti Neto, para desacreditar o sistema judiciário brasileiro

·  envolvimento em tratativas sobre um possível golpe de Estado

sexta-feira, 15 de setembro de 2023

Cid confessou à PF ter entregue dinheiro das joias nas mãos de Bolsonaro, diz revista

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O tenente-coronel Mauro Cid afirmou à Polícia Federal que entregou nas mãos do ex-presidente Jair Bolsonaro parte do dinheiro da venda de relógios de luxo recebidos como presentes de Estado, segundo reportagem da revista Veja.

O valor seria de US$ 68 mil, de forma parcelada, com uma parte entregue em solo americano e outra no Brasil.

O dinheiro da venda dos relógios Rolex e Patek Philippe foi depositado na conta do pai de Cid, o general da reserva Mauro Lourena Cid, sacado e enviado para o ex-presidente, de acordo com a reportagem.

"Em mãos. Para ele", disse o militar, ainda segundo a revista. Ele foi ajudante de ordens de Bolsonaro na Presidência.

"A venda pode ter sido imoral? Pode. Mas a gente achava que não era ilegal", afirma Cid em transcrição de relato publicada pela revista.

A confissão teria sido feita durante as mais de nove horas em que o tenente-coronel prestou depoimento sobre o caso aos investigadores. Nas últimas semanas, Cid depôs três vezes à Polícia Federal.

Mauro Cid deixou a cadeia no último sábado (9), após o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), homologar acordo de delação premiada com a Polícia Federal.

Ele, porém, precisa usar tornozeleira eletrônica, não pode manter contato com outros investigados, a não ser familiares, e tem de se apresentar semanalmente à Justiça do Distrito Federal. O militar permaneceu preso por quatro meses em decorrência de suspeita de participação em fraudes em cartão de vacinação contra a Covid.

Ele e Bolsonaro são investigados no chamado inquérito das milícias digitais, que tramita no Supremo. O tenente-coronel e seu pai foram alvos de operação deflagrada em agosto sobre suposta "operação resgate" de joias que tinham sido vendidas no exterior.

Os primeiros depoimentos no contexto da delação, porém, devem se iniciar a partir da próxima semana. O advogado Cezar Bitencourt, que defende o militar, pediu à PF que somente convocasse Cid para novas oitivas a partir da próxima semana, porque precisa atender a outros clientes.

O teor do acordo de colaboração, assim como suas condições e detalhes, permanece sob sigilo.

Na decisão de soltura, Moraes disse que "o encerramento de inúmeras diligências pela PF e a oitiva do investigado, por três vezes e após ser decretada sua incomunicabilidade com os demais investigados, apontam a desnecessidade da manutenção da prisão preventiva".

O magistrado disse, no entanto, que o descumprimento de qualquer uma das medidas alternativas ao cárcere levará à decretação de uma nova prisão.

Em publicação em rede social, o chefe da Procuradoria-Geral da República, Augusto Aras, afirmou no sábado que o órgão não concorda com acordos de colaboração firmados pela PF, como foi o caso do celebrado pelo militar.

À Folha de S.Paulo, no início da semana, Bolsonaro afirmou que Cid "é uma pessoa decente e bom caráter". "Ele não vai inventar nada, até porque o que ele falar, vai ter que comprovar."

"Sempre o tratei como um filho meu. Eu sinto tristeza com o que está acontecendo, né? Eu não queria que ele estivesse nessa situação. Ele é investigado desde 2021. Por fake news? Por causa das minhas lives, em que eu falava de Covid-19? Qual é a tipificação de fake news no Código Penal? Não tem."

TRF-4 anula decisões de Appio e o julga suspeito em ações da Lava Jato

Tribunal entendeu que decisões de juiz federal sobre a Lava Jato eram nulas menos de 12 horas após decisão do STF sobre provas da Odebrecht

Juiz Appio

Menos de um dia após o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), declarar que as provas do acordo de leniência da Odebrecht obtidas no âmbito da Operação Lava Jato eram “imprestáveis, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) anulou todas as decisões do juiz federal Eduardo Appio (na imagem em destaque), da 13ª Vara Federal de Curitiba, relacionadas à operação.

Appio já estava afastado do caso após o ingresso de 28 arguições de suspeição apresentadas pelo Ministério Público Federal (MPF) ao TRF-4, depois de uma representação do desembargador Marcelo Malucelli que relatou “ameaças” sofridas por seu filho que teriam o juiz como fonte.

O entendimento do TFR-4 foi que não haveria como manter o juiz no caso dados os indícios de sua parcialidade.

Embora as suspeições tenham sido apresentadas apenas em parte das ações relacionadas à operação, o relator do processo, desembargador federal Loraci Flores, afirmou entender que elas se estendiam a todos os fatos relacionados à operação.

Cerca de 12 horas antes da decisão do TFR-4, o ministro do STF Dias Toffoli havia decidido a imprestabilidade de todas as provas da Operação Lava Jato que vinham sendo usadas nos processos em tramitação no pais.

Toffoli entendeu que uma decisão anterior, proferida em 2021 pelo ministro Ricardo Lewandowski (que determinou a imprestabilidade das provas obtidas no acordo de leniência da Odebrecht no caso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)), valeriam para todos os casos da Lava Jato.

domingo, 10 de setembro de 2023

Moraes homologa acordo de delação premiada e concede liberdade provisória a Mauro Cid

Ex-ajudante de ordens de Bolsonaro estava preso desde maio; ministro do STF determinou, entre outras medidas, uso de tornozeleira eletrônica e afastamento das funções no Exército

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), homologou neste sábado (9) o acordo de delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro. O magistrado também concedeu liberdade provisória ao militar — Cid deixou o Batalhão da Polícia do Exército no início da tarde.

Moraes determinou medidas cautelares como uso de tornozeleira eletrônica, afastamento das funções de Cid no Exército e proibição de contato com outros investigados. 

Mauro Cid estava preso desde maio, quando foi alvo da Operação Venire, que investiga a inserção de dados falsos nos sistemas do SUS para emissão de carteiras de vacinação fraudadas em nome de Bolsonaro e de outras pessoas. Ele também é suspeito de participar da tentativa de trazer de maneira irregular para o Brasil joias — avaliadas em R$ 16,5 milhões — recebidas pelo governo como presente da Arábia Saudita, além de:

·   - tentar vender ilegalmente presentes dados ao governo Bolsonaro por delegações estrangeiras em viagens oficiais

·   - envolvimento nas tratativas sobre possível invasão do sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pelo hacker Walter Delgatti Neto, para desacreditar o sistema judiciário brasileiro

·   - envolvimento em tratativas sobre um possível golpe de Estado

De acordo com informações do portal g1, a delação homologada pelo STF refere-se ao inquérito das milícias digitais e a todas as investigações conexas, como a apuração sobre a venda de presentes oficiais.

Colaboração premiada

Cid foi até o Supremo na quarta-feira (6) informar que queria colaborar com as investigações e que a Polícia Federal aceitou sua proposta de delação, mas o avanço das negociações dependia de Moraes. Com a homologação, as informações prestadas pelo ex-ajudante de ordens poderão ser usadas nos diferentes inquéritos que o atingem.

O instituto da colaboração premiada está previsto na lei das organizações criminosas e estabelece que um colaborador deve narrar todos os fatos ilícitos para os quais concorreu e que tenham relação direta com os fatos investigados. A lei também estabelece hipóteses em que o juiz pode reduzir ou até perdoar a pena do colaborador.

As medidas podem ser aplicadas se ele identificar outros participantes da suposta empreitada criminosa ou descrever a estrutura hierárquica do grupo. De outro lado, a análise da concessão de qualquer benefício leva em consideração a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração.

quarta-feira, 6 de setembro de 2023

Amanhã será o Dia da Independência

Neste 7 de setembro, Dia da Independência, vamos celebrando nesses 201 anos desde que o Brasil disse “adeus” ao domínio colonial.

Neste ano, porém, o Dia da Independência tem um tom diferente o que: enquanto Bolsonaro utilizou a data para estimular o ódio e inflamar o golpismo, o retorno de Lula à Presidência parece dar à data o respeito que ela merece para todos os brasileiros.

Que seja amanhã será um dia excelente para o país!!!

terça-feira, 5 de setembro de 2023

Como dois repórteres descobriram o esquema das joias de Jair Bolsonaro

Deflagrada pela Polícia Federal em 11 de agosto, a “Operação Lucas 12:2” ganhou os holofotes da imprensa brasileira ao investigar um suposto esquema de venda ilegal de joias sob comando do ex-presidente da República, Jair Bolsonaro (PL). Obtidas por meio de delegações estrangeiras, as peças foram vendidas por auxiliares de Bolsonaro no exterior quando, por lei, deveriam ser incorporadas ao acervo da Presidência da República.

Como descobriram o esquema das joias de Bolsonaro
© Fornecido por Agência Pública

As descobertas do suposto esquema começaram a vir à tona ainda em março, com a publicação de uma série de reportagens investigativas feitas pelos jornalistas Adriana Fernandes e André Borges. A primeira reportagem, publicada no Estadão, relata como o governo Bolsonaro tentou trazer ilegalmente para o país um kit de joias presenteado pela Arábia Saudita.

O Pauta Pública convidou Fernandes e Borges para compartilhar os bastidores desta investigação que culminou na ação da PF no episódio 86, lançado na última sexta-feira (25).

Confira os principais pontos da entrevista e ouça o podcast na íntegra abaixo.

O caso das joias: como tudo começou – com Adriana Fernandes e André Borges

25 de agosto de 2023 · No podcast, jornalistas contam bastidores da investigação que revelou o escândalo das joias

Adriana Fernandes: Essa investigação das joias não foi algo que nos foi entregue, como frequentemente ocorre no jornalismo; foi um trabalho investigativo. Recebemos uma informação inicial do que teria acontecido, então sabíamos que havia uma história muito difícil de comprovar sobre joias da Arábia Saudita retidas no aeroporto de Guarulhos e de valores milionários, destinadas à então primeira-dama, Michelle Bolsonaro.

Nós tínhamos que provar o elo entre algumas joias que seriam leiloadas. Tínhamos pouco tempo, porque elas poderiam ir a leilão a qualquer momento, já que haviam sido apreendidas em 2021. E foi esse o nosso trabalho inicial, montar esse quebra-cabeça e fazer essas conexões. No primeiro momento foi difícil de acreditar, então tivemos que fazer uma aposta nessa ‘’história das Arábias’’, que se desenrolou quase como um roteiro de filme. Os eventos recentes provaram que estávamos no caminho certo, e as investigações que seguiram nossa reportagem comprovam o que aconteceu.

André Borges: A Adriana toca num ponto que é muito importante desse bastidor jornalístico: essa história tinha algo de muito fantástico nela, a ponto de duvidarmos de algumas coisas no começo. Não a ponto de largar a apuração, mas falar “será que isso aconteceu mesmo? não é possível.” Conversamos com as pessoas e detalhamos isso, até que depois de cerca de dois meses e de tentativas por meio da Lei de Acesso, de obtenção de informações direta com fontes, a gente viu que as coisas se confirmaram. E para ser super honesto, elas eram até mais complexas.

AF: Complementando a fala do André, nós não conseguimos nenhuma informação com a Lei de Acesso à Informação. A LAI, que é tão falada sobre transparência, não nos garantiu, nem no governo Bolsonaro, nem no governo Lula, as informações que já estavam em andamento dentro do governo. 

AB: Foi um processo de persistência, de cuidado, inclusive, enquanto se apurava, para poder manter o controle da informação até onde fosse possível.

Clarissa Levy: Neste momento em que vocês trabalhavam, como foi a ligação para o então Ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque? Porque vocês precisavam falar com ele. Poderiam contar um pouco sobre isso?

AF: Havia grande preocupação de que levássemos um “furo” da nossa própria matéria porque, devido às movimentações que fizemos para chegar lá, informações começaram a se espalhar, mesmo agindo de forma discreta. A matéria ainda estava em edição quando ligamos para o Ministro Bento. Ele ficou tão surpreso que confirmou, e nós estávamos gravando. Inclusive, ele confirmou que havia passado com o segundo kit de maneira ilegal. Ele não percebeu que havia confirmado e disse: “Eu passei com o outro, né? Não sabia o que tinha”. Poucos minutos depois (não me recordo do tempo exato), ele estava na televisão, negando o que tinha nos dito naquele dia, tentando se retratar. Mas nós havíamos gravado, então disponibilizamos o áudio no portal.

AB: Nós queríamos que ele comentasse os fatos. Assim, ligamos, ele atendeu, e esse áudio é uma declaração de culpa do ex-ministro. Ele menciona que saiu, voltou para pegar o pacote e, naquele momento, só tratávamos do que estava apreendido: os diamantes. No entanto, ele revela, nessa ligação, no dia 3 de março, que havia saído com outro pacote, que mais tarde identificou-se como sendo um kit de relógios, canetas, abotoaduras, todos em ouro e incrustados com pedras de diamante.

Então, foi um desdobramento da investigação. A partir daí, ele tentou recuar, rever sua posição, falando com outros veículos de comunicação. Mas o áudio da entrevista já estava no ar, que também seria confirmado com a imagem do vídeo onde ele volta e fala que as joias eram pra Dona Michelle.

AF: Mas o vídeo surgiu algum tempo depois. Por isso, tivemos que sustentar essas informações com outras que conseguimos. Há uma reportagem, que considero muito relevante, publicada no portal no sábado e no impresso no domingo, em que detalhamos toda a situação.

Clarissa Levy: Como vocês têm acompanhado esses desdobramentos? Vocês publicaram no início de março, e já ocorreu muito desde então. Como vocês veem essa situação e o que acreditam que ainda pode acontecer?

AF: Acredito que toda essa trama será esclarecida. Há personagens que permanecem em silêncio, como o próprio Bento Albuquerque, que é muito relevante na história. Em uma reportagem nossa de abril, já mencionávamos a importância de Mauro Cid esclarecer os acontecimentos, mas ele ainda se mantém em silêncio. Tem aquela máxima, tem que correr atrás do dinheiro, do caminho do dinheiro.

AB: Ainda há muitos aspectos a serem esclarecidos e pessoas a serem ouvidas, além das que Adriana mencionou. Revelamos, por exemplo, que muitos itens estavam armazenados na propriedade do ex-piloto Nelson Piquet, em Brasília. Ele, que é próximo do Bolsonaro, ainda não foi chamado para prestar esclarecimentos. Além disso, há outros militares envolvidos; muito se fala sobre o tenente Mauro Cid, mas existem pelo menos outros sete militares diretamente ligados às transações das joias. Agora a gente vê o episódio que envolve os advogados do clã Bolsonaro, que estão sendo chamados também para prestar depoimento e falar sobre o plano de recompra dessas joias, sustentando que tudo era legal. Se eram legais, por que foram levadas escondidas para o exterior? Por que as autoridades brasileiras não foram informadas? Por que foram vendidas e por que tentaram recuperá-las sorrateiramente depois do escândalo todo vir à tona?

Então tem muita coisa para ser explicada, como entender de fato essa benevolência toda de joias do povo árabe com o governo brasileiro, com o governo Bolsonaro. Tem muita coisa por trás disso certamente. São linhas que a imprensa está buscando avançar, a Polícia Federal está trazendo muito desdobramento e, com essas quebras de sigilo, certamente não só no Brasil, como lá fora também, com a colaboração do FBI, vai trazer muita informação nova.

Particularmente, confesso que esse desdobramento me surpreendeu, imaginávamos que eram joias para enriquecimento próprio. Quando vimos isso tudo, a maneira como fizeram, como se articularam, a corrida que fizeram depois dos três pacotes para tentar recuperar… Tem uma coisa engraçada: naquela época a gente procurava o pessoal do governo Bolsonaro para se manifestar sobre o que estávamos divulgando. Enquanto isso, eles estavam correndo e se articulando para recuperar os kits, estavam preocupados de esses itens serem pedidos pela justiça ou pelo Tribunal de Contas da União, que foi o que aconteceu. A quebra de sigilo de Mauro Cid revelou, por meio de mensagens, uma grande operação envolvendo diversas pessoas para recuperar as joias.

segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Neonazistas se unem a bolsonaristas, no golpe frustrado em dia 8 de janeiro

Segundo o informe da Abin, cinco comunidades do aplicativo de mensagens Telegram reuniram, no total, 2,8 mil integrantes dispostos a integrar o movimento golpista. A ideia dos grupos era estimular “narrativas de deslegitimação” das instituições, de acordo com o levantamento.

Os neonazistas brasileiros apresentam sem pudor
© Fornecido por Correio do Brasil

Supremacistas brancos ligados a grupos neonazistas, munidos da bandeira que simboliza a ideologia de ultradireita associaram-se aos movimentos golpistas que eclodiram no país, após o resultado das eleições de 2022. A informação consta de relatório da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) vazado nesta quarta-feira para a mídia conservadora.

Segundo o informe da Abin, cinco comunidades do aplicativo de mensagens Telegram reuniram, no total, 2,8 mil integrantes dispostos a integrar o movimento golpista. A ideia dos grupos era estimular “narrativas de deslegitimação” das instituições, de acordo com o levantamento.

O relatório da Abin foi elaborado entre 25 de novembro e 1º de dezembro de 2022. O período, vale destacar, foi marcado pelo crescimento da tensão social no país, com diversos casos de manifestantes bolsonaristas fechando estradas e ocupando QGs do Exército, na exigência de uma atuação contra o resultado legítimo que deu a vitória a Lula (PT) contra Jair Bolsonaro (PL).

Eleições

Até o início do ano passado, as células neonazistas experimentaram um expressivo crescimento no país. Estimuladas pelo discurso de ódio disseminado pelo ex-mandatário neofascista Jair Bolsonaro (PL), em razão da ascensão da extrema-direita, esses grupos cresceram mais de 270%, desde 2019, segundo um estudo elaborado pela antropóloga Adriana Dias, ex-professora da Unicamp.

Após as eleições de 2022, houve, segundo a Abin, um aumento do engajamento dos grupos.

Até o pleito eleitoral de 2022, não se identificava histórico de envolvimento sistemático de grupos supremacistas e neonazistas com pautas políticas e manifestações. Apesar disso, em monitoramento de grupos virtuais utilizados para disseminação de conteúdo supremacista na conjuntura eleitoral, observou-se aumento da interação e da visualização”, aponta o relatório.

Cid confessa

Entre os eixos de atuação dos grupos neonazistas após as eleições, segundo a Abin, estão o levantamento de suspeitas sem provas de fraude nas urnas, apoio aos bloqueios em estradas e a disseminação de panfletos fazendo referência à “luta contra comunistas”.

Em linha com o que o setor de inteligência do governo apurou, os depoimentos que o tenente-coronel Mauro Cid prestou à Polícia Federal  (PF), nos últimos dias, corroboram com as informações colhidas. Ao mesmo tempo, acenderam a luz de alerta entre militares de alto escalão que integraram o governo anterior para o risco de ver integrantes do oficialato brasileiro imiscuído com a ideologia nazista.

Cid, segundo apurou a mídia conservadora, tem colaborado com a PF, fornecendo detalhes cruciais sobre reuniões e conversas que faziam parte de um plano para efetivar o golpe de Estado para manter Bolsonaro no poder, mesmo após a derrota nas urnas para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nas eleições presidenciais do ano passado. Os depoimentos também abrangem outros temas, incluindo o escândalo das joias sauditas que o ex-mandatário tentou se apropriar.

Generais

Com base no depoimento de pessoas próximas a Cid, até agora ele não apontou nomes, especificamente, mas começa a detalhar os participantes das tratativas, incluindo militares, ex-ministros e funcionários do governo Bolsonaro.

O próximo passo, segundo as apurações, será detalhar quem são os militares e outros ex-ministros e funcionários do governo Bolsonaro que participaram das tratativas que se deram, entre outras localidades, no Palácio da Alvorada em dezembro passado. Entre os nomes listados por Cid estariam os dos generais Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional - GSI) e Walter Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil e da Defesa).