Ministério
da Justiça aponta que organizações criminosas de SP e RJ têm células em prisões
de todo o país, exceto RS e Amapá; entretanto, firmam conexões com grupos
gaúchos para negócios ilícitos
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PCC e COMANDO VERMELHO NOS ESTADOS |
Estudo do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) produzido
pela Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) aponta que as duas mais
expressivas organizações criminosas do país, o Primeiro Comando da
Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), mantêm
células em penitenciárias de 25 dos 27 Estados brasileiros, exceto
no RS e no Amapá (veja no mapa abaixo).
Para o
secretário da Segurança Pública do Rio Grande do Sul, Sandro Caron, os dois
grupos incluídos no estudo do governo federal não teriam interesse em
empreender operações em território gaúcho, sobretudo, pela posição geográfica do Estado.
"A grande
operação destas facções nacionais não é o varejo da droga. Embora controlem o tráfico no
centro do país, o principal negócio delas é a venda de cocaína em grandes
quantidades, da Colômbia, do Peru e da Bolívia, para a Europa, tendo
como pontos logísticos os portos de Santos (SP) e do
Nordeste" — explica Caron.
Isso não significa, de acordo com o secretário, que estas
organizações não tenham ambição de ampliar seu espectro territorial avançando
operações em solo gaúcho.
"Não baixamos
a guarda nunca. Há permanente monitoramento realizado pelo nosso setor de
inteligência, que identifica a existência de conexões em negócios ilícitos. Em
nossa visão, já passou da hora de uma ação integrada entre União e Estados para
enfrentar estes grupos que, na verdade, são transnacionais, extrapolando os
limites do território brasileiro" — analisa Caron.
A
Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe) foi convidada a analisar
as informações do relatório. Porém, após três dias de reiterados pedidos, não
respondeu aos questionamentos apresentados pela reportagem de GZH.
De apoio logístico e empréstimo de mão de obra a fornecimento da
droga
Apesar do dado
levantado pelo relatório do Ministério da Justiça e Segurança Pública,
autoridades policiais do Rio Grande do Sul consideram que a existência
de laços de PCC e CV com facções gaúchas é uma realidade.
"As alianças
para negócios ilícitos existem. Relatórios da nossa inteligência revelam indivíduos
que se identificam como integrantes do PCC. Pode ser para
expressar poder, mas as investigações não desprezam informações sem apurar. Há
situações que indicam apoio logístico, empréstimo de mão de obra.
Contudo, a informação consistente é de que o PCC, principalmente, é o grande
fornecedor de cocaína a facções aqui do Estado" — descreve
o diretor de Investigações do Departamento Estadual de Investigação do Narcotráfico
(Denarc), delegado Alencar Carraro.
Além do tráfico de drogas,
a conexão entre grupos locais e nacionais também se manifesta em investigações
de roubos e furtos a banco e extorsão mediante sequestro.
"A gente já
percebeu pessoas que possuem uma íntima relação com estas facções.
Em especial, com o PCC. Não percebo diretamente a prática de crimes
capitaneados por eles, mas a vinculação dos criminosos que atuam nestas
facções, em alguns segmentos de crimes, é evidenciada nas investigações, seja
pela presença
deles em locais onde o PCC atua, em contas
vinculadas à lavagem de capitais, em anotações apreendidas" —
comenta o delegado João Paulo de Abreu, titular da 1ª Delegacia de Polícia de
Repressão a Roubos do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic).
Prisões como
espaços centralizadores de oportunidades de conexões
Pesquisadora
do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
e autora do livro Os Coletivos Criminais de Porto Alegre
entre a Paz na Prisão e a Guerra na Rua, Marcelli Cipriani observa
que a formação do PCC e do CV, que são as duas únicas facções com abrangência
nacional no Brasil, assim como as relações que estabeleceram entre si e em
outros Estados, foram costuradas dentro de unidades prisionais.
"Não por coincidência, as sucessivas transferências de seus integrantes,
especialmente na década de 1970, no Rio de Janeiro, e nos anos 1990, em São
Paulo, foram fatores determinantes à decorrente pulverização desses
grupos. Em qualquer escala, dentro de uma cidade, em um Estado,
ou entre Estados de um mesmo país, a prisão foi e segue sendo um local
centralizador de oportunidades para o estabelecimento de acordos, colaborações
e alianças que repercutem nos mercados ilícitos e em suas dinâmicas urbanas" —
diz.
Expansão como
efeito colateral
Marcelli
destaca que esta condição adquiriu uma dimensão ainda mais ampla por meio da intensa
movimentação de presos no sistema federal, o que fortaleceu
relações entre essas grandes facções e grupos locais, menos estruturados,
nativos de vários outros Estados.
Porém,
conforme a pesquisadora, diferentemente do que ocorreu em Santa Catarina e no
Paraná, onde estes grupos se firmaram bastante cedo, as transferências de presos do PCC e
do CV foram quase nulas no Rio Grande do Sul.
"A expansão
do PCC e do CV pelos Estados brasileiros já é uma constante. O que varia, em
cada um deles, é o modo como ela manifesta: seja com a presença em unidades
prisionais e com a participação no varejo, que pode implicar o estabelecimento
de regimes de aliança ou conflito diante de grupos locais; seja com a atuação
no atacado, expressa pelo fornecimento de drogas e pela inserção de outras
coletividades em amplas redes comerciais e de colaboração mútua" — explica.
Para a
pesquisadora, embora tais dinâmicas respondam a questões estruturais, como a
progressiva faccionalização do crime, há particularidades que devem ser levadas
em conta para análise e planejamento de segurança em cada Estado.
"Com a
eliminação ou absorção de gangues e quadrilhas menores, o modo como grupos
locais coexistem em cada contexto, compõem ou antagonizam com as duas facções
nacionais é marcadamente atravessado por suas características urbanas,
prisionais, policiais e criminais" — pontua.